O globo, n.31422, 18/08/2019. Economia, p. 39

 

Amazônia perde mais de R$ 1 bi com imposto rural 

Renata Vieira 

18/08/2019

 

 

Municípios da Amazônia poderiam arrecadar até seis vezes mais impostos sobre propriedades rurais se o preço de mercado das terras da região fosse levado em conta para calcular a cobrança. É o que estima um estudo inédito do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Atualmente, o Imposto Territorial Rural (ITR) —uma espécie de IPTU do campo — gera cerca de R$ 240 milhões ao ano nos nove estados da Amazônia Legal. O montante poderia chegar a R$ 1,5 bilhão nessa área, o mesmo valor arrecadado hoje no país inteiro com esse tributo.

A estimativa leva em conta que, em 2003, uma emenda constitucional permitiu que 100% desse imposto, que é federal, fosse repassado aos municípios. A antiga demanda de prefeitos foi concretizada em 2009 a partir de convênios entre cidades interessadas e a Receita Federal. Para receber o repasse do ITR, prefeituras se comprometem a atualizar a base de cálculo das propriedades (o chamado valor da terra nua), historicamente defasadas, e a apertar a fiscalização.

FONTE PARA INVESTIMENTOS

De lá para cá, em todo o país, 1.860 municípios aderiram ao convênio, fazendo a arrecadação do ITR triplicar na última década, de R$ 475 milhões em 2009 para R$ 1,5 bilhão em 2018. Apesar dos benefícios, apenas 291 prefeituras da Amazônia Legal ,38% do total, aderiram a programa da Receita. De acordo com os pesquisadores do Imazon, uma cobrança mais justado ITR poderias e torna ruma fonte importante de receitas par acidades da região e, ao mesmo tempo, ajudara barrar dois vetores crônicos de desmatamento na região: a especulação imobiliária e a grilagem de terra.

— A arrecadação eficaz do ITR poderia ter um efeito amplo no desenvolvimento local. Ao incentivar uso mais produtivo da terra, estimularia o aumento de produção e renda, empregos e impostos para governos locais —diz Paulo Barreto, pesquisador do Imazon responsável pelo estudo. Na contramão dos estados vizinhos, o Mato Grosso se destaca pela alta adesão ao convênio da Receita: 93% dos municípios. A arrecadação do ITR no estado cresceu nove vezes entre 2007 e 2017, somando R$ 160 milhões. No mesmo período, o Pará, arrecadou apenas R$ 30 milhões. A principal alavanca de arrecadação no Mato Grosso foi a atualização do valor da terra nua. Segundo o Imazon, o valor-base da terra para o ITR no Mato Grosso ainda representa só 22% da média do valor de mercado. Apesar da discrepância, o percentual é o dobro doques e verifica entre os municípios de estados que não aderiram: média de 11%. Em Itaúba, no norte matogrossense, a arrecadação saltou de R$ 800 mil para R$ 1,3 milhão entre 2014 e 2018 coma revisão do ITR, diz o prefeito Valcir Donato (PV): —O valor ainda está defasado, mas temos atualizado todos os anos. Num primeiro momento, a ideia gerou resistência entre os produtores, mas eles passaram a ver que esse dinheiro vira investimento para o município, ainda mais um pequeno como o nosso. A atualização do ITR enfrenta resistências de proprietários rurais. Representantes do setor argumentam que o ITR é um tributo parafiscal, sem viés arrecadatório, para combater latifúndios improdutivos. Pela lei, propriedade que não produz nada paga, ao ano, 25% do valor da terra em impostos. Para Renato Conchon, coordenador do núcleo econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a arrecadação deveria cair com o crescimento da produtividade das terras:

— A discussão se acalorou por conta da crise fiscal nos estados, mas não é por meio do ITR, como estão querendo colocar, que isso será resolvido. Segundo o estudo do Imazon, o ITR poderia arrecadar ainda mais se o governo federal atualizasse os índices de produtividade da terra, uma das bases de cálculo do imposto. Desde 1985, esses índices estão congelados. Mesmo áreas pouco produtivas atingem o grau mínimo de utilização exigido, pagando pouco imposto. Conchon argumenta que o valor de mercado de uma propriedade é diferente do da terra nua, que não considera benfeitorias feitas ao longo do tempo, e que o ganho de capital é tributado pelo imposto de renda em transações de compra e venda. Para o Imazon, a situação configura uma isenção fiscal irregular:  Ajustes rápidos na arrecadação do ITR seriam possíveis se prefeitos se esforçassem para atualizar o valor da terra de acordo com valores de mercado, mas isso só não acontece por que muitos dirigentes municipais fazem parte do lobby ruralista, que atua em causa própria—diz Rita Pereira,pesquisa dorado Imazon.