O Estado de São Paulo, n. 46089, 25/12/2019. Política, p. A6

 

Em 2019, STF impôs derrotas ao Planalto

Rafael Moraes Moura

25/12/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Ano também foi marcado por críticas e ‘recados’ de ministros da Corte a Bolsonaro

O Supremo Tribunal Federal (STF) impôs várias derrotas e deu duros recados ao governo de Jair Bolsonaro ao longo de 2019. O plenário da Corte restringiu a extinção de conselhos pelo Executivo, manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai e suspendeu o fim do DPVAT. Além disso, em decisões individuais, foram barradas alterações no Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda) e suspensa uma medida provisória que dispensava a publicação de editais de licitação e leilões em jornais de grande circulação.

Em decisão que contrariou o Planalto e a ala evangélica, um dos principais grupos de sustentação de apoio a Bolsonaro, o STF enquadrou a discriminação contra homossexuais e transexuais como crime de racismo. Depois, o presidente passar a defender a indicação de um ministro “terrivelmente evangélico” para a Corte.

A primeira vaga será aberta em novembro do ano que vem, com a aposentadoria compulsória de Celso de Mello, que se converteu em um dos principais porta-vozes de contraponto ao governo dentro da Corte. Em julho de 2021, será a vez de o ministro Marco Aurélio Mello deixar o Supremo, abrindo caminho para a segunda indicação de Bolsonaro. Entre os temas da agenda do governo pendentes de análise pelo STF estão a reforma da Previdência, ainda sem previsão de julgamento.

Para o primeiro semestre de 2020, Toffoli priorizou processos tributários e penais no calendário de julgamentos, evitando temas controversos da chamada “pauta de costumes”, como a descriminalização da maconha para uso pessoal e a descriminalização do aborto. Ao não marcar esses julgamentos controversos, Toffoli pretende evitar atritos com o Planalto e dar mais tempo para o Congresso se debruçar sobre os temas.

“Quando prevalece a Constituição, não há que se falar em derrota. O Supremo é o guarda da Constituição e não está engajado em qualquer política governamental. As instituições estão funcionando com independência”, disse ao Estado o ministro Marco Aurélio Mello.

Críticas. A primeira derrota do governo no Supremo veio em junho, quando os ministros decidiram – por unanimidade – que o governo federal não pode extinguir conselhos que tenham sido criados por lei. “O Executivo não pode legislar por decreto, tal situação configuraria clara manipulação do exame que é feito pelo Congresso. Nenhuma dúvida de que o decreto não poderia extinguir colegiados criados por lei”, disse o ministro Gilmar Mendes na ocasião.

Em outro placar unânime, o STF decidiu em agosto manter a demarcação de terras indígenas com a Funai, barrando as pretensões do Planalto de transferir essa responsabilidade para o Ministério da Agricultura. Depois do julgamento, Celso de Mello disse em entrevista ao Estado que Bolsonaro “degrada a autoridade do Parlamento brasileiro” ao reeditar trecho de medida provisória rejeitada pelo Congresso no mesmo ano.

O terceiro revés veio na semana passada, quando, em sessão virtual, os ministros suspenderam uma medida provisória do governo que dava fim ao Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, o DPVAT. Conforme revelou o Estado, a decisão atingiria em cheio os negócios do presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE). Desafeto de Bolsonaro, Bivar é o controlador e presidente do conselho de administração da seguradora Excelsior, uma das credenciadas pelo governo para cobertura do seguro DPVAT.

No próprio governo a derrota era considerada certa. Para o relator da ação, ministro Edson Fachin, a edição da medida provisória atenta contra a Constituição, que prevê lei complementar para tratar do tema.

Na avaliação do professor de Direito Constitucional da FGVSP Roberto Dias, Bolsonaro tentou nesses casos burlar a Constituição, diante da dificuldade de formar uma maioria estável no Congresso. “São casos emblemáticos, gritantes, de tentativa de afronta ao Congresso Nacional e à Constituição. Em linhas gerais, parece que o STF, em relação a esses atos abusivos do Executivo, agiu bem, freando os excessos do presidente da República”, afirmou Dias.

Liminares. O governo também foi derrotado com a caneta solitária de ministros do STF. No último dia antes do recesso do STF, Luís Roberto Barroso suspendeu parcialmente um decreto de Bolsonaro que alterava as normas sobre o funcionamento do Conanda. Para o ministro, as mudanças criavam riscos do surgimento de um “órgão chapa branca”, que “esvazia e inviabiliza” a participação de entidades da sociedade civil.

Em um julgamento que não envolvia medidas tomadas pelo atual governo, o Supremo deu recados a Bolsonaro e rejeitou em agosto ação do PSL que queria suspender dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigor desde 1990. Um dos pontos contestados era o veto à detenção de crianças e adolescentes para averiguação ou por motivo de perambulação. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que o ECA tinha de “ser rasgado e jogado na latrina”.

“Quem achar que o problema da educação no Brasil é Escola sem Partido, ideologia de gênero ou saber se 64 foi golpe ou não, está assustando com a assombração errada”, criticou Barroso na ocasião, ao defender a importância da educação para combater a criminalidade.

Procurada, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que as medidas barradas pelo Supremo “tinham mérito administrativo e foram adotadas com respaldo jurídico”. “A instituição tentou demonstrar isso e seguirá cumprindo sua atribuição de defender judicialmente, de forma técnica e com diálogo, as políticas públicas – sempre respeitando quando a Corte entender de forma diversa e reconhecendo que tais decisões fazem parte do sistema de freios e contrapesos inerente ao estado democrático de direito”, alegou. O Planalto não se manifestou.

REVESES

- Homofobia

STF contrariou Planalto e enquadrou discriminação contra homossexuais como racismo.

- Conselhos

Ministros decidiram que o governo não pode extinguir conselhos que tenham sido criados por lei.

- Terras indígenas

Demarcação ficou na Funai; Planalto queria na Agricultura.

- DPVAT

Corte suspendeu MP do governo que extinguia o seguro.

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'FT' inclui Moro entre as 50 personalidades da década

Fausto Macedo

Pedro Prata

25/12/2019

 

 

Para publicação, ex-juiz ‘abalou o establishment’ na América Latina com sua atuação na Operação Lava Jato  

Ministro. Moro é o único brasileiro na lista do jornal

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, é o único brasileiro de uma lista de 50 pessoas que marcaram a década do jornal britânico Financial Times. Segundo a publicação, que divulgou ontem a relação, o ex-juiz federal “abalou o establishment” da América Latina na condução da Lava Jato e sua ida para o governo “colocou em dúvida” sua atuação como magistrado, mas o deixou em situação de presidenciável.

De acordo com o Financial Times, “de seu cargo de juiz em uma cidade da província brasileira, Sérgio Moro encabeçou uma investigação de corrupção que abalou o establishment político da América Latina”.

“O mérito é do movimento global anticorrupção que chegou à América Latina”, disse Moro ao Estado. “Democracia exige integridade”, afirmou.

O jornal lembra que as investigações sobre o esquema de corrupção na Petrobrás levaram para a cadeia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e envolveu quatro ex-presidentes do Peru, sendo que um deles, Alan García, cometeu suicídio antes de ser preso, em abril deste ano.

Segundo a publicação britânica, ao aceitar um cargo no “governo de extrema-direita” de Bolsonaro, Moro abriu espaço para questionamentos sobre sua atuação como juiz. A decisão, porém, o alçou à condição de presidenciável. “No ano passado, Moro tornou-se ministro da Justiça no governo do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro – uma mudança na política que colocou em dúvida sua independência como juiz, mas que poderia colocá-lo em disputa na Presidência”, diz o Financial Times.

Moro, no entanto, disse que, “como ministro”, mantém o “mesmo propósito de quando era juiz: consolidar o combate à corrupção e a luta contra o crime organizado”.

A lista inclui principalmente políticos e chefes de Estado como Emanuel Macron, Angela Merkel, Vladimir Putin, Xi Jiping e Donald Trump, mas também foram incluídos nomes que tiveram influência em suas áreas como os jogadores de futebol Lionel Messi e Cristiano Ronaldo.