O globo, n.31428, 24/08/2019. País, p. 08

 

Nova fase da lava-jato mira Graça Foster 

24/08/2019

 

 

Operação tem como base delação de Palocci. PF afirma que ex-presidente da Petrobras encobriu irregularidades em contratos da estatal e favoreceu o BTG Pactual na compra de ativos na África

SÃO PAULO

A Polícia Federal deflagrou ontem a 64ª fase da Operação Lava-Jato, que teve como alvos a ex-presidente da Petrobras na gestão petista Graça Foster, o banqueiro André Esteves e o BTG Pactual. Agentes cumpriram mandados de busca e apreensão na sede do banco e nas casas de André Esteves e de Graça Foster no Rio de Janeiro.

A investigação tem como base o acordo de delação premiada do ex-ministro petista Antonio Palocci, firmado em Curitiba, e informações que aparecem em e-mails do ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht. A ex-presidente da Petrobras é suspeita de não ter adotado medidas para apurar ou impedir a continuidade do esquema de corrupção dentro da estatal durante a sua gestão, entre fevereiro de 2012 e fevereiro de 2015.

Procurado, o BTG Pactual disse estar à disposição das autoridades para que “tudo seja esclarecido o mais rápido possível”. Já André Esteves declarou que é “inexplicável e verdadeiramente assustadora a nova medida de força adotada sem qualquer motivo, baseada na desacreditada delação de Antonio Palocci, contra uma instituição financeira e um cidadão recentemente vítima de violento erro judiciário reconhecido por todas as instâncias judiciais”. O GLOBO não conseguiu contato com a defesa de Graça Foster.

A operação foi batizada de “Pentiti” — referência ao termo empregado na Itália para caracterizar pessoas que integraram organizações criminosas e, após serem presas, decidiram colaborar com investigações de autoridades — e mirou crimes de corrupção ativa e passiva, organização criminosa e lavagem de capitais ligados a recursos registrados em uma planilha chamada “Programa Especial Italiano”, gerida pelo setor de propinas da Odebrecht.

Os investigadores sustentam que a ex-presidente da Petrobras favoreceu o BTG Pactual na compra de ativos da estatal na África em troca de assumir o controle da Sete Brasil, subsidiária da Petrobras criada para a exploração do pré-sal. De acordo com a PF, os cofres públicos podem ter sido lesados em ao menos US$ 1,5 bilhão, o equivalente a hoje R$ 6 bilhões.

Em junho de 2013, a Petrobras e o BTG anunciaram que o banco compraria ativos de exploração e produção da petroleira na África. A transação envolveu 50% do capital da Petrobras Oil & Gas B.V, as sucursais localizadas em Angola, Benin, Gabão e Namíbia, bem como as subsidiárias na Nigéria e na Tanzânia.

COMPRAS ABAIXO DO PREÇO

A partir de análise de documentos apreendidos, foram identificados indícios de que os ativos na África foram comercializados em valor inferior ao avaliado por instituições financeiras. No início do processo, seu preço foi estimado entre US$ 5,6 bilhões e US$ 8,4 bilhões. Ao final, em 2013, metade desses ativos foi vendida por US$ 1,5 bilhão. O procedimento de venda teria ocorrido com restrição de concorrência e acesso a informações sigilosas em favor do BTG.

Além disso, Graça teria, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), “aparente” conhecimento de irregularidades mantidas em um contrato firmado entre a Odebrecht e a Petrobras, relativo à prestação de serviços nas áreas de Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS). Mesmo assim, a ex-presidente da estatal teria concordado com a continuidade do contrato.

INTERESSES DO PT

A Polícia Federal, com base nas declarações de Palocci, afirma que a indicação de Graça Foster para a presidência da Petrobras pela ex-presidente Dilma Rousseff ocorreu para “direcionar eventuais cobranças por recursos das empresas contratadas” para os interesses gerais do PT. A PF também apura informações de Palocci de que André Esteves, na campanha eleitoral de 2010, acertou com o ex-ministro o repasse de R$ 15 milhões para garantir privilégios ao BTG no projeto de sondas do pré-sal.

— Esta é mais uma investigação relativa a possíveis crimes que têm relação com instituições financeiras. Já houve denúncias apontando crimes relacionados a funcionários do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Paulista e corretoras — afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol.

Ex-presidentes da Petrobras e os indícios de irregularidades

> O sucessor e o antecessor de Graça Foster no comando da Petrobras também já entraram na mira de investigações. O primeiro, Aldemir Bendine, liderou a empresa entre 2015 e 2016 e é o único ex-presidente alvo de processo na Lava-Jato.

> Bendine chegou a ficar preso de julho de 2017 a abril deste ano, quando foi libertado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Condenado pelo ex-juiz Sérgio Moro, sob a acusação de receber R$ 3 milhões em propina da Odebrecht, Bendine teve sua pena reduzida para 7 anos e 9 meses, em junho, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). O processo segue em tramitação e ainda cabe recurso em segunda instância.

> Já Sergio Gabrielli, que ficou à frente da Petrobras de 2005 a 2012, chegou a ter os bens bloqueados por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), pelo suposto superfaturamento na Refinaria Abreu Lima, em Pernambuco. A medida, porém, foi revertida pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF, em 2018.

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Prédio de escritório de advocacia é alvo de buscas 

Dimitrius Dantas 

24/08/2019

 

 

A juíza Gabriela Hardt, responsável por autorizar a 64ª fase da Operação Lava-Jato, também determinou que policiais federais cumprissem mandado de busca e apreensão no edifício do antigo escritório de advocacia de José Roberto Batochio, responsável pela defesa, na Lava-Jato, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Batochio também foi advogado de Antonio Palocci, mas deixou sua defesa quando o ex-ministro decidiu colaborar com as investigações.

A Polícia Federal sustenta que a Odebrecht fez duas entregas de valores em espécie no escritório em 2012, no valor de R$ 1 milhão. O objetivo da investigação é determinar se um dos assessores de Palocci, Branislav Kontic, esteve no edifício nas datas em que teriam ocorrido as entregas dos valores, a partir dos registros físicos dos acessos às salas comerciais e da garagem do edifício. A juíza Gabriela Hardt negou outros dois pedidos da Polícia Federal, para ir ao atual escritório de Batochio e à sua casa, mas autorizou a busca no edifício onde ficava seu antigo escritório.

Ao GLOBO, Batochio afirmou que a PF apenas fez uma diligência na portaria do prédio em busca de informações sobre antigos clientes. O advogado destacou que o Ministério Público Federal (MPF) foi contra os pedidos e negou qualquer entrega de dinheiro no local. O mandado foi cumprido com o acompanhamento de um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e foi vedada a apreensão de documentos como petições ou minutas de peças jurídicas, caso fossem encontradas.

CRÍTICAS DA OAB

Segundo o Estatuto da Advocacia, as comunicações e documentos entre advogados e clientes são protegidos por sigilo. A OAB e o Instituto de Advogados Brasileiros (IAB) criticaram a medida. O presidente da Ordem, Felipe Santa Cruz, afirmou que o pedido feito pela Polícia Federal constitui uma violência, “numa execrável demonstração de que o abuso, nos dias que correm, não conhecem mesmo quaisquer limites”.

Ao se posicionar de forma contrária aos pedidos da Polícia Federal, o MPF ponderou que esbarrariam na garantia de sigilo entre cliente e advogado e argumentou que as informações poderiam ser obtidas de outras formas, como a análise fiscal. No entanto, a juíza Gabriela Hardt decidiu que parte da busca e apreensão era necessária ao menos no edifício do antigo escritório, apesar de “polêmica”.

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PF abriu dez novos inquéritos a partir da delação de Palocci 

Aguirre Talento 

Bela Megale 

24/08/2019

 

 

A Polícia Federal em São Paulo já abriu dez novos inquéritos para investigar assuntos relatados pelo ex-ministro petista Antonio Palocci em sua delação premiada. Cinco deles são sobre os anexos de Palocci envolvendo bancos, revelados em julho pelo GLOBO, e miram BTG Pactual, Bradesco, Safra, Itaú-Unibanco e Banco do Brasil. As empresas negam terem cometido irregularidades. A abertura dos inquéritos foi confirmada por fontes envolvidas nas investigações. Até o momento, não veio a público nenhuma prova das acusações.

O material faz parte da delação premiada de Palocci homologada no fim do ano passado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, composta por 23 anexos. A Justiça Federal de São Paulo recebeu do STF o material há cerca de dois meses. O Ministério Público Federal (MPF), então, solicitou à PF que fossem abertos inquéritos relacionados a dez anexos da delação.

As investigações estão em estágio inicial. Agora, Palocci deverá apresentar às autoridades provas e também prestar novos depoimentos relacionados a esses casos.

As investigações correm sob sigilo na 5ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo. Sob o argumento de que os fatos delatados por Palocci envolvem suspeitas de lavagem de dinheiro, o MPF solicitou que os processos sejam redistribuídos para uma vara federal especializada em lavagem, mas ainda não houve decisão.

A operação da Lava-Jato deflagrada ontem, que teve como base a delação do ex-ministro e mirou o BTG Pactual e a ex-presidente da Petrobras Graça Foster, faz parte de outro pacote, os inquéritos de Palocci que tramitam há mais tempo em Curitiba. As linhas de investigação na PF de São Paulo podem resultar em novos desdobramentos.

OUTRAS FRENTES

Além dos fatos envolvendo bancos, haverá novas apurações sobre supostas operações irregulares de grandes empresas no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e no Conselho de Defesa da Atividade Econômica (Cade), delatadas por Palocci. Outros trechos da delação foram enviados para processos já em andamento no STF, na Justiça Federal do DF e em Curitiba.