O globo, n.31421, 17/08/2019. País, p. 08

 

Lei de abuso: Moro vai defender veto de oito artigos 

Jailton de Carvalho

Amanda Almeida 

Bruno Góes 

17/08/2019

 

 

O ministro da Justiça, Sergio Moro, deverá sugerir ao presidente Jair Bolsonaro o veto de pelo menos oito artigos do projeto de lei sobre o abuso de autoridade, aprovado na quarta-feira pela Câmara. Entre os trechos que deveriam ser excluídos, na visão do ministro, estão os artigos que proíbem prisões em “desconformidade com a lei”, o flagrante preparado e o uso de algemas quando o preso não oferece resistência à ação policial. Ontem, Bolsonaro já sinalizou que deverá vetar o artigo sobre o equipamento policial.

A decisão sobre vetos a artigos da lei é considerada uma das mais delicadas para o governo até aqui. Ontem, líderes partidários afirmaram que o presidente pode abrir uma crise política com a Câmara se “desfigurar” o projeto aprovado pelos parlamentares.

As sugestões de Moro sobre vetos estão numa análise preliminar da lei elaborada pelo ministro com assessores e encaminhada para líderes do governo no Congresso. Para Moro, segundo do documento obtido pelo GLOBO, Bolsonaro deveria eliminar do texto aprovado pelo Congresso o artigo 9º, que prevê detenção de um a quatro anos para o magistrado que decretar prisão “em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. Para o ministério, este trecho do projeto limita a liberdade do juiz de decidir.

O documento afirma ainda que “é possível identificar diversos elementos que podem, mesmo sem intenção, inviabilizar tanto a atividade jurisdicional, do Ministério Público (MP) e da polícia, quanto as investigações que lhe precedem”.

Moro defende também o veto ao artigo 26, que classifica como crime “induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei”. Para o ministro, o “dispositivo em questão criminaliza o flagrante preparado”, o que afetaria negativamente a atividade de investigação.

No Congresso, líderes partidários já se organizam para uma eventual reação se Bolsonaro vetar muitos artigos do projeto. Segundo o relator da proposta na Câmara, Ricardo Barros (PPPR), apenas o veto ao artigo 17, que trata da punição ao uso indevido de algemas por policiais, foi combinado com o governo. Caso o presidente Jair Bolsonaro resolva retirar outros trechos da lei, como sugere Moro, haverá reclamações sobre “quebra de acordo”. O deputado João Roma (PRB-BA), que recebeu Moro na quarta-feira em jantar na sua casa, avalia que a postura inflexível do governo pode aprofundar as dificuldades na relação.

—Se exagerar na dose, pode criar uma crise política —afirmou.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, esfriou os ânimos:

— O projeto foi discutido, atinge os três Poderes e quem vai formar um juízo é o Ministério Público e quem vai julgar é o juiz. Não tem problema para quem não passa dos limites das leis. Só é polêmico para quem não leu.

DODGE E O VENENO

Ontem, a procuradora-geral da República se posicionou sobre o projeto. Raquel Dodge disse ser importante combater abusos, mas alertou que o texto aprovado pode ser negativo:

—Todo abuso de direito por parte do Estado viola o Estado de Direito. É preciso considerar se ess aleitem a dose certa de normatividade ou se, podendo ter errado na dose, faz com que o remédio se torne um veneno e mate o paciente.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, foi sorteado relator da ação apresentada pelo partido Novo que pede a anulação da votação que aprovou o projeto na quarta-feira. O Novo alega que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não fez votação nominal e sustenta que havia o número mínimo de deputados requerendo o procedimento. Gilmar notificou Maia para dar esclarecimentos.

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Centrão e oposição articulam restringir regras da delação premiada 

Bruno Góes 

Naira Trindade 

17/08/2019

 

 

Após a aprovação do projeto sobre abuso de autoridade, deputados do centrão e da oposição articulam um acordo para tentar restringir os acordos de delações premiadas. O assunto foi discutido numa reunião de integrantes do grupo de trabalho do pacote anticrime com líderes partidários, ocorrida na última na quarta-feira, na residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Ainda não há consenso sobre como a ideia será apresentada. Uma das hipóteses discutidas pelo centrão e pela oposição partiu da líder da minoria na Câmara, Jandira Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Aos aliados, ela propôs aproveitar Projeto de Lei 11156/ 2018, apresentado no fim do ano passado pelo então deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) e agora subscrito pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

O projeto, que havia sido arquivado com o encerramento do mandato de Wadih Damous — derrotado nas eleições de 2018 — voltou à cena após um pedido de desarquivamento de Paulo Teixeira à Mesa Diretora da Câmara, em abril deste ano. O texto de 13 páginas estabelece regras para a celebração de acordos de colaboração. Pela redação, o juiz fica “impedido de participar das negociações para a formalização do acordo”. A proposta inclui a proibição de firmar delação com réus presos e a criminalização de vazamentos. Procurada, Jandira não quis se manifestar sobre a articulação.

Uma nova reunião sobre o tema ocorrerá na próxima terça-feira, também na casa de Rodrigo Maia, e pretende-se avançar sobre as discussões se a regulamentação das delações será inserida já no relatório a ser apresentado pelo grupo de trabalho do pacote anticrime ou se será feita uma emenda durante a votação do pacote em plenário. Na mesma reunião na casa de Maia, ficou acertado que o grupo de trabalho ganhará mais 15 dias de prazo para apresentar o relatório. Não há ainda, porém, debate avançado sobre quais propostas de regulamentação da delação devem ser encampadas pela maioria.

Reservadamente, alguns deputados da oposição temem que o debate sobre novas regras de delações premiadas neste momento seja interpretado como uma medida contra a Lava-Jato. Com o desgaste da operação, parlamentares viram uma oportunidade para legislar sobre o que consideram “excessos” da Justiça e do Ministério Público.