O Estado de São Paulo, n. 46083, 19/12/2019. Economia, p. B4

 

Guedes fala em taxar transações digitais

Lorenna Rodrigues

Fabrício de Castro

Idiana Tomazelli

19/12/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

   Ministro nega que imposto, que pode incluir operações pelo celular, vai virar nova CPMF

O ministro da Economia, Paulo Guedes, descartou a volta de um tributo aos moldes da antiga CPMF, mas afirmou que avalia taxar transações digitais, o que pode incluir transferências e pagamentos feitos por meio de aplicativos de bancos, por exemplo. Ele, porém, não deu explicações de como seria a cobrança.

“Se ninguém quer CPMF, CPMF não existe. A ideia sempre foi tributar transações digitais. Precisa de algum imposto, estamos procurando”, afirmou o ministro, em coletiva de imprensa em Brasília, que reuniu todo seu secretariado para um balanço de sua gestão.

“Você nem vai passar mais em banco, (vai) transferir dinheiro pelo celular. Como vai tributar essa transação digital?

Você precisa de um imposto. Tem de ter um imposto para transação digital”, disse o ministro, sem dar detalhes de como seria a cobrança, apenas ressaltando que o novo tributo seria diferente da CPMF.

A proposta original da equipe econômica era criar uma contribuição sobre movimentações financeiras, em um mecanismo semelhante ao da CPMF, para financiar a desoneração da folha (redução de impostos que as empresas pagam sobre os salários dos funcionários).

O presidente Jair Bolsonaro declarou ser contra a recriação do tributo ainda na campanha, mas nesta semana disse que “todas alternativas estão na mesa”.

Em setembro, a defesa de um imposto aos moldes da CPMF levou à queda do economista Marcos Cintra do cargo de secretário especial da Receita Federal. Ele defendia publicamente a criação do imposto sobre pagamentos como forma de substituir ou, ao menos, reduzir outros impostos, principalmente sobre a folha de salários das empresas. A ideia era um dos pilares da reforma tributária planejada pela equipe econômica. Após a divulgação dos detalhes da proposta e a reação no Congresso, Cintra foi exonerado.

Perversa. Para Guedes, a tributação sobre a folha de salários é a “mais perversa de todas”. Ele ressaltou que a única forma de desonerar as empresas, no entanto, é encontrar uma “base alternativa de tributação”.

“Os impostos hoje já são muito altos. O IVA (considerado nas propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso) já é alíquota alta, o comércio já não aguenta 25% e teria de elevar para 30%”, afirmou.

No programa Verde Amarelo, lançado pelo governo para estimular a contratação de jovens de 18 a 29 anos, a proposta foi taxar o seguro-desemprego como fonte para bancar a redução de até 34% dos impostos para as empresas que contratarem trabalhadores nessa faixa etária.

A ideia, no entanto, encontra resistência no Congresso, o que fez com que o governo já garantisse no Orçamento do próximo ano verba de R$ 1,5 bilhão para bancar o programa.

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STF decide que é crime dar calote no pagamento do ICMS

Rafael Moraes Moura

19/12/2019

 

 

Punição é de até dois anos de reclusão; mas ministros dizem que pena só vale para ‘devedores contumazes’    

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO-21/11/2019

Bilionária. R$ 12 bi é a dívida declarada e não paga do ICMS

Por 7 a 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que o não pagamento de ICMS declarado ao Fisco como devido pode ser enquadrado como crime, com reclusão de até dois anos. A prática deve ser considerada delito de apropriação indébita, uma vez que o empresário cobra o tributo do consumidor, mas deixa de fazer o pagamento aos cofres públicos.

Para isso, no entanto, é preciso ser comprovada a intenção do empresário de não repassar para o Estado o imposto que incide sobre operações como compra de mercadorias (alimentos, eletrodomésticos, bebidas), que acaba adicionado ao valor do produto adquirido e é cobrado do consumidor.

“Não se trata da criminalização da inadimplência, e sim da apropriação indébita. Não é quem deixou de pagar o ICMS eventualmente num momento de dificuldade, ou pulou um mês, dois meses, até três meses. É o devedor contumaz, o que não paga quase como uma estratégia empresarial, que lhe dá uma vantagem competitiva que permite que ele venda mais barato do que os outros, induzindo os outros à mesma estratégia criminosa”, disse o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso.

“E é preciso que haja dolo, a intenção de se apropriar daquilo que não é seu. Ninguém está pretendendo punir o comerciante que esteja numa situação financeira adversa e não conseguiu pagar um mês, dois meses de tributo”, afirmou.

Para Barroso, a apropriação indébita consiste em cobrar do consumidor o imposto e não repassá-lo ao Fisco, configurando, assim, apossar-se de um valor que não pertence ao comerciante, lesando a concorrência.

Dívidas. Segundo dados encaminhados ao Supremo, em 2018 a dívida declarada e não paga de ICMS em 22 Estados era de mais de R$ 12 bilhões.

Tribunais no País vêm tomando decisões divergentes sobre a possibilidade de condenação criminal dos devedores. Por ser declarada, a dívida não conta como sonegação. Por isso, Estados começaram a entrar na Justiça pedindo condenações.

A decisão do Supremo foi tomada na análise de um habeas corpus, que não possui efeito vinculante. No entanto, o entendimento da Corte abre um precedente que deve servir de referência e orientação para as diversas esferas judiciais que analisam processos similares. Na prática, caberá a cada juiz analisar caso a caso se houve ou não a intenção deliberada do empresário de não pagar o ICMS.

O advogado Pierpaolo Bottini, que atua no processo representando a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), criticou a decisão do STF. “Não ficou claro na decisão quais os parâmetros para a identificação do dolo do devedor contumaz. Qual o período de inadimplência para a contumácia? Será necessária uma análise financeira das empresas para a caracterização do dolo? Haverá grande insegurança jurídica sobre o tema”, afirmou o advogado.