Correio braziliense, n. 20520, 27/07/2019. Mundo, p. 12

 

Brasil apela ao Brics por Venezuela

Rodrigo Craveiro

27/07/2019

 

 

América Latina » Na reunião com chanceleres dos países do bloco, Ernesto Araújo pediu que ouçam o "grito de liberdade" dos venezuelanos. Rússia alerta contra ingerência

O apelo do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, foi feito durante a abertura do encontro de ministros das  Relações Exteriores de países-membros do Brics — grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro. “Não podemos deixar de ouvir um grito que pede liberdade e que vem da Venezuela, do povo venezuelano. O Brasil tem escutado esse grito e faço apelo para que todos os senhores também  o escutem”, declarou. “Toda a comunidade internacional precisa ouvir esse grito, entendê-lo e agir”, acrescentou o ministro. Foi um recado principalmente ao colega russo Serguei Lavrov, que insistiu sobre a oposição de Moscou a qualquer “interferência” em assuntos diplomáticos de Caracas e ressaltou que “os venezuelanos devem encontrar suas próprias soluções, baseadas no direito internacional”. “Precisamos usar a lei internacional como uma fundação e apoiar os venezuelanos a chegar a uma solução por eles mesmos, sem interferência de fora e sempre dentro da Constituição”, afirmou.

A oposição ao regime de Nicolás Maduro tem denunciado a presença de forças militares de Moscou na Venezuela. Ao contrário do Brasil, dos Estados Unidos e de 50 países, a Rússia não reconhece a autoridade de Juan Guaidó, presidente autoproclamado venezuelano. Por sua vez, o chanceler chinês, Wang Yi, fez uma defesa do multilateralismo como ferramenta comum dos países-membros do Brics para lidar com a crise venezuelana.

“Parece-me excelente a solicitação do chanceler Eernesto Araújo para que o Brics reflita a posição do presidente Jair Bolsonaro”, disse ao Correio o diplomata Diego Enrique Arría, ex-governador de Caracas e ex-candidato à Presidência da Venezuela. “China e Rússia não podem ficar absolutamente indiferentes ante a posição adotada pela nação mais importante da América do Sul e o maior vizinho da Venezuela. O prestígio do Brasil tem valor nessas circunstâncias”, avaliou.

Resgate

Para José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolívar (em Caracas), a posição de Araújo evidencia a importância que o caso venezuelano tem para o governo brasileiro. “Por dois motivos: a necessidade de resgatar a Venezuela das mãos do comunismo e a repercussão que a crise venezuelana tem sobre o Brasil, por conta da insegurança na fronteira e da quantidade de venezuelanos que têm buscado refúgio em território brasileiro”, comentou à reportagem.

A declaração final do encontro apresenta 21 pontos e não faz qualquer menção direta à Venezuela (veja quadro com temas principais). “Sobre a Venezuela, (foi) muito relevante a gente ter tido a oportunidade de ter essa discussão. (A Rússia) tem uma percepção um pouco diferente da nossa” com relação à crise venezuelana, afirmou Araújo durante a entrevista coletiva. “A solução tem de ser construída pelos venezuelanos”, emendou, ao lembrar que o Brasíl “considera que a situação tem de ser centrada no governo que nós consideramos legítimo, o governo de Juan Guaidó”. O chanceler brasileiro pôs panos quentes sobre possíveis rusgas com a China. “Nunca tivemos problema algum com a China. Nosso problema era relativo à maneira com que o Brasil organizava ou não organizava suas relações com a China.”

No texto final, preparatório para a cúpula de novembro, em Brasília, os cinco países-membros focaram na urgência de se respeitar a cooperação e o multilateralismo nas relações entre “Estados soberanos”. “Os ministros reafirmaram o compromisso de manter e respeitar o direito internacional, bem como um sistema internacional no qual Estados soberanos cooperem para manter a paz e a segurança, para avançar o desenvolvimento sustentável e para garantir a promoção e a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos”.

Economia e cooperação

O Brics teve início em 2006, em uma reunião de trabalho entre os chanceleres dos quatro países. Três anos depois, os chefes de Estado e de governo dos países-membros começaram a se reunir anualmente. O bloco fortaleceu mecanismos de cooperação e lançou duas instituições: o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Arranjo Contingente de Reservas (ACR). A criação do banco visou responder ao problema global da escassez de recursos para  projetos de infraestrutura. A partir de 2015, ampliaram as áreas de cooperação em saúde, ciência, tecnologia e inovação, economia digital e combate ao crime transnacional. A 9ª Cúpula do Brics ocorrerá em Brasília, entre 13 e 14 de novembro, sob o lema “Brics: crescimento econômico para um futuro inovador”.

Frase

“Não podemos deixar de ouvir um grito que pede liberdade e que vem da Venezuela, do povo venezuelano. O Brasil tem escutado esse grito e faço apelo para que todos os senhores também o escutem”

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores do Brasil

Eu acho...

“A Rússia pode ser, e de fato é cúmplice, quando sustenta uma narcotirania que viola toda a classe de crimes de lesa-humanidade e tortura, como até as Nações Unidas reconheceram oficialmente. Isso fica bem claro por essa posição do Brasil em solidariedade ao infortúnio da Venezuela e pela importância que o resgate da liberdade em meu país tem para o Brasil e para a América Latina.”

Diego Enrique Arría, ex-governador de Caracas, diplomata e ex-candidato à Presidência da Venezuela

“O importante é que o Brasil se sinta com estatura suficiente para manifestar uma posição contrária à da Rússia. Isso significa um desejo de resgatar a grandeza da chanceleria brasileira.”

José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolívar (em Caracas)