O globo, n.31424, 20/08/2019. País, p. 04

 

Baixa na Receita Federal 

Marcello Corrêa

Manoel Ventura 

20/08/2019

 

 

Após pressões do presidente Jair Bolsonaro, de autoridades do Judiciário e do Legislativo, o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, decidiu ontem demitir seu subsecretário-geral, João Paulo Fachada — número 2 da instituição. Com o movimento, a equipe econômica espera baixar a temperatura da crise que abalou o Fisco, contestado por procedimentos de investigação.

A troca na cúpula pegou de surpresa técnicos do segundo escalão, que chegaram a considerar entregar seus cargos, mas resolveram dar a Cintra um ultimato: exigiram blindagem a interferências políticas e uma defesa enfática do papel do órgão. Também colocaram na mesa uma demanda por mais recursos: o corpo técnico ameaça interromper sistemas de emissão de CPF e processamento de restituições do Imposto de Renda por falta de dinheiro.

Fachada será substituído pelo auditor-fiscal José de Assis Ferraz Neto, que hoje atua na delegacia da Receita em Recife. De acordo com integrantes da carreira, o novo subsecretário tem perfil semelhante ao do atual: técnico e discreto. Ambos são auditores há mais de 20 anos. Por isso, a substituição foi vista por integrantes do Fisco mais como uma tentativa de Cintra de passar uma mensagem de que está no comando da instituição. Fachada continuará na Receita, ligado a projetos especiais, informou uma fonte.

No início de agosto, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão de 133 apurações da Receita, alegando haver desvio de finalidade. A lista incluía nomes da própria Corte. Na semana passada,

o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse haver “excessos” na atividade do órgão. Bolsonaro, por sua vez, reclamou de uma devassa na vida financeira de sua família.

O subsecretário-geral é responsável por tocar, de fato, o dia a dia da Receita. Ele faz o elo entre os técnicos e Cintra, que dedica a maior parte do tempo a debates sobre a reforma tributária. Por isso, a expectativa é que a troca acalme os ânimos. Segundo fontes do órgão, o secretário especial também percebeu que, se não tomasse essa atitude, seu próprio cargo estaria sob risco.

Dentro da equipe econômica, a avaliação é que o plano pode dar certo. Por isso, a ideia de fatiar a Receita, encarada até então como uma “solução institucional para uma crise institucional”, foi deixada de lado. A aposta agora é esperar a reação ao novo nome.

No corpo técnico da Receita, no entanto, o clima ainda é tenso. Ontem, os cinco subsecretários se reuniram com Cintra para apresentar exigências. Uma das demandas foi a garantia de que não sejam feitas trocas na superintendência do Fisco no Rio. No fim de semana, o delegado da alfândega do porto de Itaguaí, José Alex Nóbrega de Oliveira, publicou em grupos de WhatsApp que seu cargo estava ameaçado por “forças externas”. Em reunião ontem na sede da superintendência do Rio, Oliveira foi orientado a aguardar orientações.

As mensagens levaram a rumores de que o superintendente da Receita no estado, Mário Dehon, também poderia deixar o cargo. A cúpula do Fisco já alertou Bolsonaro sobre o risco de substituição em Itaguaí, unidade cercada pela milícia.

Os técnicos da Receita também avisaram que, caso essa troca seja efetivada, haverá uma rebelião no segundo escalão. Neste caso, a ameaça de que todos entreguem seus cargos voltaria a ganhar força. Os técnicos calculam esse movimento com cautela, no entanto, porque a avaliação é que uma debandada poderia abrir espaço para indicações políticas no órgão.

Outra demanda feita pelos subsecretários foi a de que Cintra adote uma conduta mais institucional para defender os técnicos. De acordo com integrantes do órgão, o secretário vinha repassando as pressões políticas para dentro da instituição, em vez de trabalhar para blindar os auditores.

CRÉDITO SUPLEMENTAR

Outro ponto na mesa de negociação foi a situação orçamentária do órgão. Um comunicado interno ao qual O GLOBO teve acesso alerta que, por causa de cortes no Orçamento, o Fisco pode ficar sem dinheiro para prestar serviços essenciais à população. Segundo a nota, sistemas de emissão de CPF e de processamento de restituições do IR podem parar já a partir do próximo domingo. O corpo técnico espera que Cintra trabalhe para evitar esse shutdown, buscando, por exemplo, crédito suplementar para suprir as necessidades do órgão.

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Bolsonaro assina MP que transfere Coaf, rebatizado, para Banco Central

Gustavo Maia 

20/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro assinou na noite de ontem a medida provisória (MP) que transfere o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) para a alçada do Banco Central (BC).

Com a mudança,o atual presidente do órgão,Roberto Leonel,pode deixar o cargo. Ele foi indicado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, e, nas últimas semanas, virou alvo de insatisfação de Bolsonaro.

Com a edição da MP, caberá ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, escolher o presidente da unidade e demais integrantes. O texto não vincula a escolha a nenhum órgão e estabelece apenas que eles sejam cidadãos brasileiros “com reputação ilibada e reconhecidos conhecimentos em matéria de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo ou ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa”.

O motivo da insatisfação de Bolsonaro foram críticas públicas de Leonel à decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que suspendeu o uso, em investigações, de dados fornecidos por órgãos de controle, como o Coaf e a Receita Federal, sem autorização judicial prévia. A liminar foi uma resposta a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O Coaf foi rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira e deixa o Ministério da Economia, ao qual estava subordinado.