O Estado de São Paulo, n. 46078, 14/12/2019. Política, p. A8

 

Proposta de indulto exclui policiais

Breno Pires

14/12/2019

 

 

Conselho do Ministério da Justiça contraria promessa de Bolsonaro e não inclui perdão de pena para categoria; presidente vai analisar texto

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), vinculado ao Ministério da Justiça, contrariou uma promessa do presidente Jair Bolsonaro e elaborou proposta para o indulto natalino deste ano sem incluir o perdão da pena a policiais presos. O texto que prevê os critérios para condenados deixarem a cadeia deverá ser enviado na semana que vem ao Palácio do Planalto, que poderá alterá-lo.

Em agosto, Bolsonaro afirmou que o próximo indulto de Natal teria “nomes surpreendentes” e que pretendia beneficiar policiais condenados por “pressão da mídia”. Citou como exemplo agentes envolvidos no sequestro do ônibus 174, no Rio, e nos massacres do Carandiru, em São Paulo, e de Eldorado do Carajás, no Pará. Apenas neste último houve condenação definitiva. “Tem muito policial no Brasil que foi condenado por pressão da mídia. E esse pessoal no final do ano, se Deus me permitir e eu estando vivo, vai ser indultado”, disse.

A Constituição concede ao presidente da República a prerrogativa de conceder o perdão em favor de pessoas condenadas, desde que preenchidas determinadas condições previamente estabelecidas. Estes critérios são definidos anualmente e publicados em decreto, geralmente no dia 25 de dezembro – daí o motivo de ser chamado de “natalino”. O indulto não pode ser dirigido a pessoas específicas, mas, sim, a todos os condenados que, na data da publicação, atendam aos requisitos.

O conselho responsável por elaborar a proposta é formado por especialistas na área criminal e tem a incumbência de dar o ponto de partida na discussão. A palavra final é sempre do presidente da República.

A proposta do conselho abrange apenas presos em condições graves de saúde, a exemplo do indulto concedido por Bolsonaro em fevereiro deste ano. Na ocasião, foram beneficiados detentos com doenças como câncer, aids e que adquiriram deficiências físicas após terem cometido o crime.

O texto aprovado pelo colegiado será analisado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, antes de ser encaminhado a Bolsonaro.

“O conselho aprovou, por maioria, proposta de indulto basicamente de natureza humanitária”, afirmou ao Estado o desembargador Cesar Mecchi Morales, presidente do CNPCP.

Ministros palacianos consultados pela reportagem afirmaram que os termos do indulto deste ano ainda não foram discutidos com Bolsonaro.

Especialistas, porém, disseram que o presidente terá entraves legais caso queira beneficiar policiais condenados nas regras do decreto. De acordo com eles, uma alternativa seria a chamada graça, instrumento legal semelhante ao indulto, mas aplicado caso a caso.

“Ele (Bolsonaro) não tem como decretar o indulto para um número restrito de pessoas que queira beneficiar, por exemplo, policiais. Tem que ter requisitos objetivos. Se a pessoa se enquadrar, vai ser beneficiada”, afirmou Diogo Mentor, coordenador de Direito Penal da Escola Superior de Advocacia da OAB-RJ.

Tanto a graça quanto o indulto, porém, são vedados a condenados por crimes hediondos, como tortura e homicídios cometidos por grupos de extermínio. “O problema (para beneficiar policiais) vai ser muito mais o tipo de crime que cometeram, porque, se for um que está na lei de crimes hediondos, é vedada a concessão do perdão”, disse Raquel Scalcon, professora de Direito Penal da FGV de São Paulo. “Talvez ele não tenha a liberdade que imagine.”

Excludente. Além de prometer o perdão aos policiais condenados, Bolsonaro tenta levar adiante outra medida para favorecer os integrantes da categoria envolvidos em crimes. O presidente enviou ao Congresso no mês passado uma proposta que isenta de punição o agente de segurança que matar durante o serviço, a chamada excludente de ilicitude. O projeto, porém, enfrenta resistência de parlamentares, que consideram a excludente de ilicitude a policiais uma “licença para matar”.

Corruptos. O indulto virou tema de polêmica em 2017, quando o então presidente Michel Temer incluiu corrupção na lista de crimes que poderiam ser perdoados. O decreto foi visto na época como uma tentativa de beneficiar alvos da Lava Jato. Diante da reação contrária à medida, a ministra Cármen Lúcia, que presidia o Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu sua validade.

No ano seguinte, Temer decidiu não conceder o benefício a ninguém, o que também foi criticado por entidades de direitos humanos e órgãos do sistema penitenciário. O perdão a condenados que não representem risco à sociedade é uma forma de reduzir a superlotação nos presídios. Posteriormente, em maio deste ano, a medida foi considerada legal pela maioria da Corte. O entendimento foi de que a medida, por ser um ato privativo do presidente, não poderia ser barrada pela Justiça.

Liberado pelo Supremo, o decreto de Temer resultou no fim da pena a condenados na Lava Jato, como o ex-diretor da Petrobrás Jorge Zelada, o ex-senador Gim Argello e o ex-deputado Luiz Argôlo.

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'Outras acusações virão', diz Bolsonaro sobre caso Marielle

Mateus Vargas

Emilly Behnke

14/12/2019

 

 

Presidente fala sem ser questionado sobre o episódio, e sugere haver ‘armações’ para implicar seu nome

Sem ser questionado sobre o assunto, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar ontem das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista Anderson Gomes, em março de 2018. “No caso Marielle, outras acusações virão. Armações, vocês sabem de quem”, disse Bolsonaro, sem citar nomes. “Mas a gente tem um compromisso, mudar o destino do Brasil”, emendou.

A declaração foi feita em frente ao Alvorada, onde Bolsonaro costuma parar para conversar com apoiadores. Ele falava sobre o governo estar apresentando bons resultados, “apesar de grande parte da imprensa”.

Bolsonaro, no entanto, já atribuiu mais de uma vez ao governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), a tentativa de vinculá-lo ao caso Marielle, mas nunca apresentou evidências. No fim de outubro, o presidente acusou o governador de atuar pessoalmente para que informações do inquérito fossem vazadas para a imprensa, como forma de se credenciar para a disputa à Presidência em 2022.

“Por que essa sede de poder, seu governador Witzel? O senhor quer destruir a minha família para chegar à Presidência da República?” disse ele, durante uma transmissão ao vivo feita nas redes sociais.

Poucas horas antes, reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, revelava o conteúdo do depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, no Rio, onde Bolsonaro e um dos acusados do crime, Ronnie Lessa, têm casa. Ele afirmou que, no dia do duplo assassinato, um homem chamado Elcio (que seria Elcio Queiroz, outro acusado do crime) chegou ao condomínio e anunciou que iria à casa 58, onde morava Bolsonaro.

O porteiro relatou que ligou para a casa 58, e que “seu Jair” atendeu e autorizou a entrada. Bolsonaro, porém, era deputado na época e estava em Brasília naquele dia, segundo os registros da Câmara.

Cinco dias depois, Bolsonaro voltou a acusar Witzel de manipular as informações do inquérito para implicá-lo no crime. “(Witzel) Não podia ter acesso a um processo em segredo de Justiça. Mais do que isso, né? A minha convicção é de que ele agiu no processo para botar meu nome lá dentro”, afirmou Bolsonaro em uma concessionária de Brasília, onde foi buscar uma moto que comprou.

No dia 19 de novembro, o porteiro depôs novamente, desta vez no inquérito aberto pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, para apurar “tentativa de envolvimento indevido” do presidente da República no episódio, e mudou de versão. Ele afirmou acreditar que lançou o número errado da casa no registro de entrada e saída do condomínio.

Dois dias depois, no lançamento do Aliança pelo Brasil – partido que deseja criar – Bolsonaro afirmou: “(Witzel) tenta destruir quem está do meu lado usando a Polícia Civil do Rio”.

Em nota divulgada no fim de outubro, o governador do Rio lamentou a manifestação do presidente e disse que foi atacado injustamente. “Jamais houve qualquer tipo de interferência política nas investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia Civil”, disse Witzel. “Não transitamos no terreno da ilegalidade, não compactuo com vazamentos à imprensa. Não farei como fizeram comigo, prejulgar e condenar sem provas. Fui atacado injustamente.”

PARA LEMBRAR

Crime ocorreu há 640 dias

Em 14 de março de 2018, o carro em que Marielle Franco (PSOL) e Anderson Gomes estavam foi alvejado por centenas de tiros. O crime completa hoje 640 dias. Foram presos o PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Queiroz, acusados de serem os executores, mas a identidade do mandante permanece desconhecida.