O Estado de São Paulo, n. 46092, 28/12/2019. Política, p. A4

 

Bolsonaro recebeu aval de Toffoli a juiz de garantias

Rafael Moraes Moura

28/12/2019

 

 

Judiciário. Presidente do STF diz que medida não retroage para casos em andamento nem vale para tribunais superiores

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, disse ontem ao Estado que deu aval à criação da figura do juiz de garantias, fazendo chegar ao Palácio do Planalto que a adoção da medida era “factível” e “possível” de ser implementada. Ele, porém, ressaltou que não interferiu na decisão do presidente Jair Bolsonaro. A sanção do dispositivo pelo presidente contrariou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que apontou dificuldades para viabilizar a medida.

“Fiz chegar que era factível e era possível implementá-la. Não me lembro se foi direto (com o presidente), ou através do Jorge (Jorge Oliveira, ministro da Secretaria-Geral da Presidência)”, disse Toffoli à reportagem, sem entrar em detalhes. “Não interfiro nisso.”

Na avaliação do presidente do Supremo, o dispositivo que divide entre dois juízes a condução e julgamento do processo não retroage, ou seja, não alcança os casos em andamento – como as investigações que miram o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) –, nem atinge tribunais superiores, preservando, dessa forma, a relatoria da Operação Lava Jato com o ministro Edson Fachin. Para Toffoli, algumas dúvidas que surgiram no Congresso e no próprio Judiciário são “inexistentes”.

“O surgimento dessa figura deve valer para a primeira instância e processos futuros, não deve atingir os casos em andamento. Só a partir do momento que (o novo sistema) estiver estruturado no Judiciário, na Justiça Federal, estadual. A tendência da regulamentação do CNJ, para dar segurança jurídica, é que só se aplicaria no futuro”, afirmou.

Seis meses. Para Toffoli, “com certeza” será preciso um regime de transição para a implantação do juiz de garantias, prevista para entrar em vigor em todo o País em um período de 30 dias. “Penso que em seis meses é possível estar com todo o País estruturado”, afirmou.

De acordo com a lei, o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal, em relação às medidas necessárias para o andamento do caso até o recebimento da denúncia. O prosseguimento da apuração e a sentença ficarão a cargo de um outro magistrado.

Em tribunais superiores, no entanto, a decisão pelo recebimento de denúncia não é feita individualmente por um único magistrado – e, sim, por um colegiado de ministros. “Entendo que nos tribunais não há que se falar em juiz de garantias. Nos próprios tribunais o próprio colegiado é uma garantia.”

Dessa forma, a convicção do ministro é o de que não haverá mudanças nos trabalhos da Lava Jato no STF. “(Fachin) Continua relator e em colegiado não há o que se falar (sobre juiz de garantias). No STF, todos os juízes são iguais, não há nenhum tipo de diferença no STF. Se há um tribunal em que não há nenhum membro acima do outro é o Supremo. E o presidente não passa de um mero coordenador dos trabalhos”, acrescentou.

Contaminação. O presidente do Supremo concordou com a avaliação do decano, ministro Celso de Mello, que afirmou ao Estado que a figura do juiz de garantias “é uma inestimável conquista da cidadania”. Para Toffoli, o dispositivo garante maior imparcialidade do magistrado que vai julgar o réu, possibilitando que ele analise a causa sem “estar contaminado pela coleta das provas”.

“A garantia do direito não significa que não vai ter investigação. Significa que quem faz a investigação, autoriza a busca e apreensão, os meios coercitivos, a quebra de sigilo telefônico e bancário, não é aquele que vai julgar a causa. Já há experiências exitosas como o ministro Celso destacou”, afirmou Toffoli, em referência ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que mantém na capital o Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo).

Consulta pública. Por determinação de Toffoli, um grupo de trabalho foi criado no Conselho Nacional de Justiça para elaborar um estudo a respeito dos efeitos da aplicação do pacote anticrime e propor uma normatização da matéria até 15 de janeiro. Além disso, uma consulta pública será aberta na segunda-feira para ouvir juízes, tribunais e entidades da magistratura e colher sugestões até 10 de janeiro.

“O CNJ está tomando as providências para a sua implementação, é factível a sua realização. A questão de tempo pode ser evidentemente de acordo com as condições e necessidade dos tribunais, pode ser regulada pelo próprio CNJ. Então não há nenhum tipo de preocupação em relação a isso”, disse o presidente do Supremo.

“Tudo isso é muito simples de administrar, ainda mais com o processo judicial eletrônico. O CNJ vai disciplinar e organizar isso junto com os tribunais.”

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Moro questiona 'rodízio' de magistrados: 'É um mistério'

Breno Pires

28/12/2019

 

 

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, reforçou a insatisfação com a aprovação do juiz de garantias ao publicar ontem em sua conta pessoal no Twitter novo questionamento à inovação incluída por deputados no pacote anticrime, que apresentou em fevereiro à Câmara e foi convertido em lei na quarta-feira.

“Leio na lei de criação do juiz de garantias que, nas comarcas com um juiz apenas, 40 por cento do total, será feito um ‘rodízio de magistrados’ para resolver a necessidade de outro juiz. Para mim é um mistério o que esse ‘rodízio’ significa. Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta”, escreveu o ministro, que passa férias no Canadá.

O desconforto do ex-juiz federal que conduziu os inquéritos e julgou réus da Operação Lava Jato durante quatro anos já havia sido evidenciado em outras duas postagens dele no Twitter no dia do Natal, quando o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei aprovado pelas duas casas legislativas. “Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias”, disse.

Aliados notaram que Moro não costuma retrucar as posições do presidente da República e que isso só aconteceu porque ficou realmente insatisfeito após Bolsonaro não ter vetado o juiz de garantias.

Um interlocutor de Moro comentou, em caráter reservado, que Bolsonaro foi o “Grinch” – personagem fictício conhecido no cinema por estragar o Natal. Moro só voltará ao trabalho no dia 13 de janeiro.

Pela nova lei, um juiz de garantias deverá conduzir a parte da investigação, decidindo sobre medidas como busca e apreensão, quebra de sigilo e prisões preventivas, e outro juiz passará a atuar após o recebimento da denúncia. A intenção dos parlamentares foi garantir imparcialidade do julgador. Deputados comemoraram a aprovação da medida como sendo “anti-Moro”.

Na consulta pública do Conselho Nacional de Justiça serão ouvidos tribunais, associações de magistrados, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Defensoria Pública da União (DPU).