O globo, n.31423, 19/08/2019. País, p. 09

 

Em Barretos, Bolsonaro faz oração e monta no 'Mito'

Leo Branco 

19/08/2019

 

 

Na festa de Peão Boiadeiro de Barretos, em São Paulo, o maior rodeio do país, a tradição manda: no último dia de competições, os peões campeões de suas categorias devem circular pela arena montados em seus cavalos. Aplaudido, diante de uma plateia de 30 mil pessoas, o presidente Jair Bolsonaro seguiu para a festa depois de visitar obras de um hospital da cidade e participar do típico jantar da queima do alho. Passava das 21h30m quando ele desceu do palco onde havia assinado decreto para flexibilizar as regras de rodeios e foi para a arena.

De camisa branca e calça jeans, deu duas voltas galopando o “Mito”, um cavalo da raça quarto de milha, a mais rápida do mundo —alguns alcançam 80 quilômetros por hora. Este é o quarto ano consecutivo em que Bolsonaro põe os pés na arena de Barretos, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer em 1985.

Neste ano, na condição de presidente da República, ele foi agradecer pelo apoio recebido na campanha do ano passado. E retribuir: justamente com o decreto presidencial que torna sem efeito leis aprovadas por vereadores de diferentes cidades que impedem a prática, sob alegação de maus-tratos a animais. Em Barretos, uma lei municipal proíbe, desde 2006, atividades como a Prova do Laço.

Com o decreto, tanto Barretos quanto outras cidades passam a ter autorização para esse tipo de prática. Além disso, a fiscalização das regras que vão garantir o bem-estar e as condições sanitárias dos animais que participam de rodeios ficará sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura. Outra modalidade, chamada de bulldog, também passa a ser permitida. Nela, novilhos podem ser imobilizados durante a apresentação dos rodeios.

—Neste momento em que muitos criticam a festa de peões e a vaquejada, quero dizer com muito orgulho, estou com vocês. Não existe politicamente correto. Existe o que precisa ser feito —disse.

No palco, ao lado de autoridades e representantes da festa, Bolsonaro fechou os olhos no momento da oração. Rezou um Pai Nosso junto do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), e de Ricardo da Rocha, presidente do Independentes, grupo organizador da Festa de Peão de Barretos. Depois, saudou o público fazendo com as mãos o gesto de como se estivesse apontando uma arma.

—A gente faz um desafio: pode trazer qualquer ONG aqui para Barretos pra assistir o rodeio. Temos mais de 100 veterinários. Na hora em que o animal entra, ele é inspecionado. Fazemos tudo dentro da lei —diz Rocha.

Aos berros, o locutor de rodeios Cuiabanno Lima clamava a plateia a aplaudir “o simplão da República”, que, segundo ele, estava ali para provar que não é “um presidente Vaselina”. Ou seja, em suas palavras, estava de fato comprometido com as causas dos apoiadores de rodeios e vaquejadas.

A plateia respondeu acendendo a luz dos celulares e, braços ao alto em homenagem ao presidente, entoou refrãos de ‘Vai valer a pena”, sucesso gospel da banda de rock cristão Livres para Adorar. Diz um dos trechos da canção: “Não compreendo os Teus caminhos, mas Te darei a minha canção”.

A festa seguiu adiante, e Bolsonaro recebeu de presente duas grandes fivelas pretas, típicas da vestimenta de quem compete por ali. Quem entregou foi a rainha da festa em 2019, Larissa Ferreira, acompanhada da princesa, Jhennyffer Pyetra, que, por sua vez, entregou um chapéu branco tradicional.

Na caixa de som, ambientando a arena, “Shallow”, hit de Lady Gaga e Bradley Cooper. A trilha sonora da noite contou ainda com uma versão do Hino Nacional executado por Gaby Violeira, jovem de 29 anos tida como uma das expoentes femininas do ressurgimento da moda de viola em novas gerações.

Mais cedo, por volta das 19h, Bolsonaro vistoriou reformas recentes no Hospital de Amor, um dos centros de referência no tratamento do câncer no país, em Barretos. Na porta de uma das alas do hospital, cerca de 200 pessoas aguardaram o presidente, que, ao chegar, foi recebido com gritos de “mito”.

Um homem, contudo, xingou o presidente e fez referência à suposta relação da família Bolsonaro com representantes de milícias. A reação foi imediata. “Volta para a Venezuela”, gritavam os apoiadores do presidente, enquanto o rapaz deixava o local.