O globo, n.31422, 18/08/2019. País, p. 09

 

Em busca de privacidade, presidente se refugia no closet do Alvorada 

Natália Portinari 

Naira Trindade 

18/08/2019

 

 

No Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro criou uma solução inventiva para receber os amigos em sua intimidade, sem o incômodo de ajudantes de ordens e integrantes do cerimonial interrompendo suas conversas: instalou uma escrivaninha dentro do closet de seu quarto. O ex-deputado Alberto Fraga, amigo de Bolsonaro desde os anos 1980, quando eram colegas na Escola de Educação Física do Exército, foi visitá-lo no local no último domingo. Ele vê a instalação como sintoma da solidão imposta pelo poder.

—Estava sozinho, completamente sozinho. Eu disse a ele que ele precisava chamar mais gente, chamar mais amigos no fim de semana —conta. Na escrivaninha, instalada no meio do closet, Bolsonaro deixa papéis e anotações diárias. O presidente já declarou repetidas vezes que não tem o hábito de ler livros. Naquele espaço grande, em meio às roupas bem organizadas, passa horas a fio nas redes sociais.

Homem de hábitos simples, o presidente tem tentado dispensar o luxo do Palácio da Alvorada. Mesmo com a mesa de jantar servida na copa, já chegou a pegar os pratos e levar para a cozinha para jantar na mesa que os funcionários usam. Ele diz que se sente mais à vontade no local. Quando recebeu a visita de lutadores de jiu-jítsu no Alvorada para um café da manhã, fez questão de se levantar e ir à cozinha buscar a equipe de cozinheiros para que os atletas pudessem agradecer o lanche aos profissionais.

—É o jeito dele, não é populismo para fazer marketing. Ele faz naturalmente —diz o ex-deputado federal Alberto Fraga. Nem todos os mais chegados foram convidados para um encontro no espaço reservado do closet. O senador Major Olímpio (PSLSP), apoiador de primeira ordem do presidente, por exemplo, ficou de fora.

—Não estou sabendo, mas não vou entrar em armário nenhum. Ele e o Fraga são amigos lá da Escola do Exército. Isso não é hétero —brinca.

O senador também vê Bolsonaro como um líder solitário:

—Ele é e continua sendo um cara muito simples. Antes, não estava acostumado com esse assédio a quem está no poder. Muito pelo contrário, ele era do baixo clero. Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro diz que se sente como um “prisioneiro sem tornozeleira eletrônica”. Não é muito afeito a contemplar as obras de arte que permeiam o local, como “Fachada com oval”, de Alfredo Volpi, estimada em R$ 4 milhões.

Em março, disse a jornalistas que “viver no Alvorada é chato” e que é preciso percorrer 30 metros para chegar ao banheiro em sua casa. Apesar do hábito de se instalar no closet, publicamente Bolsonaro tem negado o chavão da “solidão no poder” sempre que confrontado com a ideia. Em julho, em um evento com evangélicos em Brasília, ele comentou que “talvez todos que me antecederam” falaram em solidão nas primeiras semanas na Presidência.

—Acredito que essa solidão do poder venha por dois motivos. O primeiro, pelo descompromisso da lealdade ao povo brasileiro. E o segundo, pelo afastamento do nosso criador —afirmou, em referência religiosa. Para Carlos Manato, exsecretário da Casa Civil e ex-deputado federal, Bolsonaro parece não gostar da liturgia do cargo. Os dois conviveram durante a campanha no ano passado, quando Manato se candidatou a governador do Espírito Santo pelo PSL.

—Eu acho que ele deve ter dificuldade (com a formalidade do poder). As pessoas querem fazer as coisas e ele quebra o protocolo. Deve chegar em casa e querer fazer um misto quente, em vez de esperar alguém fazer um jantar.

INCÔMODO COM ALVORADA

A opinião é embasada na experiência. O presidente dormiu três vezes na casa de Manato, em Vitória. O aliado lembra que, diante de uma mesa feita de café da manhã, o presidente pegava seu copo de café e ia bater papo de pé, na mesa da cozinha.

Em outro episódio, que mostraria os “hábitos simples” de Bolsonaro, Manato conta que quis passar a camisa do então candidato a presidente, mas ele não deixou. Foi preciso pegar a roupa escondida para levar à lavanderia.

Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor de Mello já se queixaram da solidão no poder. José Sarney, por outro lado, rejeitava o clichê, assim como Bolsonaro. Dizia que é preciso se cercar de amigos para tomar decisões conjuntas. Sarney também compartilha com o atual presidente certo desconforto com o Palácio do Alvorada. Reclamava do calor e se mudou de lá durante seu mandato.

Desde aquela época, porém, a residência oficial foi reformada diversas vezes. Michel Temer seguiu a mesma linha: chegou a referir-se ao local como “frio e impessoal demais”, e concordou com a comparação do imóvel ao hotel mal-assombrado do filme “O iluminado”, de Stanley Kubrick. Ficou poucos dias no local e decidiu voltar ao Palácio do Jaburu, onde viveu seis anos como vice de Dilma Rousseff.

A presidente petista também não era afeita a grandes encontros em sua casa. Em seus dias finais no Alvorada, só mesmo os mais íntimos, como a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, apareciam por lá.