O globo, n.31425, 21/08/2019. País, p. 10

 

Marco Aurélio impede prisão após 2ª instância 

Aguirre Talento

21/08/2019

 

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello concedeu um habeas corpus para impedir a prisão de um empresário condenado por participação na chacina de Unaí, em Minas Gerais, Hugo Alves Pimenta. A decisão contraria o entendimento atual da Corte sobre a execução da pena de prisão após condenação em segunda instância. O crime ocorreu em 2004 quando auditores fiscais do Ministério do Trabalho foram assassinados em uma emboscada na região rural da cidade mineira.

Em 30 de julho deste ano, Pimenta e outros dois condenados no caso tiveram um recurso negado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), o que possibilitou à Justiça expedir os mandados de prisão contra os empresários. Por isso, a defesa de Pimenta apresentou um habeas corpus no STF, solicitando uma liminar para que ele só fosse preso depois que o processo fosse apreciado em todas as instâncias do Judiciário — o chamado “trânsito em julgado”.

JULGAMENTO SEM DATA

O ministro Marco Aurélio concedeu a liminar em decisão do último dia 14, que foi publicada oficialmente ontem. No seu despacho, o ministro faz críticas ao STF por adiar um novo julgamento sobre a prisão em segunda instância e diz que a Corte é a “última trincheira da cidadania”. Desde 2016, o STF tinha firmado entendimento pela possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, mas, após mudanças de ministros e de posicionamentos, existe a expectativa que um novo julgamento mude esse entendimento. O presidente do STF, Dias Toffoli, ainda não decidiu quando pautará o julgamento.

“Precipitar a execução da sanção importa antecipação de culpa, por serem indissociáveis. Conforme dispõe o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, escreveu Marco Aurélio em sua decisão.

No fim da decisão, Marco Aurélio fundamenta: “Defiro a liminar, para suspender, até o desfecho da impetração, a execução provisória do título condenatório. Abstenham-se de expedir o mandado de prisão, ou, se já ocorrido o fenômeno, recolham no, ou, ainda, se cumprido, expeçam alvará de soltura”.

O advogado do caso, Glauber Soares, afirma que o pedido de habeas corpus foi preventivo porque o TRF-1 ainda estava confeccionando os mandados de prisão. Com a decisão, o tribunal será informado que o STF cassou o mandado de prisão e Hugo Pimenta deverá continuar respondendo em liberdade.

LONGA TRAMITAÇÃO

Ocorrida em 28 de janeiro de 2004, a chacina de Unaí foi um caso de grande repercussão e longa tramitação judicial. Naquela data, auditores fiscais do Ministério do Trabalho foram assassinados em uma emboscada na região rural da cidade mineira de Unaí. Os servidores investigavam denúncias de trabalho escravo. Os irmãos Antério e Norberto Mânica foram acusados de serem os mandantes do crime.

Norberto e Hugo Pimenta, acusado de ser intermediário, tiveram condenação confirmada em segunda instância. O primeiro, a 65 anos de prisão, e o segundo a 31 anos. Antério teve a condenação anulada e ainda será submetido a novo julgamento. Hugo Pimenta fechou acordo de colaboração premiada e tenta obter a redução de pena.

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Moro compara condenação após trânsito em julgado a um 'unicórnio'

Jailton de Carvalho

21/08/2019

 

 

O ministro da Justiça, Sergio Moro, voltou a criticar a escassez de condenações judiciais definitivas no país e comparou o cenário jurídico a um unicórnio, animal fictício. Moro falou sobre o assunto ao defender, em seminário no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o cumprimento imediato de prisão para condenados em segunda instância, um dos pontos do projeto anticrime elaborado por ele.

—Se nós formos considerar preso provisório aquele que não foi condenado ainda até o trânsito em julgado, então quase ninguém( vai ser preso ), porque o trânsito em julgado no Brasil, muitas vezes,é como um unicórnio, é algo que existe só nos livros de fantasia —disse Moro, na abertura do seminário “Temas de Direito e Economia”.

O seminário foi organizado pela Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, e organizado no STJ. Moro fez um histórico das decisões do STF sobre a prisão em segunda instância. Segundo ele, o projeto anticrime tem como base a última determinação na Corte sobre o assunto, em 2016. A decisão, que autoriza o cumprimento da pena a partir da condenação por 6 órgão colegiado, foi um dos argumentos usados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região para prender o ex-presidente Lula.

Durante a palestra, Moro elogiou o juiz americano Richard Posner, que defende o endurecimento do regime prisional para presos condenados por crimes violentos. O ministro citou como exemplo decisão do magistrado favorável ao aumento do rigor estabelecido para presos condenados à prisão perpétua e recolhidos em presídios de segurança máxima nos Estados Unidos.

O regime, mesmo considerado cruel, seria uma forma de coibir que esses presos continuassem a cometer crimes. Segundo Moro, coma inutilidade de aumentar penas, uma vez que os presos já estavam condenados à prisão perpétua, alguns desses detentos continuavam cometendo crimes nas prisões, como mortes de outros presos e policiais.

— O regime era, de certa maneira, cruel e desumano na sua dureza, mas dentro do contexto no qual foi aplicado e da necessidade que se impunha, ele (Posner) reputou esse regime constitucional, compatível com os parâmetros constitucionais.