O globo, n.31427, 23/08/2019. Economia, p. 23

 

Gasto com servidores 

Carolina Brígido 

Ana Paula Ribeiro 

Leo Branco 

Pedro Capetti 

23/08/2019

 

 

Seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram ontem contra a possibilidade de reduzir temporariamente jornada e salário de servidores públicos da União, estados e municípios. A medida está prevista no artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) —nos casos em que o gasto de pessoal ultrapassa o limite de 60% da receita disponível para gastar —, mas não chegou a ser posta em prática, porque uma liminar do STF suspendeu a regra. Em um cenário de crise fiscal, a medida era apontada por especialistas como uma saída para ajudar a equacionar as contas. Governadores de oito estados já declararam situação de calamidade financeira e não conseguem pagar salários de servidores em dia.

Mesmo com o placar já delineado, a votação não foi concluída. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, suspendeu o julgamento para aguardar o voto do ministro Celso de Mello, que estava ausente. O voto dele vai definir o resultado do julgamento, mas não há previsão de quando a discussão será retomada.

Para os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Marco Aurélio, a Constituição proíbe a redução de salários dos servidores, portanto, o artigo na LRF seria inconstitucional. A ministra Cármen Lúcia declarou voto contrário à redução de salário, mas admitiu a possibilidade de mudança na jornada. Ao proclamar o placar, Toffoli considerou a posição um “voto médio”, por isso afirmou ser necessário aguardar o voto de Celso de Mello.

O primeiro a votar foi o relator, ministro Alexandre de Moraes. Ele lembrou que a Constituição admite a exoneração de servidores se o poder público extrapolar o teto de gastos com salários, como medida para equalizar as contas. Em seguida, a LRF definiu a alternativa de reduzir salário e jornada na mesma proporção. Para Moraes, essa possibilidade seria menos traumática:

—Essa medida intermediária, excepcional e temporária evitará a extinção de cargos, a necessidade de realização posterior de novo concurso público e a perda da experiência acumulada dos antigos servidores. Não se trata do confronto entre manter ou não a irredutibilidade de salários, mas da necessidade de manter a estabilidade, a existência do cargo, mesmo que temporariamente haja a redução proporcional de vencimentos.

Concordaram com o relator os ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

— Não estamos discutindo esta questão num contexto alheio à crise fiscal. A crise fiscal está aí. Estamos vivendo essa realidade. Em momento de grave crise fiscal, deve se permitir a redução da jornada de trabalho e a redução de salários —afirmou Mendes.

O ministro Fachin, porém, avaliou que a medida seria inconstitucional:

—Por mais inquietante e urgente que seja a necessidade de ajuste nas contas públicas nacionais, a ordem constitucional vincula a todos, inclusive a este juiz em atividade de interpretação da Constituição.

Nos últimos meses, os novos governadores têm sido recebidos em audiência por Toffoli e outros ministros da Corte para falar da situação precária dos cofres estaduais. Somente no ano passado, 12 governos locais descumpriram o limite previsto de gasto com pessoal previsto na LRF e outros quatro ficaram próximos, com patamar entre 59% e 60%.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que respeita o entendimento da maioria dos ministros, mas avalia que ele torna mais difícil a gestão por parte dos governadores:

—É sinalização que pode ser ruim para governadores que assumiram, como os do Rio de Janeiro, de Goiás e até do Distrito Federal. Dessa forma, vamos caminhar para uma reforma constitucional, já que a lei complementar não vale.

REFORMA ADMINISTRATIVA

Maia defendeu a reforma administrativa do Estado:

— Está na hora de começar a falar a verdade porque daqui a pouco vamos ter poucas opções, se todos não trabalharem para reduzir o tamanho do Estado.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que a Corte poderia ter tido uma avaliação mais ampla do tema, que afeta diretamente a prestação de serviços públicos. Leite avalia que a saída agora será debater o chamado “Plano Mansueto”, que altera a LRF e amplia o prazo para que os estados se enquadrem no limite de despesa de pessoal de oito meses para cinco anos.

— A linha de atuação agora é alongar prazos. A decisão do STF é a oportunidade de discutir esse tema no Congresso.

O entendimento desagradou aos prefeitos. Segundo Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional dos Municípios, os ajustes no sentido de conter despesas de custos e contratos já foram feitos e resta pouco a fazer:

— Seria uma ferramenta importante em um momento de crise extrema.

Para Margarida Gutierrez, professora da Coppead/ UFRJ, os municípios menores são os mais afetados:

— O gasto com pessoal é o grande vilão. Você não pode mandar embora, não pode reduzir jornada e salário. Há um estoque de pessoas que inviabiliza qualquer mudança na trajetória das contas públicas.

Outro trecho do julgamento ontem ficou empatado, pela ausência de Celso de Mello. Por cinco votos a cinco, ministros não decidiram sobre a possibilidade de o Executivo reduzir repasses ao Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, se não for indicado como poderia ser feito o contingenciamento. A medida daria mais autonomia na gestão do orçamento aos estados.

Metade dos ministros votou para que os cortes só possam ser realizados mediante negociação com outros poderes. Há chance de reviravolta nesse entendimento a partir do voto do ministro Celso de Mello.

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Estados devem ficar sem adesão automática à reforma 

Geralda Doca 

23/08/2019

 

 

A inclusão de estados e municípios na reforma da Previdência por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) paralela no Senado não será automática. Segundo técnicos a par das negociações na Casa, a medida será autorizativa: governadores e prefeitos terão que aprovar projetos no Legislativo local para adequar aos seus servidores a novas regras de aposentadoria que passarão a valer para os da União. A ideia é dar um prazo, que pode ser de até 180 dias, para isso.

O relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE), foi aconselhado a adotar essa alternativa para evitar que a PEC paralela seja engavetada ou derrotada na Câmara. Deputados não querem arcar com o ônus de um projeto impopular às vésperas das eleições municipais. Por isso tiraram estados e municípios da reforma antes de enviá-la ao Senado.

A CCJ concluiu ontem a fase de audiências públicas sobre a reforma, mas o relator adiou para a próxima semana a entrega do parecer, previsto para hoje. Com isso, não há mais a garantia de leitura do relatório na comissão na quarta-feira. A votação na CCJ está marcada para a quarta da semana seguinte, 4 de setembro.

Tasso afirmou que precisa de mais tempo, indicando que poderá fazer mudanças no texto aprovado pela Câmara, como nas regras de pensão por morte e de aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos à saúde. Esse pontos poderão ser retirados da proposta ou incluídos na PEC paralela, para evitar que a reforma tenha que voltar à Câmara. Os dois turnos de votação da reforma no plenário do Senado estão previstos para 24 de setembro e 10 de outubro.

—Aqui é um embate, vêm tiros de todos os lados. Algumas coisas justas foram colocadas nas audiências, como trabalhadores em minas de carvão. A gente veio com a cabeça aberta para ouvir e encontrar o equilíbrio daquilo que pode ser duro demais para alguém e juntar isso com a determinação de fazer a maior economia previdenciária —disse Tasso.