Correio braziliense, n. 20521, 28/07/2019. Política, p. 2
Bolsonaro fala em prisão para jornalista
Renato Souza
28/07/2019
Presidente afirma que portaria normatizando a deportação de "pessoa perigosa" ao país não se aplica a Glenn Greenwald, do site Intercept, mas que o americano "talvez pegue uma cana aqui". Entidades de impresa reagem à declaração
O presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept, “talvez pegue uma cana no Brasil”. A declaração polêmica ocorreu após ele ser questionado sobre uma portaria publicada pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, que normatiza, entre outros pontos, a deportação de estrangeiros que cometem crime em território nacional. O chefe do Palácio do Planalto afirmou que as regras não valem para o profissional, mas fez alusão à prisão do americano. O caso provocou reação de entidades que defendem a liberdade de imprensa e teve repercussão nas redes sociais. Glenn é autor de uma série de reportagens sobre supostos diálogos hackeados envolvendo Moro e procuradores da Lava-Jato.
Bolsonaro conversou com a imprensa durante a formatura de novos paraquedistas das Forças Armadas, no 26º Batalhão de Infantaria Paraquedista, na Vila Militar, Zona Oeste do Rio. Ao criticar o jornalista, o presidente disse que ele não pode ser deportado, por ter companheiro e filhos brasileiros. “Ele (Glenn) não se encaixa na portaria. Até porque é casado com outro homem e tem meninos adotados no Brasil. Malandro, malandro: para evitar um problema desse, casa com outro malandro e adota criança no Brasil”, disparou. “Esse é o problema que nós temos. Ele não vai embora, pode ficar tranquilo. Talvez pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora, não.”
Greenwald é casado com o deputado David Miranda (PSol-RJ) há 14 anos. Pelo Twitter, o jornalista afirmou que não vai deixar o Brasil e que sua prisão “é uma fantasia” do presidente. “Ao contrário dos desejos de Bolsonaro, ele não é (ainda) um ditador. Ele não tem o poder de ordenar pessoas presas. Ainda existem tribunais em funcionamento”, rebateu o americano. “Para prender alguém, tem que apresentar provas para um tribunal de que ele cometeu um crime. Essa evidência não existe.” As reportagens do Intercept lançam suspeitas de que Moro atuou politicamente quando era juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Entidades de imprensa condenaram as declarações do chefe do Planalto. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) as classificou de “agressões” à liberdade de expressão. “Ao ameaçar de prisão um jornalista que publica informações que o desagradam, o presidente Bolsonaro promove e instiga graves agressões à liberdade de expressão. Sem jornalismo livre, as outras liberdades também morrerão. Chega de perseguição”, destacou a associação.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) chamou as declarações de “intimidação” ao trabalho jornalístico. “A ameaça de Bolsonaro a Greenwald nada mais é do que uma tentativa de intimidar um jornalista independente, e uma ameaça à liberdade de imprensa. Greenwald já declarou que Bolsonaro não é um ditador. A ABI endossa essa declaração, porque ela sempre esteve na trincheira em defesa da liberdade de expressão”, frisou a ABI.
Frase
“Ele (Glenn) não se encaixa na portaria. Até porque é casado com outro homem e tem meninos adotados no Brasil. Malandro, malandro: para evitar um problema desse, casa com outro malandro e adota criança no Brasil”
Jair Bolsonaro, presidente da República
“Ao contrário dos desejos de Bolsonaro, ele não é (ainda) um ditador. (…) Para prender alguém, tem que apresentar provas para um tribunal de que ele cometeu um crime. Essa evidência não existe”
Glenn Greenwald, jornalista
“A ameaça de Bolsonaro a Greenwald nada mais é do que uma tentativa de intimidar um jornalista independente, e uma ameaça à liberdade de imprensa”
Trecho da nota da ABI
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Hacker queria passar dados ao PT
28/07/2019
Na sequência de depoimentos colhidos pela Polícia Federal dos suspeitos de invadirem celulares de autoridades dos Três Poderes, foram ouvidos o DJ Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Priscila de Oliveira e Danilo Cristiano Marques. Os investigadores querem entender qual é o nível de envolvimento deles nos hackeamentos. Gustavo afirmou que também teve o celular invadido por Walter Delgatti Neto, o único, até agora, a confessar a intercepção de mensagens do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e de outros integrantes da República.
Gustavo alegou que nunca se envolveu com fraudes bancárias. Assim como Delgatti Neto, ele declarou à PF que, além de DJ, aplica dinheiro em carteiras da moeda virtual bitcoin. No depoimento, revelado pela TV Globo, os investigadores perguntaram sobre as senhas e as chaves de acesso às contas onde o dinheiro é movimentado. No entanto, ele preferiu o silêncio. Também se recusou a citar qual é o montante que tem em investimentos. Os quatro acusados estão sendo mantidos separados em Brasília. Suelen foi levada para a Penitenciária Feminina do Distrito Federal.
Segundo o DJ, Delgatti Neto é “simpatizante do Partido dos Trabalhadores” e disse que repassaria as conversas vazadas do aplicativo Telegram para a legenda. Essa versão corrobora o depoimento dado pelo hacker, que afirmou ter a intenção de oferecer o conteúdo à sigla, mas o entregou, de forma voluntária e gratuita, ao jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept.
Em nota, o PT afirmou que “sempre foi alvo desse tipo de farsa, como ocorreu na véspera da eleição presidencial de 1989, quando a polícia vestiu camisetas do partido nos sequestradores do empresário Abílio Diniz antes de apresentá-los à imprensa”. A legenda também declarou que “tomará as medidas judiciais cabíveis contra os agentes e os responsáveis por mais essa farsa” e que “quem deve explicações ao país e à Justiça é Sérgio Moro, não quem denuncia seus crimes”.
Também durante o depoimento, Gustavo disse ter notado que seu celular havia sido invadido, após receber diversas chamadas pelos aplicativos WhatsApp e Telegram. De acordo com ele, em seguida, percebeu que tinha perdido o acesso a suas contas. O DJ também contou que Delgatti Neto já foi preso pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) quando portava uma carteirinha falsa de estudante de medicina da Universidade de São Paulo (USP). (RS)