O globo, n.31424, 20/08/2019. Artigos, p. 02

 

Bolsonaro desagrada ao agronegócio 

20/08/2019

 

 

Já foram várias as demonstrações do presidente Bolsonaro de que ele resiste a descer do palanque eleitoral. Parece encantado em eletrizar a extrema direita que o apoia, com uma retórica incandescente e, por vezes, inadequada a um chefe do Executivo. Fala para poucos e barulhentos convertidos, especializados em usar redes sociais para dar uma ideia falsa do tamanho que de fato têm.

Um problema ainda maior é que Bolsonaro tem conseguido prejudicar interesses concretos do país, ao desfechar ataques preconceituosos, e contaminados por altas dosagens de ideologia, contra a preservação do meio ambiente.

O universo bolsonariano — e do seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles — é povoado de ONGs mal intencionadas, tripuladas por comunistas; que também estão aparelhados no Inpe, a fim de adulterar imagens de satélites para mostrarem um desmatamento na Amazônia que não existe. No pano de fundo, interesses poderosos agem para subtrair a Amazônia do Brasil.

Nem todas as ONGs são sérias, e o aparelhamento é antiga técnica de extremistas que têm projetos de poder autoritários. Mas é preciso ser sensato, mais ainda um presidente da República.

Bom senso que falta nos ataques de Bolsonaro e Salles ao Fundo Amazônia, para o qual Noruega e Alemanha destinaram R$ 3 bilhões em doações, com a finalidade de apoiar projetos autossustentáveis na região. Os dois países batem em retirada, mas os próprios governadores dos estados da Amazônia Legal (Amapá, Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins) formalizaram em documento sua posição de “defensores incondicionais” do fundo, anunciando que dialogarão diretamente com noruegueses e alemães, o que já foi comunicado oficialmente a eles e aos franceses, também preocupados com o rumo da política ambiental de Bolsonaro.

O agronegócio já havia alertado o recém-eleito presidente do risco de boicote às exportações brasileiras de commodities, caso a devastação se alastre. Nos últimos dias, os veículos semanais alemães “Der Spiegel” e “Die Zeit” conclamaram reações contra o Brasil em toda a Europa. “É hora de sanções”, defendeu o “Die Zeit”.

À medida que aumenta o risco de retaliações concretas, representantes do agronegócio sobem o tom em alertas ao Planalto. Em entrevista ao “Valor Econômico”,oex-ministro Blairo Maggi, grande produtor de soja, preocupa se porque o discurso“agressivo”de Bolsonaro é capaz de desmantelar o acordo comercial Mercosul-UE, do qual consta uma cláusula ambiental. E Blairo já ganhou do Greenpeace o prêmio sarcástico “Motossera de Ouro”.

A consciência ambientalista se fortalece no Brasil, dentro do próprio agronegócio, como demonstram vários de seus líderes. Entre eles a senadora Ká tia Abreu, da bancada ruralista e também ex-ministra.