Correio braziliense, n. 20520, 27/07/2019. Política, p. 3

 

Dallagnol nega ilegalidade em palestra

Beatriz Roscoe

27/07/2019

 

 

O procurador Deltan Dallagnol recebeu R$ 33 mil de uma empresa citada em delação premiada na Operação Lava-Jato. O chefe da força-tarefa em Curitiba ganhou a quantia após dar uma palestra na Neoway, firma de informática, em março de 2018, dois anos depois da delação. Além de participar do evento remunerado, ele teria aproximado membros da Procuradoria e representantes da companhia para viabilizar o uso de produtos da empresa em um trabalho da força-tarefa. A informação foi divulgada pela Folha de S.Paulo, que, em parceria com o site The Intercept Brasil, tem veiculado reportagens sobre troca de mensagens de procuradores ligados à Lava-Jato.

Em entrevista à Rádio CBN, Dallagnol afirmou que realiza palestras frequentemente e que não há ilegalidade, desvio ético ou qualquer imoralidade. Segundo ele, antes de aceitar o convite para palestrar em empresas, fazia uma análise para ver se havia alguma relação com a Lava-Jato ou histórico de corrupção.  “No caso da Neoway, ela não estava nos registros, e só depois tomei conhecimento”, explicou. Ele afirmou que a maioria das palestras que realiza é gratuita e tem por objetivo propagar o combate à corrupção e promover o debate com a sociedade.

O procurador disse ter tomado conhecimento da citação da Neoway na Lava-Jato em meados de 2018 e que informou a todos os colegas, declarando-se suspeito no caso. De acordo com ele, “a atividade é compatível e convergente com a operação, é algo bom para a sociedade”. Afirmou também que palestras são permitidas pela Constituição e que declara todas à Corregedoria do Ministério Público.

“Em tudo, eu agi corretamente. Sempre que houve potencial conflito de interesse, não aceitei o convite e, quando não identificado o conflito de interesse anterior à palestra, assim que identificado, eu me afastei da investigação e me declarei suspeito”, justificou. Em um grupo no aplicativo Telegram, Dallagnol teria falado sobre  o envolvimento com a Neoway após perceber que a empresa era investigada: “Isso é um pepino para mim”.

De acordo com o Intercept, Dallagnol só enviou ofício à Corregedoria em junho de 2019, quase 11 meses depois de vender a palestra à Neoway. Segundo o site do jornalista Glenn Greenwald, Dallagnol teria ainda tentado influenciar a compra de produtos da Neoway por parte do Ministério Público.

Lobista

Em delação, o lobista do MDB Jorge Luz disse que pagou parlamentares para facilitaram o acesso da Neoway à BR Distribuidora, porque a empresa queria apresentar à subsidiária da Petrobras ferramentas tecnológicas. Após uma reunião com a BR, a Neoway conseguiu ser contratada. A empresa, segundo a Folha de S.Paulo, nega ter usado os serviços de Jorge Luz para obter vantagens indevidas.

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Faltam as explicações

Simone Kafruni

27/07/2019

 

 

 

 

Completou ontem o prazo de 10 dias dados pelo corregedor nacional do Ministério Público Orlando Rochadel Moreira aos procuradores Deltan Dallagnol e Roberson Henrique Pozzobom para se manifestarem sobre palestras pagas proferidas em empresas investigadas na Operação Lava-Jato. Uma reclamação disciplinar foi instaurada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em 16 de julho. Segundo assessoria de imprensa do órgão, o prazo ainda não tinha vencido, porque passou a contar a partir da notificação oficial, que pode não ter ocorrido no mesmo dia do despacho. A data do recebimento, no entanto, não foi informada.

A reclamação do CNMP partiu de um pedido do PT para o afastamento dos procuradores por terem “se articulado para obter lucro mediante a realização de palestras pagas e obtidas com o uso de seus cargos públicos”. Em seu despacho, o corregedor afirmou que “a ampla repercussão nacional demanda atuação da Corregedoria Nacional”. Sem julgamento de mérito, o objetivo da reclamação é obter informações para “apuração da verossimilhança das imputações”. A defesa dos dois procuradores deve ser apresentada nos próximos dias.

Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) informou que a realização de palestras é lícita. “Os membros do Ministério Público estão sujeitos a inúmeras restrições constitucionais e legais, tais como a impossibilidade de recebimento de custas (...). Contudo, a própria Constituição autorizou o exercício, cumulativo com o cargo, de atividade de magistério, desde que haja compatibilidade de horário. Dentro do conceito de magistério se insere, claramente, a realização de palestras.”