O globo, n.31424, 20/08/2019. Economia, p. 13

 

Dólar em alta 

Ana Paula Ribeiro 

20/08/2019

 

 

As incertezas sobre a economia global voltaram ontem a provocar um salto do dólar, que subiu 1,58%, para R$ 4,065, sua maior cotação desde 20 de maio. O real foi a divisa que mais perdeu valor frente ao dólar entre as moedas de países emergentes, que foram prejudicadas ontem pela possibilidade de os EUA pararem de cortar juros — o que frustraria a expectativa generalizada de que a desaceleração mundial prescreve novas medidas de estímulo.

Na Bolsa, o índice de referência Ibovespa ignorou as altas registradas nos pregões do exterior e caiu 0,34%, abaixo dos 100 mil pontos (99.464). Ontem, o dólar turismo era vendido por valores entre R$ 4,20 (em espécie) e R$ 4,46 (no cartão prépago) em casas de câmbio do Rio. A cotação já inclui o IOF.

Desde a semana passada, sinais concretos de que a guerra comercial entre EUA e China já desacelera a economia mundial espalhou aversão arisco pelos mercados. Ontem, o movimento ganhou força em mercados emergentes com as declarações do presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano) de Boston, Eric Rosengren. Apesar de o mercado de títulos públicos americanos já sinalizar que os investidores projetam uma recessão nos EUA nos próximos anos, Rosengren pediu sinais “mais evidentes” da desaceleração antes de apoiar novo corte de juros.

— Só porque outros países estão desacelerando, se estamos fortes, não significa necessariamente que também temos de adotar medias de afrouxamento (monetário) — afirmou Rosengrenem entrevista à Bloomberg Television.

Rosengren foi um dos dois presidentes do Fed que, no mês passado, discordaram do primeiro corte de juros nos EUA desde acrise de 2008. Amanhã, o Fed divulgará a ata daquela reunião, o que pode dar sinais sobre o futuro dos juros. Os investidores também estarão atentos ao discurso do presidente da instituição, Jerome Powell, na conferência de Jackson Hole, na sexta-feira.

MEDIDAS DE TRUMP

Os mercados apostam que o Fed voltará a reduzir as taxas em setembro. Cortes de juros pelo Fed tendem a desvalorizar o dólar, já que diminuem o fluxo de investimentos para títulos americanos, e parte desses dólares acaba sendo direcionada a outros mercados com taxas mais atraentes, como países emergentes.

— O movimento do dólar aqui acompanha o comportamento das moedas dos emergentes no exterior, em reação às declarações de Rosengren —explicou Ricardo Gomes da Silva, superintendente da Cor reparti Corretora de Câmbio.

Enquanto divergem sobre apolítica monetária, os membros do Feda inda precisam li darcom apressão do presidente Donald Trump por mais cortes de juros — postura interpretada pelos investidores como indevida e que acrescenta instabilidade aos negócios.

Ontem, Trump disse que o Fed deve considerar cortar a taxa de juros em 1 ponto percentual e defendeu a realização de “algum afrouxamento monetário” — referindo-se ao programa de compras de títulos para estimular a economia que marcou o período pós-crise de 2008, quando o BC americano chegou a comprar US$ 4 trilhões em papéis.

“O Fed, em um período relativamente curto, deveria reduzir a taxa de juros em pelo menos 1 ponto percentual, talvez com algum afrouxamento monetário também”, disse Trump no Twitter.

Ele ainda lamentou que o dólar forte “esteja infelizmente prejudicando outras partes do mundo”.

No início da noite, o site do jornal americano The New York Times afirmou que autoridades da Casa Branca começaram a preparar medidas para evitar que a economia americana entre em recessão. Entre as possibilidades avaliadas está a redução dos impostos sobre a folha de pagamento e mesmo uma possível retirada das novas taxas sobre a China anunciadas por Trump.

No Brasil, um dos efeitos das incertezas sobre o crescimento mundial tem sido a retirada de recursos pelos investidores. No ano, o fluxo cambial está negativo em US$ 2 bilhões, mesmo com o saldo positivo na balança comercial. Além da turbulência, a redução dos juros pelo Banco Central tornou menos interessante deixar dinheiro aqui para quem busca ganhos de curto prazo.

‘VALORIZAÇÃO MUNDIAL’

Além disso, a retomada da economia local preocupa diante de uma desaceleração global. Para o economista chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, embora a lentidão na atividade doméstica impeça que o dólar alto se transforme em inflação, ele é mais um fator que mina a confiança dos empresários.

— A recuperação da economia está muito calcada em expectativas.

A aprovação da reforma da Previdência na Câmara ajudou, mas agora o cenário externo, coma ajudada Argentina, faz o empresário ter medo novamente —disse.

No entanto, economistas consideram exagerado o movimento do dólar ontem e acreditam que a cotação vá ceder no curto prazo.

— É uma valorização mundial da moeda. Os investidores buscam proteção no dólar até sabe ronde vai aguerra comercial e o quanto a economia da Europa irá desacelerar. Com isso, os emergentes acabam sofrendo mais — avaliou Fabrizio Velloni, da Frente Corretora, lembrando que, quando o dólar bateu R$ 4,10 em maio, pesou a incerteza sobre a reforma da Previdência.

Mas o dólar não deve voltar ao patamar registrado logo após a aprovação da reforma no primeiro turno na Câmara, quando caiu abaixo de R$ 3,75, projetamos analistas. Ma seles não veem motivos para a divisa ficara cimados R $4. Oboletim Focus aponta uma cotação de R$ 3,78 em dezembro.