Título: Tortura não tem perdão
Autor: Sakkis, Ariadne
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2012, Cidades, p. 41
Esse é o nome do ato organizado por amigos e ex-colegas em homenagem a Honestino Guimarães, Paulo de Tarso Celestino e Ieda Delgado, desaparecidos na ditadura. O encontro será amanhã na UnB
ARIADNE SAKKIS
A memória talvez seja a única ferramenta que o presente tem para emendar os enganos do passado. Serve como alerta para que novos atentados aos direitos e às liberdades civis não sejam tolerados. A lembrança é uma engrenagem da justiça e uma pressão sobre o sigilo. Para quem perdeu alguém ou sobreviveu à ditadura militar no Brasil (1964-1985), esquecer a história simplesmente não é uma opção. Eles ainda lutam para conseguir que os acusados de torturar e assassinar opositores ao regime recebam a devida punição. Inclusive aqueles que deram fim à vida de Honestino Guimarães, de Paulo de Tarso Celestino e de Ieda Delgado, todos estudantes da Universidade de Brasília (UnB) e militantes da resistência desaparecidos entre 1971 e 1974.
Amanhã, às 8h30, o auditório da Reitoria da UnB receberá uma homenagem aos três, organizada por contemporâneos e amigos. Eles formam o Coletivo da Oca ao Centro Olímpico — nome dado em referência ao alojamento estudantil feito em madeira, apelidado de “oca”. Mais do que relembrar a história do trio, o grupo fará novo apelo para que o país puna os algozes de quem lutou contra o governo militar. “O Honestino, a Ieda e o Paulo são simbólicos, mas o ato serve também para homenagear os sobreviventes e reafirmar que o torturador não tem perdão e esse crime não prescreve”, explica o físico Álvaro Lins, 63 anos, amigo e ex-colega de UnB de Honestino.
Por esse ideal, o ato foi batizado de “Tortura não tem perdão”. A ideia de fazer a cerimônia surgiu depois de um encontro entre Álvaro e Aldir Nunes, companheiro de militância, no início do ano, no Maranhão. Havia 25 anos que os dois não se viam. Da última vez, ambos viviam na clandestinidade para driblar os órgãos repressores. Por morarem em cidades diferentes, as redes sociais ajudaram na organização do ato. Participantes devem vir de São Paulo, Minas Gerais e Goiás para prestigiar o evento.
Biografia
Betty Almeida, 64 anos, é química, mas a história de vida fez dela também escritora. Ela estava na UnB no turbulento ano de 1968, ano em que a universidade acabou tomada de assalto por militares (veja ilustração). Em breve, ela deve lançar uma biografia de Honestino, com quem nutriu amizade próxima nos tempos da UnB. Betty também conheceu a família e a rotina da casa de Ieda Delgado, carioca que estudava direito na universidade. A pesquisa sobre a vida dos três homenageados é minuciosa. “Há poucas fotos do Paulo de Tarso porque ele se preparou para a militância e queimou todas as que ele tinha. Arrancou também as unhas do pé”, conta.
A homenagem quer também envolver os novos alunos sobre o que o regime militar significou para a UnB. “Pegue o exemplo de Anísio Teixeira (educador e ex-reitor da UnB). Um belo dia, ele é chamado para depor e, na sequência, o encontram caído em um fosso de elevador. Isso mostra a violência do governo e como eles atuavam”, avalia o arquiteto Eustáquio José Ferreira Santos, 68 anos, aluno da UnB entre 1965 e 1971. A organização do evento de amanhã também contou com a participação de Fábio Borges da Silva, presidente da Associação de Pós-Graduandos Ieda Delgado. Mateus Guimarães, sobrinho de Honestino, elogiou a iniciativa. “Quanto mais apoio e manifestações de entidades da sociedade para que a verdade seja revelada, mais força a gente tem para que os fatos sejam revelados. Mais forte fica a Comissão da Verdade e da UnB”, avalia.
Mostra de cinema
O direito à memória e à verdade, o combate à tortura e a atenção à população em situação de rua são o mote da 7ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, que começou ontem e segue até 20 de dezembro. Ao todo, serão exibidos 37 filmes em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal. A entrada é gratuita. O homenageado deste ano é o documentarista Eduardo Coutinho, que completa 80 anos em 2013 e tem no currículo diversos longas com foco nos direitos humanos, a exemplo do clássico Cabra marcado para morrer (1984). No DF, o evento realizado pela Secretaria de Direitos Humanos ocorreu no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).