Correio braziliense, n. 20522, 29/07/2019. Cidades, p. 18

 

Expresso Pequi daria prejuízo por 28 anos

Adriana Bernardes

Renato Alves

29/07/2019

 

 

Fora dos trilhos » Trem de passageiro entre Brasília e Goiânia, que governadores anunciavam por R$ 6,5 bilhões em 2003, estava orçado em R$ 9,5 bilhões em 2017, última vez em que prometeram tirar o projeto do papel

O transporte de cargas e passageiros por trem entre Brasília e Goiânia é economicamente atrativo, desde que seja feito por meio de parceria público-privada (PPP), com investimento dos governos Federal, de Goiás e do Distrito Federal. O chamado Expresso Pequi tem custo estimado de R$ 7,85 bilhões, com previsão de retorno financeiro para os empresários 28 anos após o início da operação. Os dados estão no estudo de viabilidade feito pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e concluído em 2016. No entanto, da última vez que autoridades anunciaram a intenção de tirar o plano do papel, falaram em um investimento de R$ 9,5 bilhões. Propagaram o interesse de grupos asiáticos, mas tudo ficou em promessas, requentadas desde 2003, quando representantes das duas unidades federativas anunciaram a intenção de construir um trem-bala, o primeiro do país.

O plano avalizado pela ANTT contempla dois tipos de serviço. Nenhum deles de trem de alta velocidade, como o prometido pelos então governadores Joaquim Roriz, do DF, e Marconi Perillo, de Goiás. Ambos partiriam do Plano Piloto e terminariam a viagem em uma área central de Goiânia. Parte da antiga linha férrea, que liga a Rodoferroviária a Valparaíso e Luziânia, em Goiás, seria aproveitada. Grande parte teria de ser construído, como trilhos e estações. O expresso (sem paradas) rodaria com velocidade máxima de 250 km/h) considerada média pelos padrões internacionais. O valor estimado da passagem era R$ 80. O parador (semiurbano) circularia a até 140 km/h. O primeiro, concluiria o trajeto Brasília-Anápolis em 56 minutos. O segundo, em duas horas e 11 minutos. Os técnicos não apontaram valores dos bilhetes para cada trecho.

O trem parador sairia do Plano Piloto, passaria por Ceilândia, Taguatinga, Santo Antônio do Descoberto e Águas Lindas — os dois últimos, municípios de Goiás. Dessa forma, a linha entre Brasília até Anápolis poderia ser consolidada em um único corredor. O transporte teria intervalos de 20 minutos, exceto à noite e nos fins de semana, quando o tempo de espera seria de uma hora. O serviço seria executado com uma composição de sete carros. Nos horários de pico, seria acoplada uma segunda composição, totalizando 14 carros. À medida que a demanda crescesse, o sistema seria ajustado na estrutura e no tempo de espera.

Integração

O projeto da ANTT leva em conta as promessas dos Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs), feitas pelo então governador José Roberto Arruda (2007-2009) ligando o aeroporto de Brasília ao Setor Hoteleiro Sul e a Rodoferroviária à Praça dos Três Poderes, além do sistema BRT Sul e da integração tarifária entre Metrô, VLT e BRT. No entanto, o VLT, um dos projetos de mobilidade para a Copa de 2014 (Brasília era cidade-sede do torneio) ficou na demolição de um viaduto e na derrubada de árvores do fim da W3 Sul. As obras foram suspensas cinco vezes pela Justiça e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Por fim, a 7ª Vara de Fazenda Pública do DF decidiu anular o contrato da obra em abril de 2011, tornando inviável a conclusão do modal a tempo da Copa.

O VLT foi oficialmente cancelado em setembro de 2012. Mas a atual administração da capital fala em retomar o plano. Em abril, a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) publicou um termo de autorização que permite cinco empresas selecionadas  elaborarem o estudo de viabilidade do VLT na W3 Sul. Elas têm até outubro para concluir o projeto, que servirá como base para licitação da obra por meio de Parceria Público-Privada (PPP).

No caso do Expresso Pequi, os técnicos da ANTT concluíram ser preciso construir um ramal específico para escoar carga no DF. As duas opções seriam a Rodoferroviária, contando com a possibilidade de integração com o  VLT e linhas de BRT ou a  Estação Asa Sul, que permitiria conexão com os mesmos sistemas e se conectaria ao aeroporto.

Apesar da crença no aumento de passageiros com o passar do tempo, os técnicos alertavam que a privatização da BR-060 (Brasília-Goiânia) e da BR-153 (Belém-Brasília), ocorridas em 2013, assim como a construção do BRT Sul, iniciada em 2011, provocariam impacto no custo e no tempo de deslocamento do usuário, podendo afetar a captação de passageiros para o Expresso Pequi, tanto nas viagens de longa como de curta distância. Pois, quanto maior o tempo ou o custo de viagem em um modal de transporte, menor é o interesse no seu uso.

Sonho

De 2010 a 2017, governadores do DF e de Goiás viajaram ao exterior com suas comitivas em busca de investidores estrangeiros para o Expresso Pequi. Mas o modelo só atrairia a iniciativa privada caso o poder público também entrasse com recursos, de acordo com os autores do estudo de viabilidade. Em maio de 2017, o governo federal, sob a liderança de Michel Temer (MDB), anunciou um leilão, apostando no interesse de um grupo chinês e do coreano A’REX — que explora uma linha que liga Seul a aeroportos internacionais naquele país.

Os coreanos exigiram, além do aporte de dinheiro público (leia Para saber mais), a eliminação do transporte de carga, exigência prevista no projeto original. Outra era a de que a velocidade do trem fosse de 250 km/h. Alegavam não haver demanda para o transporte de cargas. Já o governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), cobrou uma parada em Samambaia, dizendo ser fundamental para o desenvolvimento da região. Ideia acatada pelos coreanos, que também aceitaram o pedido do governador de Goiás, Marconi Perillo, para que houvesse uma parada em Anápolis.

Em outubro de 2017, um ano após a ANTT divulgar o estudo de viabilidade, Perillo apresentou a investidores espanhóis o projeto do Expresso Pequi, durante reunião na Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE), em Madrid. Acompanhado do presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Jorge Bastos, Perillo afirmou que o trem seria licitado em novembro. Mas o custo estimado já havia subido para R$ 9,5 bilhões. O ano e as gestões de Perillo, Rollemberg e Temer terminaram sem que houvesse a propagada licitação.

“A gente até sonhou com esse Expresso Pequi. Um trem de passageiros na nossa porta sempre foi o nosso sonho. Facilitaria muito a nossa vida”, comenta o carroceiro Jorge Roberto, 32 anos. Enquanto isso, ele vê apenas composições com carga passarem pela linha-férrea em frente à sua casa. Jorge mora em um bairro da periferia de Luziânia, cortado pelos antigos trilhos construídos pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA) para ligar Brasília a Goiás e à região Sudeste. Um dos dois filhos de Jorge estuda em uma escola pública à margem da estrada de ferro. Enquanto o trem de passageiros é só um sonho, a família se locomove  em uma carroça ou sobre o lombo de um cavalo.

Viabilidade

Trens de alta velocidade trafegam com velocidades entre 250km/h e 400km/h. No Japão, um atingiu 600 km/h. Esses modelos só são viáveis economicamente em trajetos com mais de 500km de distância.

Desativada

Inaugurada em 1981 para receber trens e ônibus interestaduais, a Rodoferroviária foi desativada em 2010, com a construção da Rodoviária Interestadual, em frente ao ParkShopping. Atualmente, parte da estrutura é ocupada por órgãos do GDF. Sobre as linhas, só rodam composições com cargas.

Para saber mais

Parceria de 30 anos

Os coreanos desejavam assumir o projeto em um modelo de PPP, com aporte de quase R$ 6,5 bilhões. Os R$ 2,5 bilhões restantes seriam divididos entre a União e os governos de GO e do DF. Os coreanos comandariam o empreendimento por 30 anos. A proposta da A’REX é que R$ 2 bilhões dos cofres públicos fossem amortizados nos primeiros 15 anos de contrato e que os R$ 500 milhões restantes fosse pagos no período restante.

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Falta política pública

29/07/2019

 

 

 

 

Uma das bandeiras de Rodrigo Rollemberg (PSB), que esteve à frente do Palácio do Buriti de 2015 a 2018, era colocar o Distrito Federal sobre trilhos. Além de ampliar o metrô, levando à Asa Norte, ele prometia iniciar a construção do Expresso Pequi, projetos tocados por Marcelo Dourado, que  comandou a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) entre 2011 e 2013 — época da elaboração do estudo de viabilidade do trem de passageiros Brasília-Goiânia —, e presidente do Metrô-DF em toda a gestão Rollemberg. Mas nem ele nem o chefe conseguiram tirar os planos do papel.

Dourado rebate  críticos que citam o alto custo dos trilhos como empecilho citando a opção de nações desenvolvidas por esse sistema. “O nosso PIB (Produto Interno Bruto) seria muito mais robusto se tivéssemos o investimento em infraestrutura. Não só ferroviária, como também a aquaviária. Não dá para o Brasil continuar dependendo das rodovias, um sistema saturado, com alto custo para o meio ambiente, sem falar nos mortos e feridos em acidentes”, afirma.

Para Dourado, os projetos de trem não saem do papel porque o Brasil não tem o modal ferroviário como política pública. Ele lembra que, em meio século, a malha ferroviária encolheu de 50 mil km para cerca de 30 mil km, assim como a oferta de trens de passageiros no Brasil está menor. “O modal ferroviário é limpo, ambientalmente sustentável, e tem capacidade infinitamente superior. Mas é preciso priorizar projetos de Estado, não de governo, porque o tempo de implantação é longo, assim como o custo é mais alto. Porém, os resultados, muito mais eficazes”, pondera.

Dourado não explica por que os projetos não vingaram no governo Rollemberg. Ele apenas observa que, apesar de a proposta do Expresso Pequi prever o trem expresso e de alta velocidade, experiência em países como a Europa e Estados Unidos mostraram que ele só é viável economicamente em trajeto superior a 400km. O atual governo do DF não tem interesse no transporte de passageiros entre Brasília e Goiânia. Ele mira a retomada do serviço apenas da Rodoferroviária a Valparaíso. Um dos responsáveis pelo plano é o secretário de Desenvolvimento do Entorno, Paulo Roriz. Ele informou, por meio de nota oficial, que tudo depende dos projetos de viabilidade, sem prazo para conclusão. À frente de pasta similar, Paulo Roriz comandou o plano do  Expresso Pequi, no governo de José Roberto Arruda (2007-2009).

Apenas dois

No Brasil só há dois trens regulares de passageiros em operação. O da Estrada de Ferro Vitória/Minas e o da Estrada de Ferro Carajás. Além disso, há 24 trechos autorizados para funcionamento de trens turísticos, sendo 13 em operação.