O Estado de São Paulo, n. 46076, 12/12/2019. Economia, p. B7

 

Câmara aprova texto-base do saneamento

Amanda Pupo

Anne Warth

12/12/2019

 

 

Proposta abre espaço para a iniciativa privada atuar com mais força no setor; governo espera investimentos de R$ 600 bi a R$ 700 bi

Placar. Texto foi aprovado na Camara dos Deputados por 276 votos a favor e 124 contra

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na noite de ontem, o texto-base do novo marco legal de saneamento básico. A proposta abre espaço para a iniciativa privada atuar com mais força na exploração do setor e institui o regime de licitações aos municípios para a escolha das empresas que prestarão serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto.

Ainda falta apreciar 11 destaques (sugestões de alterações), que podem modificar o texto final, antes que ele siga para o Senado. O placar da votação do texto-base foi de 276 votos a 124. O governo federal estima que a universalização dos serviços de saneamento deve envolver investimentos de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões.

O abastecimento de água está mais próximo desse objetivo: chegou a 169,1 milhões de habitantes, o que equivale a 83,6% da população do País. Já a rede atual de esgoto está mais distante da meta. Ela atende a 105,5 milhões de pessoas, 53,2% da população, e somente 46,3% de todo o esgoto produzido é efetivamente tratado.

Estudos apontam que a universalização de serviços de água e esgoto são fundamentais para a melhoria da saúde pública. Diversas doenças estão associadas ao consumo de água imprópria. Investimentos nesse setor podem diminuir as internações e a mortalidade infantil.

Em um aceno aos Estados, os deputados acolheram pedido para dar sobrevida aos contratos de programa – fechados sem licitação e usados normalmente entre municípios e companhias públicas de saneamento, controladas por governos estaduais. Pela legislação anterior, as estatais que fossem privatizadas perdiam automaticamente os contratos, justamente o ativo mais valioso para o mercado.

Pelo texto-base, os contratos de programa atuais e os que já venceram poderão ser renovados por até mais 30 anos, desde que o processo ocorra até março de 2022. A medida tem o potencial de aumentar o valor de mercado das companhias estatais, o que elevaria a arrecadação dos Estados quando as empresas forem privatizadas. Hoje, o setor privado de serviços de saneamento está em apenas 6% dos municípios.

Metas. Apesar de ter cedido ao apelo das empresas estaduais, o relator da proposta, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), impôs a todo o setor metas de universalização. Até 2033, elas terão de garantir o atendimento de água potável a 99% da população e o de coleta e tratamento de esgoto a 90%. Quem ainda não possui metas terá de incluí-las, por aditivo, até março de 2022, e se não o fizerem, correm risco de ter o contrato encerrado.

Durante a votação, o relator fez uma manobra para que o Senado não seja mais a Casa que dará a última palavra sobre o projeto, e sim a Câmara. Como a principal proposta sobre o tema veio dos senadores, o projeto de lei aprovado pela Câmara precisaria ser revisto no Senado. E se os senadores fizerem mudanças no texto aprovado pelos deputados, o projeto seguiria para a sanção presidencial em seguida.

Ocorre que, na Câmara, além do projeto de autoria do Senado, outras propostas também foram analisadas (apensadas) em comissão especial. Uma delas foi o projeto apresentado pelo Executivo na Câmara, em agosto. Na prática, as emendas do DEM e do PP deram, ao texto do Executivo, o mesmo teor do relatório de Zuliani.

Assim, será possível encaminhar ao Senado apenas o projeto do Executivo. Dessa forma, driblando o texto do Senado, a Câmara passa a ser a protagonista da proposta, dando a palavra final sobre o projeto.

Nos bastidores, a justificativa para essa manobra é o temor de que os senadores “desidratem” o texto de Zuliani para favorecer as companhias estaduais de saneamento. Por outro lado, há quem considere a estratégia arriscada, porque poderia intensificar a disputa por protagonismo que ronda as duas Casas. Deputados envolvidos na discussão afirmaram reservadamente que a estratégia já foi comunicada a senadores.

Realidade

83,6%

da população do País é abastecida com água potável

53,2%

da população é atendida por rede de esgoto e, apenas, 46,3% de todo o esgoto é tratado

NOVO MARCO LEGAL

- Licitação

Novo marco prevê que municípios e companhias de saneamento não podem mais fazer novos contratos de programa, fechados sem concorrência. As prefeituras precisarão abrir licitações para delegar os serviços de saneamento, o que abre espaço para uma entrada mais forte da iniciativa privada no setor

- Metas

Os contratos terão de prever metas de universalização até 2033. Ou seja, garantir os serviços de saneamento (abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana e redução e reciclagem de lixo) para quase a totalidade da população. Se os contratos atuais não tiverem essas metas, precisarão ser adequados até março de 2022 para incluí-las. Caso não cumpram essas determinações, os contratos podem ser extintos

- Prorrogação

Até março de 2022. os contratos vigentes e vencidos poderão ser renovados por até 30 anos. A janela vale para formalizar as situações de fato, ou seja, onde há prestação de serviço sem contrato. Esses contratos precisarão prever o regime de metas para universalização até 2033.

- Blocos regionais

Prevê a prestação regionalizada de saneamento, que são blocos de cidades criados pelos Estados para unificar a prestação dos serviços. A ideia é juntar municípios atrativos economicamente para a iniciativa privada com aqueles que não são. Se o Estado não aprovar a criação do bloco em um ano, quem deverá realizar esse processo é a União.