O globo, n.31423, 19/08/2019. Artigos, p. 02

 

Carta garante independência ao Ministério Público

19/08/2019

 

 

Cabe ao presidente fazer indicações para postos-chave na cúpula do Judiciário e, no Ministério Público, o do procurador-geral da República (PGR). Para diluir o poder do chefe do Executivo, nomes que recebem o aval do presidente são submetidos ao Congresso. Cumpre-se, dessa forma, o pressuposto republicano de não haver poder absoluto, estando todos sob o sistema de freios e contrapesos.

Além disso, cargos preenchidos têm blindagens legais para garantir a independência com a qual essas instituições funcionam, conforme estabelecido na Constituição.

O modelo é aplicado nas democracias modernas, e funciona. Sem impedir que haja choques, inerentes à democracia, que tem seus mecanismos para mediar divergências. O presidente Jair Bolsonaro, devido ao perfil autoritário, é um teste para este sistema.

Bolsonaro já reclamou da Justiça e também do Congresso, por impedi-lo de alterar lei aprovada pelo Legislativo —o Estatuto do Desarmamento — , baixando decretos presidenciais. Recuou e remeteu projeto de lei aos parlamentares. É um processo educativo para homens públicos autoritários.

No momento, Bolsonaro se prepara para indicar o novo procurador-geral da República, que tem prerrogativa de encaminhar denúncia ao Supremo contra o próprio presidente, parlamentares federais, ministros etc. O Ministério Público, nos termos da Constituição, defende “a ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Com “independência funcional”. Não tem, portanto, qualquer subordinação ao Executivo, Judiciário e Legislativo. É a materialização do oposto do que Bolsonaro gostaria que fosse a organização do Estado.

Enquanto faz contatos com candidatos a substituir Raquel Dodge, traça o perfil do procurador ideal: sem estrelismo; sem ser "xiita" nas questões do meio ambiente, das minorias, dando o exemplo da proteção ao índio.

Além de serem critérios vagos, o presidente parece desejar um servidor do Executivo.

Se for assim, precisará de alguém muito afinado com ele. Fernando Henrique Cardoso escolheu Geraldo Brindeiro, tão fiel ao presidente que a oposição maldosamente o apelidou de "engavetador-geral da República".

Não livrou FH de todos os dissabores, porque qualquer procurador tem prerrogativas para encaminhar denúncias. E isso aconteceu no período tucano. De lá para cá o MP se fortaleceu e a instituição ganhou espaços, não só devido à Lava-Jato.

Procuradores são atuantes, por exemplo, em questões ambientais e referentes a minorias, como os índios, não por acaso citados por Bolsonaro. Por mais próximo dele que venha a ser o novo procurador, é seguro que há à frente muito espaço para desentendimentos entre o governo Bolsonaro e o MP. Mas nada que as instituições não possam administrar.