O Estado de São Paulo, n. 46091, 27/12/2019. Política, p. A6

 

PF indicia Lula por propina para seu instituto

Ricardo Brandt

Pedro Prata

Fausto Macedo

27/12/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

  Relatório diz que houve 'dissimulação' no repasse de R$ 4 milhões da Odebrecht

  A Polícia Federal em Curitiba indiciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Antonio Palocci, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e o empresário Marcelo Odebrecht pela suspeita de pagamento de propina de R$ 4 milhões da Odebrecht ao Instituto Lula entre dezembro de 2013 e março de 2014. Há indícios, segundo a PF, de crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

“As evidências mostraram que os recursos transferidos pela Odebrecht sob a rubrica de ‘doações’ foram abatidos de uma espécie de conta-corrente informal de propinas mantida junto à construtora, da mesma forma ocorrida com aqueles destinados à aquisição do imóvel para o Instituto Lula”, afirma o relatório da PF, subscrito pelo delegado Dante Pegoraro Lemos, da Superintendência Regional em Curitiba.

A PF aponta “dissimulação da origem e natureza dos citados valores repassados pela Odebrecht ao Instituto Lula, cujos atos foram falsamente formalizados e informados como se se tratasse de ‘doação’”.

O inquérito da PF será encaminhado ao Ministério Público Federal, que pode ou não oferecer denúncia criminal contra Lula, Palocci, Okamotto e Odebrecht. A Procuradoria pode, ainda, devolver os autos à PF para novas diligências. Se houver denúncia, caberá à Justiça Federal decidir se abre ou não uma nova ação penal contra o ex-presidente e os outros citados.

Na avaliação do delegado, “surgem, então, robustos indícios da origem ilícita dos recursos e, via de consequência, da prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, considerando o pagamento de vantagem indevida a agente público em razão do cargo por ele anteriormente ocupado”.

Em um trecho do relatório, a PF cita a delação premiada do ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar, um dos 77 colaboradores da empreiteira que fizeram acordo na Lava Jato.

“(Alexandrino Alencar) Disse que teve conhecimento da contabilidade paralela do grupo para pagamentos ao PT e ao expresidente (Lula), controlada por Marcelo Odebrecht e negociada diretamente com Antonio Palocci”, destacou a PF.

Ainda segundo Alexandrino, o ex-presidente da empreiteira lhe teria dito que todas as doações ao Instituto Lula seriam “baixadas” dessa “conta-corrente” que ele manteria com Palocci.

Ele não soube explicar a origem dos recursos que abasteciam a “conta paralela” do grupo. “Era uma conta em nome de Marcelo Odebrecht.” O ex-executivo da empreiteira afirmou também que foram “baixados” da conta “amigo” R$ 4 milhões destinados ao Instituto Lula. “Amigo” seria, de acordo com o delator, o ex-presidente.

O relatório da PF afirma ainda que Marcelo Odebrecht, em sua delação, “confirmou que as doações de R$ 4 milhões ao Instituto Lula foram abatidas da conta ‘amigo’, bem como a ciência de Lula acerca de provisionamentos para o instituto, a exemplo dos valores destinados à aquisição do terreno para a sede do instituto”.

“As doações eram anuais e ocorreram durante uns três anos”, relatou Alexandrino em seu acordo. “Eram operacionalizadas por notas fiscais normais de doação, sendo a negociação dos valores feita com Paulo Okamotto”, disse o delator.

  ‘Direcionamento’. A PF decidiu, também, apurar atos posteriores de destinação dos recursos pelo Instituto Lula, e “se houve beneficiamento pessoal ou de pessoas próximas”. “Não se pode olvidar o fato de que a simples contratação de empresas de familiares para a prestação de serviços pressupõe uma exclusividade, um privilégio.”

Conforme o relatório, “ainda que se considerem regularmente prestados os serviços contratados, e por preços justos, há de se reconhecer que houve um direcionamento de vantagem financeira a terceiros do círculo familiar do ex-presidente”. “Porém, não é possível afirmar nem negar que os recursos específicos repassados a empresas de familiares tenham origem direta nas ‘doações’ da Odebrecht, tendo em vista que recursos de outras fontes também ingressam no patrimônio do Instituto Lula ao longo do tempo.”

Defesas. O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, afirmou que todas as doações ao instituto “foram formais, de origem identificada e sem qualquer contrapartida”. “À época das doações Lula nem sequer era agente público e o beneficiário foi o Instituto Lula, instituição que tem por objetivo a preservação de objetos que integram o patrimônio cultural brasileiro e que não se confunde com a pessoa física do expresidente.” O Instituto Lula e Paulo Okamotto não responderam ao Estado.

O criminalista Tracy Joseph Reinaldet dos Santos, que defende Antonio Palocci, disse que o ex-ministro “colaborou de modo efetivo com a Polícia Federal e com o Ministério Público Federal para o esclarecimento dos fatos investigados.”

A Odebrecht informou que “tem colaborado com as autoridades de forma permanente e eficaz, em busca do pleno esclarecimento de fatos do passado”. A defesa de Marcelo Odebrecht não respondeu aos questionamentos da reportagem.