O globo, n.31425, 21/08/2019. País, p. 06

 

Risco de indicações 

Marco Grillo

Daniel Gullino

Gustavo Paul 

Rayanderson Guerra

21/08/2019

 

 

A possibilidade de indicações de pessoas de fora da administração pública para cargos de comando na Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o novo Coaf, provocou reações sobre uma possível interferência política no órgão especializado na detecção de indícios de crimes financeiros.

A Medida Provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro amplia o número de categorias que podem ceder servidores para a UIF e estende a nomeação mesmo para quem não é servidor público. Representantes das carreiras que tinham exclusividade para compor o Coaf e especialistas em transparência na administração pública avaliam que a abertura da UIF —agora subordinada ao Banco Central (BC) — pode pôr em risco a independência do órgão. Por outro lado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o presidente Jair Bolsonaro afirmam que não haverá ingerência política.

Campos Neto tentou reduzir a polêmica nomeando o economista e servidor aposentado do BC Ricardo Liáo para comandar a UIF. Ele tem histórico de atuação no combate à lavagem de dinheiro, inclusive no próprio Coaf, e substitui Roberto Leonel. O agora ex-presidente vinha sofrendo pressão desde que criticou o presidente do STF, Dias Toffoli, por mandar suspender, após pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigações que usaram dados do Coaf sem prévia autorização judicial.

ACESSO A DADOS

Campos Neto manteve, por ora, todos os demais conselheiros.Segundo a TV Globo, o presidente do BC defendeu a possibilidade de nomear conselheiros de fora do serviço público para te ruma instituição mais tecnológica, com profissionais de fora, de ponta. O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu ontem à noite que a transferência do Coaf pode colaborar para acelerar a tramitação do projeto de lei sobre a autonomia do Banco Central, que anda lentamente no Congresso.

Ao comentar a MP, o presidente Jair Bolsonaro disse que, “se tiver algum erro, será corrigido” e acrescentou que cabe a Campos Neto fazer as indicações:

—A ideia, do que está sendo proposto por nós, é o pessoal lá concursado do Banco Central. Se tiver algum erro, a gente corrige.

Uma das preocupações é que a nomeação de conselheiros ligados, por exemplo, ao mercado financeiro possa criar conflitos de interesse ou permitir acesso a dados sigilosos a quem pode entrar e sair do serviço público — o efeito “porta giratória”.

— Pessoas alheias ao serviço público poderão ter acesso a dados bancários e fiscais. O Executivo deveria reeditar (a MP) deixando claro as restrições para o quadro técnico e para o conselho deliberativo —afirma o diretor da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.

A MP editada por Bolsonaro cria um conselho deliberativo de até 14 pessoas que não precisam ser servidores e que passam a ter poder para aplicar as sanções a pessoas físicas e jurídicas envolvidas em atos de lavagem de dinheiro. No ano passado, foram julgadas 132 ações, que resultaram em R$ 78,6 milhões em multas. Esse conselho de “notáveis” não será remunerado e poderá ser escolhido entre “cidadãos brasileiros com reputação ilibada e reconhecidos conhecimentos em matéria de prevenção e combate à lavagem de dinheiro”.

Até agora, o Coaf era composto apenas por servidores de carreira de uma lista de órgãos ligados ao combate a crimes financeiros, como Banco Central, Polícia Federal, Receita, Comissão de Valores Mobiliários, CGU, entre outros. Agora, os conselheiros também podem ser, segundo a MP, “ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança”. E ainda “servidores, militares e empregados cedidos ou requisitados”.

O diretor da Transparência Brasil Manoel Galdino vê o perigo de uso político.

—O Coaf já foi para a pasta da Justiça, da Economia, agora está no BC. Isso mostra que está no jogo politico. Deveria ser apenas técnico —disse ao Jornal Nacional.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, alerta para a chance de interferências indevidas num órgão estratégico.

—Se não construir uma estrutura com autonomia, vai colocar os órgãos em risco no futuro, porque a tentação de fazer nomeação política existe e vai existir sempre —disse o presidente da ADPF.

O auditor de finanças e controle Rudinei Marques, presidente do Unacon Sindical, que representa os servidores da ControladoriaGeral da União (CGU), afirmou que as alterações vão prejudicar o trabalho:

— Toda a coalizão dos órgãos de combate à corrupção está sendo desmontada com a previsão de que, no futuro, os técnicos que atuarão na nova unidade de inteligência financeira serão do BC, o que piora com as restrições orçamentárias do banco.

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Órgão contra lavagem de dinheiro veda aparelhamento 

Rayanderson Guerra

21/08/2019

 

 

A Medida Provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro que altera a estrutura do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) e cria um grupo sujeito a indicações externas pode causar a suspensão do Brasil do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF) e, consequentemente, ter impactos na economia do país.

A MP abre brecha para que o conselho deliberativo do novo Coaf seja composto por indicações políticas, o que fere uma das 40 recomendações do Gafi para combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.

A entidade internacional, criada há 30 anos por países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e outros associados, estabelece que as unidades de inteligência financeira de cada país sejam capazes de “obter e mobilizar os recursos necessários para realizar suas funções, de forma individual ou rotineira, livres de qualquer influência ou interferência política, governamental ou setorial indevida, o que pode comprometer sua independência operacional”.

Em outra recomendação, o Gafi —que é composto por 35 países, entre eles o Brasil, desde 1999 —, diz que os países devem garantir que os funcionários “mantenham altos padrões profissionais, inclusive padrões de confidencialidade além de serem idôneos e aptos”.

O conselho terá até 14 pessoas que não precisam ser servidores públicos, com poder de sanção a pessoas físicas e jurídicas envolvidas em atos de lavagem de dinheiro ou omissão de de informação às autoridades.

Uma suspensão do Gafi pode causar sanções que vão desde a inclusão do país em listas de países com deficiências estratégicas, com alto risco para investidores, à aplicação de punições do sistema financeiro dos demais países e de grupos ou organismos internacionais, como o G-20, FMI e o Banco Mundial.

Agências de classificação de risco como Standard & Poor's (S&P), a Fitch e a Moody's usam o cumprimento das normas do Gafi para emitir as notas dos países.