O globo, n.31421, 17/08/2019. País, p. 06

 

Descompasso declaratório 

Jailton de Carvalho

17/08/2019

 

 

Após dizer que o delegado Ricardo Saadi deixará a Superintendência da Polícia Federal no Rio por problemas de “gestão” e “produtividade” — informação negada por uma nota oficial da corporação —, o presidente Jair Bolsonaro recuou ontem da tentativa de emplacar Alexandre Silva Saraiva, superintendente no Amazonas, para a vaga. A indicação do presidente quase resultou no pedido de demissão do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o que levou Bolsonaro, em poucas horas, a amenizar o tom. De manhã, ao comentar a troca, ele disse que, como presidente, é ele “quem manda”

Às 8h30m, o presidente disse em entrevista que Saadi seria substituído por Saraiva, e não pelo superintendente em Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira Sousa, como anunciado pela PF no dia anterior.

— O que eu fiquei sabendo, se ele resolveu mudar, vai ter que falar comigo. Quem manda sou eu. Deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu. Pelo que está pré-acertado, seria o lá de Manaus (Saraiva) —declarou.

Questionado se a decisão teria partido dele ou da PF, Bolsonaro disse que a pergunta teria de ser direcionada ao ministro da Justiça, Sergio Moro, a quem o órgão está subordinado.

— Pergunta para o Moro. Já estava há três, quatro meses para sair o cara de lá. Está há três, quatro meses. O que acontece, quando vão nomear alguém, falam comigo. Ué? Eu tenho poder de veto. Ou vou ser um presidente banana agora? —afirmou.

MUDANÇA DE TOM

Em outra entrevista, no início da tarde, porém, o presidente baixou o tom. Sem dar explicações para o recuo, Bolsonaro disse que, para ele, “tanto faz”, Sousa ou Saraiva. Procurado, Valeixo não quis comentar a informação de que deixaria o cargo, caso fosse desautorizado na escolha do chefe da polícia no Rio. Por meio da assessoria de imprensa, o diretor-geral disse que nada teria acrescentar à nota divulgada na quinta-feira.

No texto, a PF informou que Saadi seria substituído por Sousa por vontade própria, e não por problema de “gestão” ou de “produtividade”, como dissera Bolsonaro na quinta-feira. O posicionamento foi endossado por Moro ao ser divulgado pelo Ministério da Justiça. Segundo assessoria de imprensa da pasta de Moro, não seria possível checar a informação sobre a ameaça de Valeixo de deixar o cargo.

Bolsonaro pressionou a direção da Polícia Federal a substituir imediatamente o delegado Ricardo Saadi na Superintendência da PF no Rio porque estava descontente com uma das investigações no órgão, afirmou ao GLOBO um delegado que acompanha o caso de perto. Valeixo teria, a contragosto, concordado em substituir Saadi. O delegado já havia manifestado interesse em deixar o cargo. Recentemente, Bolsonaro criticou as investigações do Ministério Público do Rio sobre a movimentação financeira de Fabrício Queiroz, que foi assessor do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Essa investigação ainda está nas mãos dos promotores de Justiça. No momento, o caso não está com a PF.

A interferência de Bolsonaro na troca de superintendentes irritou a cúpula da PF e boa parte dos delegados que acompanham de perto os desdobramentos do caso. Valeixo fez chegar a Moro a informação de que, se não pode indicar superintendentes, não teria condições de permanecer no cargo. Quando percebeu o tamanho do problema, Bolsonaro recuou. Mas, para auxiliares diretos de Moro, a questão está longe de ser resolvida.

Em conversas com colegas nos dois últimos dias, Saadi havia confirmado que deixaria o posto, mas só no no fim deste ano, quando haveria uma nova dança de cadeiras entre superintendentes.

—Qual o motivo da antecipação dessa troca de comando agora? Ele (Saadi) e todos nós estamos surpresos e tentando ainda entender o que, de fato, está acontecendo — disse ao GLOBO um interlocutor do superintendente.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Edvandir Paiva, voltou a criticar a tentativa de intromissão externa.

— Não queremos que o presidente seja um banana, como ele mesmo falou. Queremos que ele seja um estadista. O máximo que ele pode fazer é indicar o diretor-geral —disse Paiva.

QUADROS EXPERIENTES

A queda de braço pelo comando da PF no Rio começou na quinta-feira. Numa entrevista, Bolsonaro disse, sem ser perguntado, que Saadi deixaria a superintendência por motivo de “gestão” e “produtividade”. Era a primeira vez que um presidente anunciava o afastamento de um superintendente, o que historicamente é feito pelo diretor da PF.

O superintendente da PF em Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira Sousa, é considerado um excelente quadro por seus colegas. Há três meses no estado, Sousa trabalhou como diretor Regional Executivo (Drex), corregedor-geral e comandou a Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvios de Recursos Públicos (Delefin), que atualmente coordena as ações do braço fluminense da Operação Lava-Jato. É formado em Direito pela UFRJ e tem no currículo cursos no FBI.

Já o preferido do presidente Jair Bolsonaro, o delegado Alexandre Silva Saraiva, de 49 anos, atual superintendente da PF no Amazonas. Formado em Direito UFF, tem curso de especialização em Segurança Pública pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Há dez anos atua no Norte do país. No governo Bolsonaro, chegou a ser cogitado para assumir o Ministério do Meio Ambiente. Assim como Carlos Henrique, o delegado Alexandre Saraiva fez curso no FBI e conhece bem o Rio.

Colaborou Antônio Werneck

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Pressionado, secretário especial da Receita deve trocar de cargo 

Marcello Corrêa

17/08/2019

 

 

Em meio a pressões nos três Poderes por mudanças na Receita Federal, o secretário especial do órgão, Marcos Cintra, deve deixar o cargo, mas continuar no governo. Segundo integrantes da equipe econômica, a tendência é que ele passe a chefiar apenas a área responsável por formular políticas, como a da reforma tributária, que seria ligada ao Ministério da Economia. O setor que arrecada e fiscaliza o pagamento de impostos se transformaria em uma espécie de autarquia, mais independente e comandada por um técnico de carreira, provavelmente com mandato fixo.

Nas últimas semanas, há insatisfação com a fiscalização do órgão. No início de agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a paralisação de 133 apurações de contribuintes, em uma lista que incluía autoridades do Judiciário. Na segunda-feira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o Fisco comete “excessos”. Na quarta, o presidente Jair Bolsonaro reclamou do órgão ao dizer que “fizeram uma devassa na vida financeira” de seus familiares que vivem no Vale do Ribeira, em São Paulo.

A insatisfação fez com que Cintra passasse a ser pressionado a trocar sua equipe. Em maio, o secretário já havia sido desmentido por Bolsonaro após afirmar que a Receita cobraria tributos das igrejas. O caso desagradou a bancada evangélica, com quem o presidente e o Cintra se reuniram. Os parlamentares pediram a simplificação da prestação de conta dos templos, o que Cintra prometeu fazer em dois anos, mas Bolsonaro queria em dois meses.

Ainda não há definição sobre quando a mudança seria efetivada. A troca poderia ocorrer por medida provisória. Há o risco de que, ao encaminhar um texto ao Congresso, parlamentares usem essa brecha para tentar limitar os poderes do Fisco. Outro temor de auditores é de que a reestruturação seja usada para um aparelhamento do órgão.