O Estado de São Paulo, n. 46083, 19/12/2019. Política, p. A12

 

Aliança traça plano para tirar políticos de outros partidos

Felipe Frazão

Rafael Moraes Moura

19/12/2019

 

 

Sigla de Bolsonaro pretende conseguir filiações; aliados veem o ‘ataque especulativo’ de grupo do presidente com preocupação

Encontro. Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, durante evento no Planalto

O Aliança pelo Brasil, partido idealizado pelo presidente Jair Bolsonaro, lançou ontem uma campanha com propósito explícito de arregimentar filiados de outras legendas para seus quadros e, assim, garantir o número mínimo de assinaturas necessários à sua homologação. Com o mote de mobilizar um “exército de aliados” para se “libertar da velha política” e apoiar a fundação da nova sigla, um vídeo divulgado por aliados de Bolsonaro anuncia que “hoje é o Dia D”, da desfiliação, e de “participar da construção de um novo Brasil”.

São necessárias mais de 492 mil assinaturas, colhidas em nove Estados e validadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para um partido, como o Aliança, ser formalizado. Antes mesmo de sair do papel, a sigla que Bolsonaro quer criar já causa apreensão no Congresso.

Com perfil nacionalista, o Aliança provoca desconforto em siglas de centro e de direita e até mesmo entre evangélicos – principal base do eleitorado do presidente. São alas simpáticas ao Palácio do Planalto, que temem perder deputados e senadores em um “ataque especulativo” promovido por bolsonaristas, além de espaço na estrutura do Legislativo e recursos dos fundos partidário e eleitoral.

No vídeo da campanha do “Dia D”, um locutor afirma que, para apoiar a formação do Aliança pelo Brasil, o eleitor não pode estar filiado a outro partido. No TSE, a mensagem foi interpretada como uma forma de Bolsonaro esvaziar o PSL – partido do qual de desfiliou em 19 de novembro – e desqualificar as demais siglas.

Os dirigentes do Centrão admitem, de forma reservada, que Bolsonaro tem a oportunidade de formar, gradualmente, uma bancada com um número representativo de parlamentares até 2022. Na estimativa mais elevada, há quem fale em uma centena de congressistas. Há 21 anos, nenhuma bancada atinge esse tamanho em eleições. A última foi justamente representada por um ícone do Centrão: o antigo PFL – que deu origem ao DEM – alcançou 105 deputados em 1998. Atualmente, as maiores legendas na Câmara são o PT e o PSL, com 53 cada.

Dirigentes políticos avaliam que o triunfo do Aliança está atrelado ao desempenho do governo e dependerá da reversão do desemprego e do deslanche da economia. “O presidente pode até levar deputados porque tem a caneta, mas os partidos também podem reagir contra”, disse Elmar Nascimento (BA), líder do DEM na Câmara. Nos últimos dias, a cúpula do DEM reativou as sondagens para uma possível fusão com o PSL, na tentativa de se fortalecer diante do avanço de Bolsonaro.

A tendência para os próximos anos, no entanto, é de redução na quantidade de partidos e de concentração dos parlamentares em bancadas maiores, segundo analistas, por causa da cláusula que institui uma barreira de quantidade mínima de votos para acesso aos fundos públicos e exposição no rádio e na TV. Os efeitos já começaram: em 2018, 30 legendas elegeram deputados, mas hoje só 24 têm representantes na Câmara, após fusões de agremiações.

A Igreja Universal do Reino de Deus – que tem o Republicanos como braço partidário – avisou que, até segunda ordem, não abrirá suas sedes para coletar assinaturas de apoio ao Aliança. O Estado apurou que, até segunda ordem, a igreja do bispo Edir Macedo não se empenhará para ajudar. No Republicamos, os deputados João Campos (GO) e Capitão Alberto Neto (AM), que não são diretamente ligados à cúpula da Universal, dão sinais de que podem aderir à nova legenda.

Por outro lado, o deputado Gilberto Nascimento (PSC-SP), ligado à Assembleia de Deus Ministério Madureira, disse que as igrejas deverão ajudar a levantar o número de assinaturas necessárias para o registro do partido de Bolsonaro.

Alternativa. O Aliança tende a abrigar de imediato quem foi expulso do partido anterior, como o pastor Marco Feliciano (SP), da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, prestes a deixar o Podemos. Logo na largada, a nova legenda deve tirar dois governadores do PSL: Antonio Denarium (Roraima) e Marcos Rocha (Rondônia).

A cisão na bancada federal do PSL poderá render ao Aliança mais 25 deputados. Além disso, apoiadores de Bolsonaro afirmam que conversam com 20 parlamentares de diferentes partidos na Câmara. Os nomes são mantidos em segredo para evitar retaliações.

O Aliança tenta ainda uma via alternativa: questionar na Justiça se ainda vale uma brecha, prevista em 2007 pelo TSE, para troca de partido sem incorrer em infidelidade, a hipótese de fundação de uma nova legenda. Em 2015, a possibilidade foi excluída da legislação. “Caberá ao Judiciário apresentar o entendimento para verificar se a resolução está em pleno vigor”, disse a advogada Karina Kufa, tesoureira do Aliança.

Ação e Reação

“O Dia D chegou. Veja como se desfiliar do seu antigo partido. Liberte-se!”

PEÇA DIVULGADA PELO ALIANÇA

“O presidente pode até levar deputados porque tem a caneta, mas os partidos podem reagir contra.”

Elmar Nascimento (BA)

LÍDER DO DEM NA CÂMARA

“Os evangélicos vão acabar ajudando. Como Bolsonaro disse que estava sendo perseguido, para onde ele for nosso povo tem a sensibilidade de acolher.”

Gilberto Nascimento (PSC-SP)

DEPUTADO FEDERAL

LEGENDA EM FORMAÇÃO

Estrutura

- Presidente

Presidente Jair Bolsonaro, presidente da República

 - Vice-presidente

Flávio Bolsonaro, senador (RJ)

 - Primeiro-secretário

Admar Gonzaga, advogado e ex—ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

- Tesoureira

karina Kufa, advogada

Etapas

1. Estatuto

O presidente Jair Bolsonaro cumpriu a primeira etapa do processo de criação do Aliança pelo Brasil. Em 21 de novembro, ele fundou a nova legenda em ato público em Brasília. Logo em seguida, o estatuto e o programa partidário foram registrados em cartório.

2. Assinaturas

Agora é preciso colher apoios – a legislação exige 491 mil assinaturas recolhidas em todo o País para que um partido seja criado. O número de assinaturas corresponde a 0,5% dos votos apurados nacionalmente na eleição para a Câmara nas últimas eleições. É necessário também que, em ao menos 9 estados, o número de assinaturas corresponda, no mínimo, a 0,1% dos votos de cada um desses Estados para a Câmara.

3. Homologação

Após recolher as assinaturas, é preciso homologar o partido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com a legislação eleitoral, o partido tem um prazo de até dois anos, contados a partir do registro de sua ata de fundação, para recolher as assinaturas necessárias e dar entrada no pedido de homologação no TSE.

4. Registro

Com o partido registrado, o TSE abre os prazos para o chamado Registro de Partido Político (RPP). O trâmite determina a manifestação do Ministério Público Eleitoral e a análise, por um relator sorteado, do pedido de registro. Aprovado o registro, o TSE tem um prazo de até 30 dias para colocar a criação do partido em votação no plenário.