O Estado de São Paulo, n. 46084, 20/12/2019. Política, p. A8

 

MP vê lavagem de R$ 2,5 mi por meio de loja e imóveis

Pepita Ortega

Paulo Roberto Netto

Caio Sartori

20/12/2019

 

 

Procuradoria cita aportes de R$ 1,7 mi em franquia da qual Flávio é sócio, e lucro de R$ 800 mil na compra e venda de apartamentos  

Defesa. Senador Flávio Bolsonaro gravou um vídeo um dia após ação da Promotoria do Rio

O Ministério Público do Rio vê indícios de que o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) teria lavado dinheiro – cerca de R$ 2,5 milhões – por meio da loja de chocolates da qual é sócio e da compra e venda de dois apartamentos, em Copacabana, na zona sul da capital fluminense. Segundo os investigadores, um total de R$ 1,7 milhão em espécie foi depositado nas contas do comércio entre 2015 e 2018, “de forma variada” e “sem guardar proporção com o faturamento da loja proveniente de outros meios de pagamento”. Já em relação às operações de compra e revenda dos apartamentos, o MP vê “simulação de ganhos artificialmente produzidos” de R$ 800 mil.

A Promotoria acredita que as transações podem ter sido feitas para lavar parte dos recursos de “rachadinhas” – prática em que o servidor repassa parte ou a totalidade de seu salário para o político que o contratou – no gabinete de Flávio, quando ele era deputado estadual no Rio (2003 a 2018). Os indícios apontados pelo MP do Rio têm como base a quebra de sigilo bancário e fiscal de um total de 86 pessoas físicas e jurídicas, em abril.

A Bolsotini Chocolates e Cafés Ltda, adquirida por Flávio e seu sócio Alexandre Santini, em 2014. Ao analisar as contas da firma, o MP apontou a suspeita de que Santini teria atuado como “laranja” de Flávio no comércio – juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27.ª Vara Criminal do Rio, autorizou ontem a quebra de sigilo de Santini.

No relatório encaminhado à Justiça, o MP apontou “quantias incomparáveis com o volume de vendas” sendo depositadas na conta da loja e repassadas ao hoje senador “travestidas de distribuição de lucros fictícios”. Uma auditoria coletou dados sobre valores máximos de receitas da franquia entre março de 2015, quando a loja entrou em operação, até dezembro do ano passado. No período, a diferença entre o faturamento auditado e o crédito repassado em forma de lucro para o então deputado e seu sócio revelados pela quebra de sigilo fiscal e bancário chegou a R$ 1,6 milhão. Outra discrepância seria o fato da loja ter recebido R$ 1,7 milhão em depósito em espécie entre 2015 e 2018 sem guardar “proporção com o faturamento da loja proveniente de outros meios de pagamento”.

A suposta origem ilícita dos recursos, segundo o MP, decorre da “coincidência dos depósitos em dinheiro no mesmo período em que Fabrício Queiroz arrecadava parte dos salários do assessores da Alerj”. O ex-assessor teria “disponibilidade de papel moeda em quantia suficiente para efetuar os depósitos ilícitos na conta da Bolsotini”, continua a promotoria.

O MP relata ainda “lucratividade excessiva de Flávio e sua mulher, Fernanda na compra e venda de imóveis. Em novembro 2012, o casal comprou dois apartamentos por, respectivamente, R$ 140 mil e R$ 170 mil. Em novembro de 2013, um imóvel foi revendido por R$ 573 mil – lucro de 237% – e, em fevereiro de 2014, o segundo foi repassado por R$ 550 mil, lucro de R$ 292%. Na época, a média de valorização imobiliária da região não passou de 11%.

Defesa. Em vídeo divulgado ontem o senador declarou não ter visto nenhuma irregularidade na aquisição e operação do estabelecimento. Segundo Flávio, toda a documentação e comprovantes foram informados na Declaração de Imposto de Renda e na Junta Comercial. “Não tem nenhum problema dela pagar uma parte dessa loja que a gente comprou, da mesma forma o meu sócio Alexandre, ele tem os comprovantes.” Sobre os apartamentos, chamados por ele de quitinetes “cacarecadas”, o senador negou irregularidade. “Só porque consegui comprar um apartamento num preço bom, estou lavando dinheiro?” A defesa de Santini não foi localizada.  / PEPITA ORTEGA, PAULO ROBERTO NETTO e CAIO SARTORI

'Cacarecadas'

“Só porque consegui comprar um apartamento num preço bom, estou lavando dinheiro agora? São quitinetes ‘cacarecadas’.”

Flávio Bolsonaro

SENADOR 

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Jurídico do governo inclui policiais presos em indulto de Natal

Breno Pires

Mateus Vargas

20/12/2019

 

 

Jair Bolsonaro quer que agentes que cometeram crimes durante o serviço sejam libertados; decreto deve ser publicado hoje

A pedido do presidente Jair Bolsonaro, a equipe jurídica do governo incluiu no decreto do indulto de Natal o perdão da pena de policiais presos por crimes cometidos durante o serviço. O texto, que prevê os critérios para condenados deixarem a cadeia, foi fechado ontem e deve ser publicado ainda hoje.

A redação foi feita a partir de uma minuta elaborada pelo Ministério da Justiça, comandado pelo ministro Sérgio Moro, e contraria o que havia sido sugerido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão ligado à pasta. Como revelou o Estado no sábado, a proposta elaborada pelo colegiado, formado por especialistas na área, não previa o benefício a policiais, prometido por Bolsonaro ainda em agosto. O decreto estende o benefício aos agentes de segurança presos por mortes em trocas de tiro ou situação de “excesso” na legítima defesa.

Trata-se de uma inovação do presidente em relação ao decreto anterior, publicado em fevereiro, que só previa o perdão a condenados em situação grave de saúde, como câncer, aids ou que adquiriram deficiências físicas após terem cometido o crime.

Após a reportagem de sábado, o presidente reafirmou que a categoria seria beneficiada pela medida, caso contrário não daria indulto a ninguém neste ano. “Não é justo. Tem policial que está preso por abuso porque deu dois tiros em um vagabundo de madrugada. Estava cumprindo sua missão. Não podemos continuar criminalizando policiais que fazem excelente trabalho”, disse Bolsonaro.

A Constituição concede ao presidente da República a prerrogativa de conceder o perdão em favor de pessoas condenadas, desde que preenchidas determinadas condições. Estes critérios são definidos anualmente e publicados em decreto no fim do ano – daí o motivo de ser chamado de “natalino”. O indulto não pode ser dirigido a pessoas específicas, mas, sim, a todos os condenados que, na data da publicação, atendam aos requisitos. O indulto não permite perdão a condenados por crimes hediondos, como tortura e homicídios cometidos por grupos de extermínio.

Em agosto, Bolsonaro afirmou que o próximo indulto de Natal teria “nomes surpreendentes” e beneficiaria policiais condenados por “pressão da mídia”, como os envolvidos no massacre do Carandiru.