O Estado de São Paulo, n. 46079, 15/12/2019. Economia, p. B1

 

Com foco da Petrobrás no pré-sal, micropetroleiras avançam em terra

Fernanda Nunes

15/12/2019

 

 

Petróleo. Pequenas e médias empresas privadas, chamadas de ‘independentes’, aproveitam lacuna deixada por estatal e apostam na exploração de poços em terra no Nordeste, Espírito Santo e Amazonas; produção hoje é de 107 mil barris diários, 4,3% do total extraído no País

Exploração. Funcionários trabalham na perfuração de poço

No campo de petróleo do Vale do Quiricó, na Bahia, a cerca de 80 km de Salvador (BA), um único técnico, acompanhado de um segurança e dois cachorros, cuida diariamente do poço da menor petroleira do Brasil com o sentimento de quem trabalha numa plataforma em alto-mar. O volume sob sua responsabilidade – pouco mais de meio barril de óleo diário, que custaria no mercado algo como R$ 125 – é tão pequeno que poderia ser transportado em baldes.

Apesar das reduzidas proporções, a micropetroleira Energizzi, dona do poço, sonha alto e pretende colocar mais dinheiro em outras áreas de exploração em terra. Ela faz parte de um movimento de petroleiras de pequeno porte que querem aproveitar a lacuna deixada pela Petrobrás na Região Nordeste, no Espírito Santo e no Amazonas desde que a estatal optou por concentrar esforços no pré-sal.

A Energizzi é, na verdade, um braço da carioca Dimensional Engenharia, que, de olho na tentativa de reativação da produção de petróleo em terra, adquiriu em 2017 sua primeira área num leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Passados dois anos, começou a testar o potencial do projeto, considerado internamente um ensaio para investimentos futuros.

“Nosso objetivo é crescer. Buscamos campos maiores para chegar a 300 barris por dia lá na frente. É um desejo ter uma posição em águas rasas, mas isso é mais para frente”, diz o diretor de operações da empresa, Alan Bastos. “Queremos ter uma experiência grande na parte de terra para depois nos aventurarmos.”

Espaço. Pequenas e médias petroleiras, chamadas de “independentes”, tentavam há anos ingressar nesse mercado, mas sempre esbarraram no domínio da Petrobrás. Com a chegada do ex-presidente Michel Temer ao governo, em 2016, porém, houve uma mudança na política de desenvolvimento do setor, com maior incentivo à iniciativa privada, e esse quadro começou a mudar.

Com a concentração da Petrobrás no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde estão os grandes blocos do pré-sal, o segmento de extração de petróleo e gás no Nordeste, no Espírito Santo e no Amazonas, principalmente áreas em terra, ficou aberto para as novatas.

Apoiando esse movimento, o governo federal tenta reverter o grande declínio na produção de petróleo em terra no País – foi de 209 mil barris diários, em 2000, para 107 mil barris este ano. A participação em relação ao total extraído em território nacional passou de 9,2% para 4,3%.

Na avaliação de Anabal Santos Júnior, secretário executivo da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo (Abpip), o Brasil possui uma das maiores bacias terrestres do mundo, mas só tem conhecimento do potencial de 5% dela e possui uma taxa de sucesso inexpressivo em comparação ao que poderia ter se recebesse mais atenção.

Modelo americano. O modelo buscado no Brasil para atrair as empresas de menor porte é o usado nos Estados Unidos, onde cerca de 1 milhão de poços de apenas 10 barris por dia, em média, respondem por 80% da extração total de petróleo e gás natural. No Brasil, um único campo, o de Lula, na Bacia de Santos, concentra mais da metade do desempenho nacional.

A diferença de investimento entre um pequeno poço e uma área no pré-sal é mais que um abismo. Segundo Santos Júnior, só como referência, a perfuração de um poço em terra pode ficar na casa dos R$ 3 milhões a R$ 5 milhões, enquanto no pré-sal isso pode ultrapassar os R$ 800 milhões.

As pequenas petroleiras vendem sua produção para refinarias independentes, consumidores industriais que utilizam o produto em fornos e para a própria Petrobrás. E garantem que, apesar do tamanho diminuto da operação, o negócio é lucrativo.