O globo, n.31428, 24/08/2019. Artigos, p. 02

 

Bolsonaro é eficiente ao construir a crise 

24/08/2019

 

 

Ao criar problemas para si mesmo em abundância, o presidente Jair Bolsonaro já havia demonstrado no início do mandato que seu governo prescindia de oposição. Agora, a crise internacional em torno da Amazônia amplia a percepção do poder de autodestruição de Bolsonaro. Pois seu discurso anti ambientalista, somado a ações concretas de desmobilização de controles na região —executadas de forma diligente pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles —, não colocou o país apenas numa enorme confusão diplomática. Também abalou os alicerces do agronegócio, atividade que levou 40 anos para tornar o Brasil uma potência agrícola exportadora, hoje ameaçada por barreiras protecionistas em retaliação ao descuido de Bolsonaro com o meio ambiente.

Sem qualquer surpresa. Afinal, Bolsonaro foi avisado deste perigo logo depois de eleito, e pelos próprios empresários. Mas ele parece não ouvir ninguém de fora do círculo familiar, que não demonstra ser bom conselheiro. Inútil acusar competidores no mercado de commodities de se aproveitarem da situação para capturar clientes. A culpa está com quem deu o pretexto. No campo dos negócios, os problemas já começaram. Macron anunciou que não assinará o acordo comercial Mercosul-União Europeia, do qual consta uma cláusula ambiental, mesma posição da Irlanda. Um tratado negociado durante 20 anos pode naufragar. E ainda a Finlândia propõe boicote à carne brasileira.

Nunca o Brasil foi tão mencionado antes de uma reunião do G-7 (Estados Unidos, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Canadá, Itália e Japão), marcada para este fim de semana, em Biarritz, na França. Infelizmente, citado de forma negativa.

A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron, aos quais se juntou Justin Trudeau, premier do Canadá, trataram de garantir a inclusão do tema na agenda do encontro. “É uma crise internacional”, afirmou Macron, acusado na réplica de Bolsonaro de ter “mente colonialista”. Palavras que nada valem diante do estrago em andamento na Amazônia.

Este é o período de queimadas na região, facilitadas pelo tempo normalmente seco nesta época. Além de focos criados por pecuaristas e agricultores rudimentares, que usam o fogo para limpar a terra, há incêndios provocados para abrir áreas recém-desmatadas. Existem informações irrefutáveis de que o desmatamento aumentou à medida que Bolsonaro se aproximava do Planalto. É também prova da relação do desmatamento com as queimadas o fato de que as áreas com mais focos de incêndio são aquelas em que houve maior corte de árvores. A relação de causa e efeito entre o que pensam autoridade se o seu reflexo no campo já havia sido observada quando o presidente Michel Temer decidiu acabar por decreto coma proteção da Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados ). Logo as motosseras entraram em ação. Quando o presidente voltou atrás, a destruição já ocorrera. Para reduzir os enormes danos, o governo precisará contar com os profissionais do Itamaraty e agir de forma efetiva na região contra agentes do desmatamento (madeireiros, garimpeiros, pecuaristas), ajudado pelo agronegócio. Bolsonaro terá de ir contra o que tem defendido. Também não pode descartar a troca de ministros.

Está virando cinzas tudo o que se construiu de positivo até hoje em termos de imagem de uma agropecuária que não agride o meio ambiente, de uma exploração cuidadosa da Amazônia. O mundo toma consciência de que a causa do desmantelamento ambiental está no Planalto.