O globo, n.31426, 22/08/2019. País, p. 05

 

El Hage: ingerência teria 'reflexo internacional'

Bernardo Mello

22/08/2019

 

 

Coordenador da Lava-Jato do Rio e integrante de órgão contra lavagem de dinheiro cita impactos econômicos caso país fique ‘malvisto’ por observadores estrangeiros. Discussão sobre caso do Brasil foi antecipada para outubro

O escrutínio do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (Gafi) sobre o Brasil tende a crescer após as mudanças no Conselho de Controle de Operações Financeiras (Coaf ), rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF).

Coordenador da Lava-Jato no Rio, o procurador Eduardo El Hage, um dos avaliadores do Gafi, lembra que o país tem de mostrar uma aplicação “efetiva” das recomendações feitas pelo órgão, e não só tê-las formalizadas em lei. Há dois meses, o Gafi reforçou sua preocupação com “graves deficiências” identificadas na legislação brasileira, especialmente sobre bloqueios a financiamento de grupos terroristas.

A próxima avaliação do Brasil deveria ocorrer apenas em 2021, mas o órgão informou que discutirá a situação do país em sua próxima plenária, em outubro. Entre as exigências do Gafi está o funcionamento, nos países, de unidades de inteligência financeira, como o Coaf, livres de pressões políticas.

—O Brasil será muito malvisto, na próxima avaliação, se colocar pessoas sem capacidade técnica ou por critérios políticos. Não adianta manter a unidade de inteligência financeira sem dar efetividade e independência. Isso teria um reflexo internacional —disse El Hage.

Criado em 1989, o Gafi formula medidas de prevenção a crimes de lavagem e terrorismo e promove avaliações periódicas de seus 39 membros — feitas por observadores estrangeiros. El Hage está no grupo que avalia o Uruguai.

Embora não possa impor sanções formais, o Gafi adota a prática conhecida como naming and shaming —isto é, jogar luz sobre violações para despertar reações da comunidade internacional.

— Uma avaliação baixa significa que o país apresenta alta exposição à lavagem de dinheiro. Isso faz com que bancos internacionais evitem transações com o país, espanta investidores. Há uma consequência econômica —disse o procurador.

A suspensão, em julho, de investigações que tenham usado dados do Coaf sem autorização judicial também alimentou o alerta do Gafi. Uma das 40 recomendações do órgão em vigor pede que investigadores tenham acessoa“todos os documentos e informações necessários” sobre lavagem.