O Estado de São Paulo, n. 46084, 20/12/2019. Política, p. A4

 

Flávio recorre ao Supremo e ataca Witzel e juiz do caso

Caio Sartori

Paulo Roberto Netto

Rafael Moraes Moura

Breno Pires

20/12/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

  Investigação. Senador diz que MP comete “atrocidades” e faz críticas ao magistrado Flávio Itabaiana; Jair Bolsonaro afirma que não responde por filho e provoca governador do Rio

O senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) reagiu ontem à investigação sobre um suposto esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio com críticas ao juiz Flávio Itabaiana Nicolau, responsável pelo caso, e provocações aos promotores e ao governador do Rio, Wilson Witzel (PSC). Flávio entrou com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal com o objetivo de tentar suspender a apuração mais uma vez. O recurso foi distribuído para o ministro Gilmar Mendes.

Na primeira manifestação pública sobre a operação feita anteontem pelo Ministério Público, o presidente Jair Bolsonaro sugeriu que Witzel pode ter alguma ligação com o fato de a imprensa ter noticiado detalhes da investigação. Ele afirmou que não responde por seus filhos. “Pergunta para o advogado”, disse Bolsonaro ao ser questionado sobre o caso. “Eu respondo por mim.” No início do ano, quando surgiram as primeiras denúncias que envolviam o gabinete de Flávio, Bolsonaro dizia que a investigação contra seu filho era uma forma de atingi-lo politicamente.

O presidente sugeriu o envolvimento de Witzel no caso, como já havia feito ao comentar investigações da morte da vereadora Marielle Franco. “Vocês sabem o caso do Witzel, foi amplamente divulgado aí, inteligência levantou, já foi gravada conversa entre dois marginais citando meu nome para dizer que eu sou miliciano. Armaram”. Bolsonaro não deixou claro sobre qual a levantamento de “inteligência” se referia.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também comentou o caso ontem. Disse ver “exagero” na investigação. “Se dá muita publicidade a isso, está no início da investigação. Está se criminalizando a pessoa (Flávio) sem dar o direito a defesa. Algumas coisas muito exageradas”, afirmou o deputado.

Buscas. Anteontem, agentes do Ministério Público (MP) cumpriram 24 mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Flávio, seu ex-assessor Fabrício Queiroz e familiares de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente. Os promotores procuram provas de um suposto esquema de devolução de parte do salário de ex-assessores do gabinete de Flávio. A investigação corre sob sigilo. O caso foi revelado pelo Estado há um ano, com a publicação de relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que identificou movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão nas contas de Queiroz.

Relatório do MP que embasou a operação de anteontem aponta que Flávio teria lavado R$ 2,5 milhões do esquema por meio da compra de apartamentos em Copacabana, no Rio, e com a movimentação de uma loja de chocolates da qual é sócio .

No vídeo que divulgou ontem, Flávio afirma que o juiz Itabaiana, da 27.ª Vara Criminal do Rio, “virou motivo de chacota no Judiciário” por ter autorizado, em abril, a quebra de sigilo fiscal e bancário de mais de 86 pessoas e nove empresas. “Esse juiz autoriza tudo que o Ministério Público pede sem ter a preocupação e cuidado necessários.”

Flávio sugeriu que a filha de Itabaiana seria funcionária fantasma do governo estadual. “Seria bom vocês investigarem se não tem uma funcionária fantasma no gabinete do governador que é filha desse juiz”, afirmou.

Em nota, o governo do Rio afirmou que “Witzel não interfere no trabalho de investigação policial, nem no Ministério Público”. O governo afirmou que Natália Nicolau trabalha na Casa Civil do Estado como Secretária II e que foi nomeada 15 dias antes da distribuição eletrônica do processo do senador ser assumido por Itabaiana. O magistrado e sua filha não foram localizados.

Flávio afirmou, ainda, que os promotores cometem “atrocidades”. “Estão perseguindo, usando artifícios ilegais que constrangem as pessoas para buscar explicar uma coisa que simplesmente não fiz. Daí a dificuldade de ainda não terem oferecido uma denúncia.”

O senador também respondeu à acusação feita pelo MP de que Queiroz recebeu R$ 2 milhões, em mais de 400 depósitos feitos por ex-assessores seus na Assembleia. Para os promotores, esse dinheiro seria parte do salário dos assessores no suposto esquema de “rachadinha”. “O que eu tenho a ver com o que as pessoas fazem com o salário? Não importa, eu não tenho nada a ver com isso”, afirmou. O senador diz que Queiroz já declarou que parte dos recursos são dos familiares e que ele geria as contas da família. “Ele mesmo já falou isso.”

O pedido de habeas corpus de Flávio ainda pode ser analisado por Gilmar Mendes, escolhido como relator, mesmo com o início do recesso do STF, que fez a sua última sessão ontem.

Urgência

O ministro do Supremo Gilmar Mendes pediu ontem “com urgência” informações ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça do Rio sobre o caso Queiroz.

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Advogado deixa defesa de Queiroz após buscas

Caio Sartori

Paulo Roberto Netto

20/12/2019

 

 

Paulo Klein alega ‘questões de foro íntimo’ para deixar a defesa de ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Alerj

O advogado Paulo Klein, que representava Fabrício Queiroz, deixou o caso ontem, um dia depois do ex-assessor parlamentar ser alvo de buscas e apreensões no inquérito que apura suposto esquema de “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Ele alegou “questões de foro íntimo” para abandonar a causa.

Ao Estado, Klein repetiu o motivo da saída, mas não quis dar detalhes. O advogado assumiu a defesa da família Queiroz no dia 18 de dezembro do ano passado, 12 dias após a revelação da investigação pelo Estado.

Mais cedo, Klein afirmou que o Ministério Público “distorce” os repasses de R$ 2 milhões registrados na conta de Queiroz. Segundo a Promotoria, o ex-assessor teria recebido R$ 2.062.360,52 por meio de 483 depósitos feitos por assessores subordinados ou indicados por Flávio Bolsonaro.

“Se contextualizarmos os fatos, os referidos valores foram recebidos ao longo de 10 anos, repita-se, 10 anos, sendo que na sua quase totalidade fruto dos rendimentos da própria família que, como dito, centralizava seus pagamentos na conta do sr. Fabrício”, diz a nota enviada pela manhã pelo advogado.

Queiroz foi um dos alvos de operação de busca e apreensão decretada pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau no inquérito. Segundo a Promotoria, Queiroz recebia parcelas do salário de servidores indicados pelo deputado por meio de depósitos bancários. Em seguida, realizava saques para repassar os valores.

A família Queiroz integra o grupo de 12 servidores que teria recebido cerca de R$ 6,1 milhões da Assembleia Legislativa do Rio e repassado ao menos R$ 1,8 milhões para a conta do exassessor de Flávio e sacado cerca de R$ 2,9 milhões em espécie para entrega em mãos, apontou o Ministério Público.