O globo, n.31424, 20/08/2019. País, p. 05

 

Dodge: punição a autoridades pode virar 'abuso'

Rayanderson Guerra

20/08/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Procuradora-geral afirma que projeto aprovado na Câmara pode representar risco para o livre exercício do MP e do Judiciário. Levantamento aponta que texto afeta mais procuradores, juízes e policias do que parlamentares

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou ontem que o projeto de lei do abuso de autoridade, aprovado na Câmara eque aguarda a sanção do presidente JairBol sonar o, podere presentar riscos para o livre exercício do Judiciário e para o Ministério Público Federal (MPF). De acordo com Dodge, é preciso considerar se o projeto de lei“tema dose certa de normatividade ”, uma vez que, “ao errar na dose, faz como um remédio que se torna um veneno e mata o paciente”.

— É preciso atentar para o fato de que a própria lei pode se tornar um abuso que deseja reprimir —disse a procuradora-geral ao participar do 1º Encontro Ibero-Americano da Agenda 2030 no Poder Judiciário, em Curitiba.

Dodge afirmou que o ordenamento jurídico atual já prevê modos de contenção de abusos e citou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgãos capazes de controlar eventuais excessos.

—As instituições e o Ministério Público precisam ter seu livre exercício assegurado e sua vida interna imune à atribuição dos membros de outros Poderes, exceto nas situações expressamente definidas em lei — disse Dodge, acrescentando que os Poderes não devem se guiar pelo clamor popular.

POLÍTICOS POUCO AFETADOS

Um levantamento do Ministério Público sobre o projeto, publicado pelo colunista do GLOBO Merval Pereira no último sábado, aponta que, dos 33 crimes tipificados no texto, apenas três atingem parlamentares que o aprovaram. Por outro lado, promotores e procuradores estão sujeitos a 21 deles. Os juízes podem ser afetados por 20 artigos e os agentes de segurança pública estão sujeitos a crimes previstos em 29 deles.

Mesmo nos itens que podem ser afetados, os parlamentares não estão sozinhos. Nos três artigos, outras autoridades também podem ser atingidas. De acordo com o projeto, os deputados e senadores podem ser incriminados se derem carteirada, atribuírem culpa antes da formalização da acusação e coibirem reuniões de pessoas para fins pacíficos.

—A tabela revela que, apesar do discurso de que anova lei do abuso de autoridade serviria para todos os agentes públicos, agentes específicos, no caso policiais, membros do Ministério Público e juízes foram claramente visados com a sua aprovação — diz Fábio Nóbrega, da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Bolsonaro já afirmou que “vai ter veto” ao projeto. Ontem, o presidente se reuniu com o ministro da Justiça, Sergio Moro, para discutir o tema. A lista deve incluir os artigos que proíbem prisões em “desconformidade com a lei”, o flagrante preparado e o uso de algemas quando o preso não oferece resistência à ação policial. Ontem, em Bauru (SP), Moro afirmou que a polícia, juízes e o Ministério Público poderão ter “temor excessivo”, com a lei, informou o jornal “Folha de S. Paulo”.