O Estado de São Paulo, n. 46065, 01/12/2019. Política, p. A10

 

Entrevista - João Pedro Gebran Neto: 'Não há contaminação dos julgadores'

Ricardo Brandt

Fausto Macedo

01/12/2019

 

 

Gebran Neto afirma que decisão do TRF-4 de rejeitar recurso de Lula não afronta o Supremo Tribunal Federal  

Lava Jato. Gebran Neto diz que debate sobre prisão em 2ª instância está ‘contaminado’

‘Não há contaminação ideológica de julgadores’

João Pedro Gebran Neto, desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

  “O TRF-4 não afrontou o STF.” A afirmação do desembargador federal João Pedro Gebran Neto, o relator em segunda instância da Operação Lava Jato, no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, busca um fim para o que ele enxerga como falsa polêmica: a de que houve um enfrentamento ao Supremo Tribunal Federal (STF) na decisão que ampliou a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, de 12 para 17 anos de prisão no processo do sítio de Atibaia.

A defesa de Lula tinha pedido nulidade da condenação porque a 13.ª Vara de Curitiba (primeira instância) não havia aplicado prazo distinto para delatores e delatados entregarem suas alegações finais no processo, conforme decisão recente do STF, em outra ação penal da Operação Lava Jato. “O que se fez é aplicar o entendido do Supremo, em conformidade com os precedentes da existência e demonstração de prejuízo”, afirma.

Ao Estado, em entrevista realizada por e-mail dois dias após a análise do caso de Lula, Gebran Neto rebateu acusações de que os julgamentos têm conotação política. “Tampouco há contaminação ideológica dos julgadores”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

   O TRF-4 “afrontou”, como afirmou a defesa do ex-presidente Lula, o STF ao negar a tese de regra geral retroativa defendida por réus, com base em entendimento da Corte, sobre prazo diferenciado para delatores e delatados nos processos penais?

Com certeza o TRF-4 não afrontou o STF e nunca teve qualquer interesse em polemizar sobre o tema. O que se fez, e me parece claro nas manifestações e votos, é aplicar o entendido do STF, em conformidade com os precedentes da existência e demonstração de prejuízo. Aliás, o STF estava modulando os efeitos de sua decisão, mas não concluiu o julgamento. Assim, aplicou-se o entendimento em consonância com os precedentes históricos, seja no tocante à eficácia para o futuro das novas normas processuais, seja no tocante à ausência de prejuízo. De momento, não há decisão em repercussão geral ou mesmo efeito suspensivo concedido nos processos em trâmite na Suprema Corte, cabendo aos tribunais inferiores examinarem o caso concreto.

  O julgamento da apelação sobre o caso do sítio de Atibaia foi político, como criticaram as defesas dos réus?

 Nenhum julgamento relacionado à Operação Lava Jato tem conotação política. Tampouco há contaminação ideológica dos julgadores. Como se procurou destacar nos votos, somente os fatos imputados aos réus são objeto do julgamento, segundo as provas existentes nos autos. Magistrados não julgam pessoas e suas histórias de vida, mas condutas específicas, tudo conforme o acervo probatório. Aliás, em meu voto cito precedente da ministra Cármen Lúcia fazendo exatamente essa referência. A fixação de tese de um papel do Judiciário de antagonismo aos réus é bastante antiga, mas neste caso é seguramente falaciosa.

  Como vê as sucessivas tentativas das defesas de réus da Lava Jato de atribuírem suspeição aos juízes do caso? Tanto o senhor, como o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, o exjuiz Sérgio Moro e a juíza Gabriela Hardt foram alvo de questionamentos...

Do ponto de vista jurídico processual, acho absolutamente natural que os réus utilizem-se dos meios de defesas que entenderem pertinentes. Assim, não há qualquer estranhamento quando alguém recorre ou interpõe medidas como exceções de competência ou mesmo de suspeição. De outro lado, vejo que há uma tentativa intensa de imputar aos magistrados uma atuação política ou ideologizada, como se estivessem a serviço de alguém ou atuando com objetivos outros, que não simplesmente realizar seu ofício da melhor forma possível. E isso é um equívoco e um desserviço para a sociedade.

  Como viu a mudança de entendimento do Supremo em relação à execução provisória da pena em segundo grau e quais suas convicções sobre o tema?

Minha compreensão sobre o tema é antiga, antecedendo inclusive aos julgamentos do STF, como é possível ver nos votos que proferi ao longo dos anos, reconhecendo a possibilidade da execução da pena após o julgamento em segunda instância. Essa antecipação do paradigma no TRF-4 ocorreu porque, naquele tempo, era visível a mudança que o STF faria em sua jurisprudência. Todavia, recentemente, a Suprema Corte voltou a firmar jurisprudência em desfavor da execução após julgamento em segundo grau. Compreende-se e respeita-se. Há argumentos bons e fortes em favor da tese recentemente chancelada pelo Supremo. Mas, segundo compreendo, os fundamentos jurídicos e sociais em sentido contrário são igualmente bons e fortes. Esse debate, hoje no Brasil, talvez esteja contaminado pelo momento político, embora devesse ter uma visão de Estado.

A advertência dada ao procurador Deltan Dallagnol, a aprovação da nova Lei de Abuso de Autoridade, o esvaziamento do projeto anticorrupção do ministro Sérgio Moro no Congresso foram derrotas recentes. É a pior fase desses seis anos de Lava Jato?

Cada episódio tem seu foro adequado de discussão, mas não faço essa avaliação de pior ou melhor momento da Lava Jato. Como magistrado, defendo minhas convicções com aquilo que vejo no processo. Porém, após quase seis anos, vejo com naturalidade a existência de avanços e retrocessos no combate à impunidade e à corrupção. Certamente teremos diversos outros avanços e alguns retrocessos. Outras vezes correções de rumos serão necessárias.

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Presos da Lava Jato recorreram a médium e pagaram 'benfeitorias'

Vinicius Passarelli

01/12/2019

 

 

Livro do jornalista Wálter Nunes relata cotidiano e curiosidades de figuras importantes que foram presas pela operação   

Ajuda. Renato Duque teve auxílio do médium Frei Bonifácio

No segundo semestre de 2015, a advogada Isabel Kugler, presidente do Conselho da Comunidade do Complexo Médico Penal (CMP) de Curitiba, estava preocupada com a saúde espiritual do ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, preso pela Operação Lava Jato desde novembro do ano anterior.

Para ajudar o empresário, Isabel recorreu à ajuda de um antigo colaborador de outros presídios do Paraná: o líder espiritual Frei Bonifácio. Ele, na verdade, era o sírio Nassib Abdo Abage Filho, dono de um tradicional antiquário em Curitiba, sede da operação, que havia feito fama na cidade com seus atendimentos mediúnicos.

“O ex-diretor da Petrobrás, que chegou à cadeia dizendo que não ficaria muito tempo ali, já tinha percebido que não sairia tão cedo e foi tomado por profundo abatimento. A melancolia do burocrata preocupou a advogada, que temia que ele desse cabo da própria vida. A dra. Isabel avaliou que estava fora do mundo terreno a ajuda a Duque”, relata o jornalista Wálter Nunes no livro A Elite Na Cadeia, O Dia a Dia dos Presos da Lava Jato, lançado na semana passada pela editora Objetiva.

O livro narra histórias dos empreiteiros, empresários, doleiros e políticos mandados para a prisão. Nassib continuou atendendo os “lavajatos” por um tempo, mas interrompeu as visitas para se dedicar à torcida de seu sobrinho Kaysar Dadour no reality show global Big Brother Brasil.

O recorte de tempo narrado no livro se inicia em novembro de 2014, quando o então juiz Sérgio Moro, responsável pela 13.ª Vara Federal de Curitiba, mandou prender executivos e empreiteiros como Renato Duque, ex-diretor da Petrobrás, Léo Pinheiro, dono da construtora OAS, Ricardo Pessoa, da UTC, Dalton Avancini, da Camargo Corrêa e o lobista Fernando Baiano, entre outros. Foi a 7.ª fase da Lava Jato, batizada de Juízo Final. “A Lava Jato vira Lava Jato ali, quando coloca um monte de rico dentro da cadeia”, conta Nunes.

  Van. Em junho de 2015, os agentes da Polícia Federal bateram na porta da casa do nono homem mais rico do País, com uma fortuna pessoal estimada em R$ 13 bilhões, segundo a revista Forbes. Marcelo Odebrecht recebeu os agentes após sua série diária de braçadas na piscina semiolímpica, quando se preparava para tomar café da manhã. Ele só voltaria para casa dois anos e meio depois.

Logo que seus executivos foram atingidos pela Lava Jato, a Odebrecht teve de montar um esquema especial para atender a demanda de seus presos. Funcionários foram deslocados para Curitiba e um escritório na cidade foi alugado para servir como centro de apoio e logística. Advogados eram designados a pegar cartas escritas por Marcelo com instruções e repassar para o comando da empreiteira. Ele continuava despachando do cárcere.

A estrutura foi readaptada quando Marcelo e outros executivos foram transferidos da carceragem da PF para o Complexo Médico Penal. Como o presídio fica em São José dos Pinhais, cidade vizinha a Curitiba, a Odebrecht teve que adaptar uma van que ficava estacionada em frente ao complexo, servindo como base de apoio com lanches, refrigerantes e água para os parentes que saíam após as visitas.

  Hierarquia. Nunes narra a impressão inicial dos presos da Lava Jato – que imaginavam que logo sairiam dali –, a transferência da carceragem da Polícia Federal para o CMP e a relação entre delatores – e suas regalias – e delatados dentro da prisão. Também é relatado como era o convívio entre os homens mais ricos do País com acusados de contrabando, assassinato e estupro, entre outros delitos.

“O comportamento que eles tinham fora da cadeia eles continuaram tendo dentro dela. Por exemplo, o Fernando Baiano continua fazendo lobby, os empreiteiros continuam patrocinando coisas, os políticos continuam se organizando em bloco, por partido. A hierarquia que existia dentro das empresas também se mantém dentro da prisão”, conta Nunes. O livro narra algumas “benfeitorias” promovidas pelos empreiteiros no presídio: compra de produtos de higiene, pintura nas paredes e aparelhos de televisão.

Para Nunes, o livro mostra que a desigualdade entre ricos e pobres que há no Brasil é reproduzida na cadeia. A diferença entre as alas dos “lavajatos” e dos presos comuns chega a comover alguns dos empreiteiros da Odebrecht e da OAS, que bancaram cobertores e geladeira para a ala dos presos comuns. “A situação dos presos da Lava Jato não era confortável, mas era muito diferente da realidade dos outros internos.”

A ELITE NA CADEIA

Autor: Wálter Nunes

Editora: Objetiva

Páginas: 289

Preço: R$ 49.90