O globo, n.31426, 22/08/2019. Rio, p. 11

 

Celular pode revelar como sequestrador planejou ação 

Ana Carolina Torres

Giselle Ouchana 

Marcos Nunes 

Paulo Cappelli

22/08/2019

 

 

Como Willian Augusto da Silva, de 20 anos, planejou o sequestro do ônibus 2520 (Alcântara-Estácio) na Ponte Rio-Niterói, na manhã de anteontem? A resposta pode estar no celular que ele usou durante a ação, encontrado dentro do veículo por investigadores. Agentes da Delegacia de Homicídios acreditam que o jovem colheu informações na internet ou recebeu orientações para dominar e ameaçar o motorista e os 38 passageiros: pendurando potes cheios de gasolina feitos a partir de garrafas PET cortadas, Willian montou no teto uma espécie de varal incendiário, e, exibindo dois isqueiros, amaçava a todo tempo atear fogo ao coletivo.

A polícia suspeita que o sequestrador, morto com seis tiros disparados por snipers do Batalhão de Operações Especiais (Bope), comprou pela internet as dezenas de lacres de plástico que utilizou para “algemar” os reféns. Além disso, acredita que ele recorreu à chamada deep web — parte da rede que não pode ser acessada por mecanismos de buscas — para conseguir a réplica de pistola que exibia aos reféns.

— Era uma cópia perfeita de uma Glock, com tamanho e peso iguais. Possivelmente, ele a adquiriu na zona da internet em que são feitos negócios ilícitos — disse ontem a secretária estadual de Vitimização e Amparo à Pessoa com Deficiência, Major Fabiana, que acompanha o caso.

A secretária também informou que Willian armazenava na casa de uma tia os potes que encheria de gasolina durante o sequestro. Ela viu os recipientes, mas disse à polícia que nunca imaginou que seriam usados numa ação criminosa.

NÚMERO DE OUTRA PESSOA

Ontem, enquanto tentavam desbloquear o celular, investigadores descobriram que a linha está em nome de uma outra pessoa. No entanto, parentes de Willian teriam confirmado que era aquele o aparelho que o sequestrador usava. O proprietário do número cadastrado no telefone já foi identificado e deverá ser ouvido pela Delegacia de Homicídios nos próximos dias.

— Chegamos ao aparelho após devolvermos todos os celulares que estavam nos ônibus aos seus donos. Restou apenas um, e os reféns não tiveram dúvida ao apontá-lo como o telefone que Willian carregava — contou um agente.

O celular foi entregue a um laboratório de informática da Polícia Civil, que tentará ter acesso aos seus dados, incluindo chamadas, histórico de pesquisas e trocas de mensagens. Parentes de Willian disseram que ele não usava computadores — navegava pela internet apenas com o telefone.

Na terça-feira, algumas horas após o fim do sequestro, a família de Willian também revelou a policiais que, no início deste ano, o rapaz começou a apresentar problemas emocionais. Durante um churrasco, ele teve um surto psicótico e disse que se sentia deprimido, que estava sofrendo muito e que ouvia “vozes dentro da cabeça”.

No entanto, os pais, moradores do bairro do Jockey, em São Gonçalo, não achavam que o filho precisava de atendimento especializado. Na madrugada de anteontem, eles receberam uma mensagem de celular do jovem, na qual avisava que iria acabar com a própria vida.

EMOÇÃO NA DESPEDIDA

Cerca de 50 pessoas acompanharam, ontem à tarde, o enterro de Willian. Muito abalados, parentes e amigos evitaram a imprensa. Durante o velório no cemitério Parque da Paz, em São Gonçalo , a mãe e uma tia do rapaz passaram mal e precisaram ser amparadas.

—Ele tem que voltar para casa comigo. Vou cuidar melhor do Willian — disse a tia, aos prantos.

Antes do sepultamento, um pastor evangélico fez uma oração e falou que “a depressão tem destruído famílias”. Em seguida, um parente afirmou que “Willian estava lutando contra ele mesmo”.

—Apesar de ter se afastado do convívio familiar nos últimos anos, Willian era muito querido por todos nós — completou, pouco antes de puxar aplausos para o jovem.