O Estado de São Paulo, n. 46070, 06/12/2019. Política, p. A10

 

Lula articula chapa Haddad-Marta em SP

Pedro Venceslau

Ricardo Galhardo

06/12/2019

 

 

PT espera que ex-presidente convença ex-prefeito, que reluta em se lançar candidato; cortejada, ex-ministra tem participado de eventos  

Concorrentes. Haddad e Marta, no debate entre candidatos à prefeitura de SP, em 2016; chapa conjunta é cogitada no PT

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT vão trabalhar por uma chapa para a Prefeitura de São Paulo liderada por Fernando Haddad e com Marta Suplicy como vice – ambos já administraram a cidade. Sem partido desde que deixou o MDB em agosto do ano passado, Marta tem dito a interlocutores que o retorno dela ao PT está praticamente descartado devido às resistências de setores da sigla. Com isso, o PT espera que Lula pressione Haddad a entrar na disputa e que a ex-prefeita se filie a outro partido de centro-esquerda.

Duas legendas estão conversando com Marta: o PDT e o Solidariedade. No primeiro caso, o candidato derrotado à Presidência em 2018 Ciro Gomes se opõe à dobradinha. O maior entrave para a concretização da chapa, no entanto, é a resistência de Haddad a disputar a prefeitura pela terceira vez. Irredutível, o ex-prefeito tem alegado que, diferente de outros políticos, depende do emprego de professor no Insper para pagar suas despesas e que disputar a terceira eleição em apenas seis anos seria um fardo muito pesado.

Além disso, Haddad avalia que a esquerda vai ter poucas chances na eleição do ano que vem. Segundo ele, a tendência é que a disputa fique entre um candidato da extrema direita, apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, e outro de centro-direita. De acordo com pessoas próximas, Haddad se irrita diante de especulações de que ele deseja se preservar para a disputa de 2022 e já chegou a sugerir registrar um documento em cartório se comprometendo a não ser candidato a presidente, para estancar a boataria.

Petistas, no entanto, acreditam no poder de persuasão de Lula. O ex-presidente tirou alguns dias de férias e volta a São Paulo neste final de semana. Na agenda de Lula estão pedidos de reuniões com as bancadas municipal e estadual do PT para tratar de 2020. Nestas conversas, Lula vai ouvir apelos pela candidatura de Haddad.

Desde o início do ano, o PT, com o aval do ex-presidente, vem procurando um nome. O primeiro foi o de Haddad, que declinou. Depois, Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo, que também recusaram. Alexandre Padilha se colocou à disposição, sem entusiasmo. O maior interessado é o ex-deputado Jilmar Tatto, mas a baixa votação dele para o Senado no ano passado desanima petistas.

O partido teme que, sem um nome forte, pode ser engolido à esquerda pela possível chapa Guilherme Boulos/Luiza Erundina (PSOL) e ao centro pelo ex-governador Márcio França (PSB), que também corteja Marta para vice. Tatto, outro que também quer Marta como vice, deve procurar Lula para pedir apoio a seu projeto eleitoral, que tem a simpatia de Haddad.

Nos bastidores, pessoas próximas a Marta acreditam que Haddad pode deixar a Prefeitura em 2022 para disputar o Palácio do Planalto, o que abriria caminho para que ela voltasse a comandar a cidade que governou entre 2001 e 2004. Procurada, Marta não quis comentar.

Em conversas com interlocutores, porém, a ex-prefeita admite ser vice de Haddad em nome da construção de uma frente ampla para combater o bolsonarismo na capital. Esse projeto seria laboratório para a disputa presidencial de 2022. Marta e Lula ainda não conversaram sobre a proposta de dobradinha. A ex-ministra ouviu de dirigentes, no entanto, que seria viável construir a chapa mesmo com ela em outro partido.

Eventos. Depois de um período de reclusão após deixar o Senado e o MDB, Marta voltou a frequentar eventos com políticos e se reaproximou de quadros da esquerda. Na última terça-feira, foi à festa de aniversário do sociólogo Fernando Guimarães em uma choperia em Pinheiros onde confraternizou com França e Boulos. Também estavam presentes ao evento dirigentes do PDT, além de integrantes do PT e da Rede.

Na semana passada, Marta participou de jantar do grupo Prerrogativas, que reuniu mais de 300 advogados e lideranças de centro-esquerda em uma churrascaria, em São Paulo. Na ocasião ela disse que a criação de uma frente para se contrapor à extrema direita representada pelo governo Bolsonaro passa pelas eleições de 2020 e que está em “situação privilegiada” por não almejar cargos. Também estavam presentes no encontro França, o ex-deputado Gabriel Chalita (sem partido), Haddad, o deputado Marcelo Freixo (PSOL), o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, e vários parlamentares.

Em setembro, ela esteve ao lado de integrantes de 16 partidos políticos no evento “Direitos Já!” Fórum pela Democracia, no Teatro da PUC.

A presença de Marta nesses eventos é vista como uma tentativa de reaproximação. Marta deixou o PT em 2015 atirando contra os escândalos de corrupção envolvendo o partido e votou pelo impeachment de Dilma Rousseff no ano seguinte.

PARA ENTENDER

 Ex-prefeitos já atuaram juntos

Ex-prefeitos de São Paulo pelo PT, Marta Suplicy (hoje sem partido) e Fernando Haddad se conhecem há muito tempo. O primeiro cargo público de Haddad foi o de subsecretário municipal de Finanças na gestão de Marta. Além disso, ambos foram ministros nos governos Lula e Dilma. Na eleição de 2016, Marta, candidata pelo MDB, fez críticas à gestão do petista na prefeitura. Já Haddad, em 2018, citava marcas do governo Marta como os CEUs e o Bilhete Único como realizações do PT em eventos da campanha presidencial na periferia de São Paulo. Depois dos acenos da ex-senadora à esquerda e dos afagos de Lula, que em entrevistas disse que Marta foi a melhor prefeita que São Paulo já teve, Haddad se tornou um dos entusiastas da volta dela para o PT.