O Estado de São Paulo, n. 46090, 26/12/2019. Política, p. A4

 

Bolsonaro mantém juiz de garantias em pacote

Daniel Weterman

Rafael Moraes Moura

26/12/2019

 

 

Executivo. Presidente sanciona projeto anticrime com 25 vetos e é criticado por bolsonaristas; autor da proposta original, Sérgio Moro defendia a rejeição desse item    

Alvorada. Bolsonaro andou de moto no palácio; ele derrubou os óculos ao retirar capacete

O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem, com 25 vetos, o projeto de lei anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, mas decidiu manter a criação do juiz de garantias, contrariando o ex-juiz federal de Curitiba. Moro havia recomendado a rejeição do item incluído pela Câmara dos Deputados em sua proposta original de medidas para tornar mais rígidos o processo penal e a legislação contra crimes.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e o líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR), já informaram que vão acionar o Supremo Tribunal Federal para barrar a medida. O juiz de garantias prevê que um magistrado deverá conduzir a investigação criminal, decidindo sobre a decretação de prisão, busca e quebra de sigilos. Ele também cuidará do recebimento da denúncia do Ministério Público. Já a instrução do processo e a sentença ficarão a cargo de um outro juiz. A mudança deve afetar o caso do senador Flávio Bolsonaro .

O trecho mantido foi classificado como uma proposta “antiMoro”, levando em conta a atuação do ministro quando era juiz da Lava Jato em Curitiba. A sanção do projeto com sua manutenção alçou a hashtag #BolsonaroTraidor ao primeiro lugar dos trending topics do Twitter no Brasil ontem, revelando a decepção de setores do bolsonarismo. Foi do youtuber Nando Moura que partiu o apelo para “subir” a hashtag que acusa o presidente de “trair” Moro e “todo o povo brasileiro” ao sancionar o juiz de garantias, incluído no pacote anticrime por uma emenda que tem como um dos autores o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ).

Uma das publicações de Moura chegou a ser replicada pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que está de férias, mas ele depois apagou o retuíte. “Estou em viagem, em um navio, com internet intermitente. Fico horas sem internet. Dei RT sem querer em um post. Evidentemente que foi um erro”, explicou-se na sequência.

Na noite de ontem, Bolsonaro disse que não pode “sempre dizer não ao Parlamento”. “Só avançamos porque recuamos em alguns pontos”, escreveu ele em uma rede social. “Críticas, ou não, cabem a você, levando-se em conta seu grau de entendimento de como funcionam o Legislativo e o Executivo”, afirmou, dirigindo-se aos internautas.

A lei, que altera o Código Penal e outras leis de Segurança Pública, entra em vigor em 23 de janeiro. Segundo o Planalto, os vetos do presidente – que incluem o trecho que trata de homicídio com arma de uso restrito, o que aumentava a pena de crimes cometidos pela internet e o que mudava a regra da progressão de pena – foram aplicados “por razões de interesse público e inconstitucionalidade”.

O pacote foi desidratado no Congresso e foi para sanção de Bolsonaro no dia 13. O presidente tinha até 6 de janeiro para sancionar ou vetar. A divulgação dos vetos, porém, foi feita na madrugada do Natal, em edição extra do Diário Oficial da União.

Reação. A AMB divulgou nota em que informou que buscará o STF, “na certeza de que as inconstitucionalidades” quanto ao juiz de garantias “serão extirpadas por violar o pacto federativo e a autonomia dos tribunais”. Para o Podemos, houve invasão de competência por parte do Congresso, pois caberia ao Judiciário cuidar da sua estrutura de funcionamento. O partido deve entrar com ação direta de inconstitucionalidade no STF nas próximas semanas, ainda no plantão do tribunal, que só retoma suas atividades regularmente em fevereiro.

“Isso é mais um obstáculo no caminho de quem deseja a consagração da Justiça do País, com a criação de mais um expediente burocrático em um país que não tem condições materiais de aperfeiçoar o seu sistema”, criticou Alvaro Dias. “O que se pretende é tornar ainda mais complexo o sistema brasileiro, arquitetado para não funcionar. A conclusão é sempre a impunidade.”

Ministros de tribunais superiores ouvidos pelo Estadão/Broadcast alertaram para o curto prazo para a implantação da medida. A lei entra em vigor em 30 dias. Seis ministros endossaram as críticas em caráter reservado. Para um deles, a proposta traz muitas modificações para entrar em vigor em um mês em um “Estado com escassez de juízes”, impondo dificuldades em comarcas com um único juiz.

Um outro magistrado lembrou que atualmente “mal conseguimos ter um juiz que dê conta” dos processos em comarcas do interior. A ausência de uma espécie de “regime de transição” é criticada por um outro ministro, ainda mais em áreas remotas, como na região amazônica.

Outro receio é o de a lei acabar retardando o andamento de casos que já tramitam na Justiça, além de abrir brecha para a anulação de processos em razão das regras da chamada cadeia de custódia (ações para manter e documentar vestígios coletados em locais onde ocorreram crimes). Esse trecho é algo “inacreditável” e apresenta uma sucessão de formalidades e exigências que “permitirão a anulação de quase todos os processos nos quais tenha havido prova documental ou pericial”.

Vetos. Bolsonaro vetou o aumento da pena para crimes cometidos na internet. Para o Planalto, a legislação já prevê agravamento da pena em um terço quando o crime é cometido por meio que “facilite a divulgação”. Além disso, a medida iria gerar “superlotação das delegacias”. O Congresso ainda pode derrubar os vetos presidenciais.

  PACOTE

- O que foi sancionado

Juiz de garantias

Foi mantida a criação da figura, mas item que previa que presos em flagrante fossem encaminhados à presença de um juiz de garantias em um prazo de 24 horas foi vetado.

 Delação premiada

Mudam as regras sobre delações premiadas. Pelo texto, há a obrigação de o colaborador narrar apenas os atos ilícitos relacionados diretamente com os fatos investigados.

 Prisão preventiva

Medida será determinada apenas quando não for possível outra opção e ainda com justificativa “fundamentada”.

- O que foi vetado

Crimes contra a honra

Item previa aumento de até o triplo das penas dos crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria) cometidos na internet.

 Progressão de pena

Ponto estabelecia que condenados que cometessem falta grave na prisão passariam a readquirir a condição de “bom comportamento” após um ano da falta.

Improbidade

Bolsonaro vetou alterações na lei sobre sanções aplicáveis a agentes públicos por enriquecimento ilícito. Trecho vetado criava possibilidade de o MP celebrar acordo para evitar processo na Justiça.

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'Não é o projeto dos sonhos', diz Moro

Rafael Moraes Moura

Daniel Weterman

26/12/2019

 

 

Ministro da Justiça diz que, ‘apesar’ da questão do juiz de garantias, há ‘avanços’; Alexandre de Moraes elogia pacote  

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, escreveu ontem no Twitter que o projeto anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro “não é o dos sonhos”, mas apresenta avanços. Apesar de o Ministério da Justiça ter sugerido ao presidente o veto à criação da figura do juiz de garantias, Bolsonaro manteve o texto que veio do Congresso.

“Sancionado hoje (ontem) o projeto anticrime. Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços. Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente”, escreveu Moro em seu perfil no Twitter.

Mais cedo, em nota, o ex-juiz informou que se posicionou pelo veto ao juiz de garantia “porque não foi esclarecido como o instituto vai funcionar nas comarcas com apenas um juiz (40% do total)” e se valeria para processos pendentes e para os tribunais superiores.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, disse ontem, no Twitter, que, com a sanção do projeto, o Judiciário “poderá revolucionar o combate ao crime organizado, com a rápida aplicação de penas alternativas”. Moraes não mencionou a questão do juiz de garantias em sua manifestação.

Dúvida

“Não foi esclarecido como o instituto vai funcionar nas comarcas com um juiz e se valerá para processos pendentes e tribunais superiores.”

Sérgio Moro

MINISTRO DA JUSTIÇA