O globo, n.31421, 17/08/2019. Artigos, p. 02

 

Vetos necessários na lei contra abuso de autoridades 

17/08/2019

 

 

Assim como a burocracia, o abuso de autoridade é um costume deletério, antirrepublicano, na sociedade brasileira. O emperramento dos cartórios e controles criados pelo Estado para supostamente formalizar e legalizar atos entre pessoas físicas e jurídicas estão sendo enfrentados pela medida provisória da “liberdade econômica” , em tramitação no Senado. Já um projeto coma finalidade de punir abuso de autoridades está à disposição do presidente Bolsonaro, para sancioná-lo na íntegra ou definir vetos pontuais —a melhor alternativa para o país. Ao contrário das medidas antiburocracia, o conjunto de ações contra autoridades que excedem seu poder está no centro de intensa polêmica. A própria forma como este projeto começou a tramitar no Senado contaminou a iniciativa de suspeições. Cabe lembrar que o desengavetamento desta proposta de lei, depois recauchutada, coube ao então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), alvo de investigações sobre corrupção.

Renan fazia parte de um grupo de peemedebistas coroados em cujo encalço estava a Lava-Jato: Romero Jucá, Edison Lobão e outros. É ilustrativa a conversa gravada entre eles, incluindo o ex-presidente Sarney, em que se fala sem dissimulações da necessidade de conter a Operação. Uma troca de ideias entre eles foi gravada pelo ex-tucano, e delator premiado, Sérgio Machado, apanhado pela Lava-Jato em negociatas quando dirigia a Transpetro, subsidiária da Petrobras, no período em que a estatal foi assaltada pelo esquema lulopetista de corrupção, nos governos Lula e Dilma. A iniciativa de Renan de recolocar em andamento no Senado um antigo projeto para coibir abuso de autoridades, devidamente atualizado — com Roberto Requião, peemedebista alinhado ao PT, na relatoria —, chamou a atenção.

Coibira ação de autoridades no Brasil não é ideia ruim, em si. A legislação sobre a matéria é antiga, necessita ser atualizada. Masa origem do projeto afinal aprovado e remetido à sanção de Bolsonaro aconselha cuidados ao Planalto. Apesar de toda a depuração feita, devido a reclamações de juízes, promotores, policiais etc ., o texto aprovado traz pegadinhas contra o poder de investigação do Estado. Foram criadas com o uso de termos vagos, dúbios, genéricos, a serem explorados pelos bem pagos e competentes advogados de poderosos, para voltar-se ao tempo da clássica impunidade dos criminosos de colarinho branco.

Por exemplo, se for instaurado um procedimento criminal“sem justa causa fundamentada” agentes públicos podem ser processados. Mas o que é “justa causa fundamentada”? No mínimo, servirá para protelar processos. Outra armadilha: se o bloqueio de bens for considerado em instâncias superiores excessivo, o juiz pode ser penalizado. Mas os donos de patrimônio bloqueado sempre reclamam da dimensão do bloqueio.

O dispositivo tem clara intenção de atemorizar juízes e promotores. Tenta se fechar o cerco contra a Lava-Jato e operações anticorrupção em geral.