Correio braziliense, n. 20524, 31/07/2019. Economia, p. 8

 

Entrevista - Murilo Portugal: "Bancos querem juros mais baixos"

Vicente Nunes

31/07/2019

 

 

O Banco Central deve reduzir hoje a taxa básica de juros (Selic), dos atuais 6,50% para 6,25% ou mesmo para 6% ao ano, mas não há garantia de que esse recuo será repassado para os encargos cobrados pelos bancos de consumidores e empresas. Mesmo com a Selic tendo caído de 14,25% anuais desde outubro de 2016, as instituições financeiras continuam cobrando juros superiores a 300% ao ano no cheque especial e no cartão de crédito. Para o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, nesse período, o crédito ficou, sim, mais barato, mas não se pode querer que o custo do dinheiro recue na mesma proporção da Selic. Há, segundo ele, uma série de fatores que influenciam os juros bancários, e nem todos são favoráveis ao barateamento do custo do dinheiro.

Portugal diz que os bancos têm oferecido uma série de medidas ao governo no sentido de tornar empréstimos e financiamentos mais acessíveis. Na avaliação dele, a concentração no mercado — as cinco maiores instituições respondem por mais de 80% do crédito — é comparável à observada no mercado internacional e não deve ser vista como um fato nocivo. Ele ressalta, ainda, que se deve ficar contente com os lucros crescentes dos bancos, mesmo em períodos de crise. “Como toda empresa bem administrada, banco é feito para dar lucro em qualquer situação. Os clientes, os acionistas e a sociedade desejam um banco bem gerido. Os clientes querem bancos fortes, que deem segurança para o dinheiro que depositaram lá”, frisa.

Segundo o presidente da Febraban, a reforma da Previdência, apresentada como salvação da lavoura, é condição necessária, mas não suficiente para conter o crescimento da dívida pública, estimular investimentos e fazer a economia crescer de forma sustentável, com maior geração de empregos. Ele acrescenta que, passados sete meses desde a posse de Jair Bolsonaro, o governo tem mostrado empenho em cumprir sua agenda. “Desejamos todo sucesso nesses esforços para melhorar o país, e queremos contribuir com nossas propostas para reduzir os juros”, assinala. A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.

Tudo indica que o Banco Central cortará hoje a taxa básica de juros (Selic), que já está no menor nível da história: 6,50% ao ano. Por que os bancos se recusam a repassar essa queda para empresas e consumidores?

Os bancos têm repassado a queda da Selic ao consumidor. Entre outubro de 2016, quando começou o ciclo de cortes na Selic, e junho deste ano, a taxa básica de juros caiu de 14,25% para 6,50%, uma redução de 7,75 pontos percentuais. A taxa média de juros cobrada em empréstimos para pessoas físicas com recursos não subsidiados, que são os mais afetados pela Selic, caiu, em média, 21,1 pontos percentuais no mesmo período. As taxas ainda são altas, e é por isso que lançamos um livro com medidas que ajudarão a baixá-las ainda mais, o qual terá uma segunda edição em breve. A Selic não é o único componente dos juros bancários. Por isso, não pode haver proporcionalidade entre a queda da Selic e a redução da queda dos juros bancários.

Como assim?

Por exemplo, achar que, se a Selic caiu x%, os juros bancários também deveriam cair x% é como imaginar que uma queda de 45% no preço do aço levaria a uma queda de 45% no preço do carro. O aço não é o único componente do custo de um carro, assim como o custo de captação do banco, que é influenciado pela Selic, não é o único componente da taxa de juros ao consumidor. Segundo o Banco Central, nos últimos três anos, o custo de captação (o que o banco paga pelo dinheiro que usa em empréstimos) foi de 39,2% no custo final do crédito. Já o peso da inadimplência foi de 22,7%. As despesas administrativas representaram 15,2%; tributos e fundo garantidor de crédito, 13,8%; e a margem de lucro do banco, 9% do custo do crédito. Temos que atuar em todos esses componentes de custo para fazer os juros caírem mais do que já caíram

Todos os itens que os bancos apontam como justificativas para cobrarem juros tão altos não sustentam mais a cobrança de 300% de encargos ao ano no cheque especial e no cartão de crédito. A inadimplência está em queda, os tributos se mantêm no mesmo patamar. Por que taxas tão exageradas?

Essa taxa de 300%, citada sobre o cheque especial, se refere apenas à situação de alguém que entre nessa linha de crédito e fique sem pagar os juros por um ano. Nesse caso, a taxa de juros incide em todos os meses sobre os juros devidos e não pagos. É o cálculo de juros sobre juros, os chamados juros compostos. Mas essa não é a maneira pela qual as pessoas, na média, usam o cheque especial. O tempo médio de uso é de 24 dias, após os quais, quando o salário do cliente cai na conta, são debitados os juros devidos e, às vezes, o principal também. Mesmo que o cliente entre novamente no cheque especial, a taxa desse segundo mês de uso não incide sobre os juros do primeiro mês pelo fato de esses juros já terem sido pagos. Calculando o custo desse cliente usando juros simples, e não compostos, mesmo que ele use o cheque especial todos os meses do ano, chegaríamos a cerca de 153% ao ano.

Mas ainda é um nível elevado de juros...

Sim, ainda é um valor alto, que precisa ser reduzido, o que depende de várias medidas. Uma delas é retirar do cheque especial quem deveria estar utilizando outro produto mais apropriado para sua situação. O cheque especial é um credito emergencial para ser usado por curto prazo, de forma eventual. Para os clientes que não conseguem pagar mensalmente o que usaram do cheque especial, a Febraban criou, em julho do ano passado, uma autorregulação, que oferece alternativas de liquidação do saldo devedor em condições mais vantajosas para o cliente. Quando a pessoa entra no cheque especial, recebe uma comunicação sobre isso. Se ficar mais de 30 dias usando mais de 15% do saldo, recebe uma proposta para migrar para uma linha mais barata. De julho passado a junho deste ano, foram feitas 34,5 milhões de ofertas de migração do saldo do cheque especial para um produto parcelado, com juros mais vantajosos para o cliente. Nesse período, 12 milhões de migrações de saldo foram realizadas, num volume que já atingiu cerca de R$ 16,5 bilhões. A taxa média de juros paga por quem optou pela mudança caiu de 12,48% para 3,09% ao mês em junho passado.

Entra crise, sai crise, os bancos continuam lucrando como nunca. Os recentes resultados do segundo semestre mostram que, para o setor financeiro, a festa continua. Por quê?

Como toda empresa bem administrada, o banco é feito para dar lucro em qualquer situação. Os clientes, os acionistas e a sociedade desejam um banco bem gerido. Os clientes querem bancos fortes, que deem segurança para o dinheiro que depositaram lá. Quando o banco não é bem administrado e não dá lucro, não pode cuidar bem do dinheiro dos clientes, que é seu principal trabalho. Mas é um engano pensar que os bancos brasileiros são os únicos que lucraram mesmo durante a crise. Nos anos de 2015 e 2016, considerando-se apenas o caso das empresas com ações cotadas em Bolsa de Valores, felizmente 22 empresas tiveram taxas de lucro maiores do que a taxa média de lucro do setor bancário. Nós ficamos contentes com isso.

Mas a rentabilidade não é alta demais?

A rentabilidade dos bancos brasileiros está em linha com a de instituições de países emergentes, e é menor do que a lucratividade de vários outros setores econômicos no Brasil. O retorno sobre o patrimônio líquido dos cinco maiores bancos brasileiros foi de 16,2% ao ano, em média, entre 2012 e 2016, e está em linha com as taxas de lucros de grandes bancos de outros países emergentes, como o Chile (17,8%) e a África do Sul (15,2%). Na comparação com outros setores aqui no Brasil, vários estão à frente dos bancos. A posição dos bancos no ranking da lucratividade variou do 5º ao 15º lugar entre 2005 e 2017 com base em dados do Valor 1000, publicação que compara as mil maiores empresas do Brasil nos diversos setores da economia. Na frente do setor bancário ficaram setores como mineração, veículos, bebidas e fumo, comércio atacadista e metalurgia e siderurgia. As grandes empresas desses setores têm rentabilidade igual ou superior à dos bancos, e não há razão para criticá-las por isso. Ao contrário, devemos comemorar. São empresas que geram empregos, investimentos e riqueza para o país.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, por diversas vezes, disse que é inaceitável que quatro ou cinco bancos dominem o mercado, impondo custos elevadíssimos ao país. Essa concentração facilita a vida dos bancos? Por quê?

A concentração bancária responde a circunstâncias técnicas do setor, e não existe só no Brasil, se dá também em outros países. Os bancos são empresas que precisam de muito capital para operar, as chamadas empresas intensivas em capital. Para proteger o dinheiro dos depositantes e serem fortes nas crises, os bancos precisam ter muito capital, e o BC estabelece exigências de um capital mínimo para as instituições. Os setores que são intensivos em capital, como os bancos, tendem a ser concentrados em qualquer país. Concentração não é a mesma coisa que competição, que é o que interessa ao consumidor. Os bancos são favoráveis à maior competição, que estimula a eficiência e a produtividade. As medidas que defendemos para reduzir o custo do crédito vão retirar obstáculos que desestimulam novas empresas de entrarem no mercado, que atrapalham não só os bancos já atuantes como a entrada de novos competidores. Temos conversado sobre isso com a equipe econômica do governo, e o tom das conversas tem sido sempre da maior cordialidade.

De qualquer forma, a concentração bancária no Brasil é alta.

Na avaliação do Banco Mundial, em comparação com a situação global, a concentração do setor no Brasil é moderada. Estudo feito pela consultoria Accenture mostrou que o grau de concentração dos bancos brasileiros está alinhado com alguns dos emergentes e é menor que o de países desenvolvidos. Numa amostra com outros doze países, o Brasil fica em quinto lugar em concentração no mercado de crédito, atrás de África do Sul, Austrália, Chile e México. Também é importante lembrar que, no Brasil, a concentração bancária é fortemente influenciada pelos bancos públicos, que representam 50% do mercado de credito no Brasil, e, por muito tempo, as instituições estatais tiveram condições especiais para operar com determinadas linhas de crédito.

Quando veremos mais atores no mercado de crédito? Mesmo os grandes bancos estrangeiros não conseguem quebrar o oligopólio existente hoje.

Além da competição que existe entre os bancos, que se vê nos investimentos em tecnologia e em iniciativas para atrair os clientes, o mercado de crédito no Brasil é heterogêneo e diversificado. Em algumas linhas, dispõe de um número grande de competidores. A razão da desistência de muitos potenciais competidores e de alguns que já estavam operando aqui e resolveram deixar o mercado é exatamente a dificuldade e o custo de fazer negócios no Brasil. Esperamos que a reforma no ambiente de crédito que propomos facilite a concessão de empréstimos no Brasil, atraindo mais competidores.

Até quando os bancos vão aceitar o papel de vilão? Como fazer para os juros caírem no Brasil?

Os bancos nunca aceitaram esse papel. Gastam R$ 20 bilhões anuais em tecnologia da informação para facilitar a vida dos clientes, promovem a diversidade de seu quadro funcional, protegem a poupança popular, adotam ações de sustentabilidade, monitorando empréstimos para a economia verde, e buscam maneiras de reduzir o custo do crédito. No ano passado, lançamos um livro com propostas para reduzir os juros no Brasil, e acreditamos que o país pode aproveitar esse momento de reformas para avançar nessa agenda.

Os brasileiros são acomodados? Preferem pagar caro por serviços bancários a se movimentarem em busca de opções mais baratas, como cooperativas de crédito e fintechs?

Os brasileiros sabem o valor do dinheiro e o quanto lhes custa para ganhá-lo. Sabem também que, muitas vezes, o barato sai caro. Por isso, na hora de buscar em quem confiar para cuidar de seu dinheiro, procuram bancos fortes, com reputação no mercado, e tradição em atender bem.

Os bancos se sentem ameaçados pelos novos agentes que começam a entrar no mercado? O Banco Central, por sinal, está disposto a incentivar o crescimento das fintechs.

Os bancos sob certos aspectos também são fintechs, com alto grau de utilização da tecnologia da informação e automação. Hoje, de cada 10 transações feitas nos bancos, seis são realizadas pelos meios digitais — celular ou computador. No ano passado, 2,5 bilhões de pagamentos de contas e transferências, incluindo DOCs e TEDs, foram por meio do mobile banking, que, pela primeira vez, superou o internet banking na preferência dos brasileiros. Além disso, as instituições trabalham em parcerias com as fintechs para aperfeiçoar serviços e promover inovações. Existem inúmeros exemplos bem-sucedidos de parcerias entre as fintechs e os bancos, inclusive com a abertura de centros de empreendedorismo e programas de incubação de empresas, além da recente abertura de espaço interno para que funcionários criem soluções bancárias dentro de casa, o chamado intra-empreendedorismo.

O país está mergulhado numa recessão desde 2014. Os bancos realmente estão dispostos a financiarem o crescimento?

O país saiu da recessão no fim de 2016, mas, em 2017, em 2018 e também neste ano o crescimento está muito fraco. Os bancos estão dispostos e já ampliando os empréstimos para as famílias e as empresas. Onde há demanda e capacidade de pagamento, os bancos já vêm atuando. Um exemplo são os financiamentos de veículos. No primeiro trimestre de 2019, o volume de recursos emprestados a pessoas físicas para aquisição de veículos cresceu 3,5% na comparação com o mesmo período do ano passado: de 620.337 para 642.003 contratos. O volume de recursos nessa linha de empréstimos aumentou de R$ 15,6 bilhões para R$ 17,2 bilhões, uma evolução de 10,5% em relação a 2018. O crédito vem crescendo, com saldo registrado de R$ 3,3 trilhões no último mês de junho, um aumento de 0,4% no mês e de 5,1% no acumulado de 12 meses. O crédito voltou a crescer mais rápido do que o PIB. E os bancos estão prontos para atender à demanda que aumentará com a melhoria das condições microeconômicas no país.

O senhor realmente acredita que a reforma da Previdência será capaz de recolocar o Brasil na rota do crescimento? Só isso basta?

A reforma da Previdência é condição necessária, mas não suficiente para conter o crescimento da dívida pública, estimular investimentos e fazer a economia crescer de forma sustentável, com maior geração de empregos. Executivo e Legislativo já discutem outras reformas importantes, como a tributária, para dar maior racionalidade e simplificar o sistema de tributos, facilitando negócios com a redução dos custos de pagamento para os contribuintes e de cobrança e fiscalização para o governo. O governo tomou medidas importantes de privatização. No campo da abertura comercial, fez um acordo importante entre o Mercosul e a União Europeia que, quando finalizado e implementado, contribuirá para aumentar nossas exportações. Os bancos querem contribuir com esse esforço de reformas, e, por isso, propomos que a modernização da economia inclua as reformas no ambiente de crédito para baixar os custos de emprestar no Brasil e remover obstáculos à concessão responsável de crédito.

Na sua avaliação, o governo Bolsonaro está entregando o que prometeu? É possível acreditar em tempos melhores na economia?

O governo apresentou a reforma da Previdência, que foi aprovada em 1ª votação pela Câmara, deverá encaminhar a reforma tributária, tomou medidas significativas na área da privatização, como a venda do controle acionário da BR Distribuidora, a abertura do mercado de gás natural no Brasil e está empenhado em um programa ambicioso de privatização no país. Também propôs ao Congresso medidas microeconômicas, como a medida provisória da liberdade econômica. Tem mostrado empenho em cumprir sua agenda. Desejamos todo sucesso nesses esforços para melhorar o país, e queremos contribuir, com nossas propostas para reduzir os juros.

Os bancos estão preparados para o fim do dinheiro? A população mais jovem já não frequenta mais as instituições financeiras tradicionais.

Como disse, os bancos têm feito investimentos em torno de R$ 20 bilhões por ano em tecnologia e inovação. Boa parte disso tem sido para acompanhar a crescente preferência dos clientes por comodidade, segurança e rapidez que o uso de dispositivos eletrônicos permite para suas movimentações financeiras. Não temos uma previsão de quando o dinheiro em espécie vai deixar de ser usado. Duas coisas, porém, são certas: os canais digitais ganham cada vez mais espaço como alternativa a operações com papel-moeda; e a moeda como uma unidade de conta, reserva de valor, e meio de pagamentos não vai acabar.

Para onde vai a Selic? Algumas instituições já falam em juros básicos de 4,75% ao ano, com inflação sob controle. Isso é possível num país com o histórico do Brasil?

A Febraban não faz estimativas sobre taxas de juros. Mas o ambiente é propício a uma redução na taxa básica, e vamos continuar trabalhando para que qualquer redução chegue na ponta, para as empresas e famílias.