O Estado de São Paulo, n. 46083, 19/12/2019. Internacional, p. A16

 

Câmara aprova impeachment de Trump, mas Senado deve impedir deposição

Reuters

19/12/2019

 

 

Senadores republicanos, maioria na Casa, já traçaram plano para acelerar o julgamento e absolver em janeiro o presidente das acusações de abuso de poder e obstrução ao trabalho do Congresso; presidente considera processo um ‘suicídio eleitoral’ democrata

Estratégia. Trump deixa a Casa Branca para comício em Michigan; presidente quer se utilizar de processo de impeachment

A Câmara dos Deputados aprovou ontem o impeachment do presidente americano, Donald Trump. Ele é acusado de abuso de poder por chantagear a Ucrânia para que investigasse o democrata Joe Biden, possível adversário nas eleições de 2020, e obstrução do Congresso, por tentar impedir o depoimento de funcionários da Casa Branca. Trump tornou-se o terceiro presidente na história dos EUA a ser acusado em um processo de impeachment.

Um total de 230 deputados votou a favor do primeiro artigo do processo – abuso de poder – e 197 votaram contra. O segundo artigo – obstrução – foi aprovado por 229 deputados e rejeitado por 198. Em um evento de campanha em Michigan, Trump disse que a aprovação do processo de impeachment é “um suicídio político” e “uma eterna marca de vergonha” para os democratas.

Agora, os senadores se preparam para julgá-lo no início de 2020. Mitch McConnell, líder dos republicanos no Senado, já anunciou a estratégia do partido: o processo deve ser acelerado e terminar o mais rápido possível com a absolvição do presidente americano.

No Senado, o impeachment deve ganhar um tratamento frio por parte da maioria republicana. Apesar de o julgamento ser comandado pelo presidente da Suprema Corte, o juiz John Roberts, são os republicanos que darão as cartas.

Do total de 100 senadores, o partido de Trump tem 53 – os democratas, 45 e 2 são independentes, mas costumam apoiar a agenda democrata. Para que o presidente seja destituído, são necessários dois terços do Senado – ou seja, 20 senadores republicanos teriam de mudar de lado.

Ontem, McConnell prometeu audiências curtas e descartou convocar testemunhas. Ele também já admitiu que vem trabalhando “em coordenação total” com a Casa Branca. “Eu não serei imparcial”, disse o senador, declaração que provocou fúria entre os congressistas democratas.

Outro aliado de Trump, o senador republicano Lindsey Graham, adota o mesmo discurso. “Eu já tomei minha decisão”, afirmou. “E não vou esconder o fato de eu ter completo desprezo pelas acusações e pelo processo de impeachment.”

No fim de semana, falando ao programa This Week, da ABC, o senador Ted Cruz, também um defensor do presidente, tentou justificar o veredicto antes do julgamento. “Ser jurado em um caso criminal é diferente de ser jurado do impeachment, que é essencialmente político.”

Em campanha. Mas antes mesmo de o processo chegar ao Senado e sabendo que Trump será absolvido em janeiro, democratas e republicanos já pensam adiante e traçam planos para as eleições de novembro. A campanha à reeleição de Trump vem tentado monetizar o impeachment e garante ter recebido 600 mil novos doadores desde que a Câmara dos Deputados iniciou o inquérito, em setembro.

Brad Parscale, chefe da campanha de Trump, disse ontem que o processo de impeachment é uma “farsa” e um “teatro”. “Os democratas podem comemorar agora, mas o presidente Trump fará todo mundo chorar (na eleição) em novembro”, escreveu Parscale em sua conta no Twitter.

Do outro lado, o Comitê Nacional Democrata afirma que as peças comerciais relacionadas ao impeachment são 70% mais eficientes do que a média dos outros anúncios. Mesmo assim, muitos estrategistas do partido preferem virar logo a página e mudar de assunto, focando a campanha em temas mais favoráveis, como seguro de saúde e imigração.

O processo de impeachment foi motivado pela pressão de Trump sobre o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski. Em um telefonema ao ucraniano, em julho, o americano pediu uma investigação sobre o democrata Joe Biden e o filho dele, Hunter. Biden foi vice-presidente de Barack Obama e é o principal rival de Trump na eleição presidencial de 2020.

A Casa Branca aceitou divulgar a transcrição da conversa em setembro. Na ocasião, os democratas também descobriram que Trump – além da investigação sobre Biden – havia condicionado o envio de US$ 391 milhões em ajuda militar para a Ucrânia a um encontro pedido por Zelenski.

Em 24 de setembro, a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, que vinha rejeitando os pedidos de impeachment, anunciou finalmente a abertura do processo. Os três meses seguintes foram preenchidos por depoimentos a portas fechadas e intimações não cumpridas pela Casa Branca.

PLACAR

230

deputados aprovaram o primeiro artigo do processo de impeachment contra o presidente Donald Trump, de abuso de poder, que recebeu 197 votos contra na Câmara.

229

parlamentares foram a favor do segundo artigo, de obstrução do Congresso, contra o qual votaram 198 deputados.

PERFIS

ANDREW JOHNSON

Presidente democrata

Absolvido por um voto

As cicatrizes da Guerra Civil, que opôs abolicionistas do Norte aos escravagistas do Sul, ainda não haviam fechado quando, em 1868, Andrew Johnson se tornou o primeiro presidente alvo de impeachment. A alegação é que ele demitiu seu secretário da Guerra sem consultar o Congresso. Johnson foi absolvido por um voto no Senado.

RICHARD NIXON

Republicano

Renúncia antes do processo

Em 1974, Richard Nixon foi protagonista de um dos maiores escândalos da política dos EUA, o Watergate, nome do prédio onde funcionava a sede do Partido Democrata, que foi invadido para a instalação de grampos. Nixon estaria por trás de um esquema de espionagem de rivais. Ele renunciou antes da conclusão do processo de impeachment.

BILL CLINTON

DEMOCRATA

O caso amoroso com a estagiária

Em 1998, os deputados abriram um processo de impeachment contra Bill Clinton, que manteve um caso amoroso com a estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky, que na época tinha 22 anos. Ele era acusado de perjúrio e de obstrução da Justiça, mas foi absolvido no Senado e conseguiu concluir seu segundo mandato.