Correio braziliense, n. 20525, 01/08/2019. Política, p. 2

 

Presidente da OAB vai ao STF contra Bolsonaro

Jorge Vasconcellos

01/08/2019

 

 

Poder » O ministro Luís Roberto Barroso será o relator da interpelação protocolada por Felipe Santa Cruz, no Supremo, para que o chefe do Executivo esclareça declarações sobre seu pai, Fernando de Santa Cruz, morto durante a ditadura militar

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), será o relator da interpelação protocolada ontem pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, para que o presidente Jair Bolsonaro esclareça declarações feitas sobre seu pai, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, morto por forças do Estado durante a ditadura militar, segundo documentos oficiais. Na segunda-feira, o chefe do Executivo disse que Fernando Santa Cruz foi assassinado por membros do “grupo terrorista” Ação Popular, do qual era integrante, por suspeitas de traição. Na interpelação, o presidente da OAB aponta possível ocorrência de crime de calúnia e deixa clara a pretensão de mover uma ação penal contra Bolsonaro. Barroso vai notificar o chefe do Executivo para que sejam prestados os esclarecimentos solicitados, embora ele não seja obrigado a responder aos questionamentos.

Na segunda-feira, Bolsonaro colocou em dúvida as conclusões oficiais a respeito do desaparecimento de Fernando Santa Cruz. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”, disse. Horas depois, durante uma live na internet, enquanto cortava o cabelo, o chefe do Executivo acrescentou que o pai de Felipe Santa Cruz foi morto pelo “grupo terrorista” Ação Popular no Rio de Janeiro, e não por militares.

Na interpelação, Felipe Santa Cruz questiona Bolsonaro se ele efetivamente tem conhecimento das circunstâncias da morte de seu pai. Também quer saber quais informações o presidente recebeu, além de perguntar se ele pode nominar os autores do crime e informar a localização dos restos mortais de Fernando Santa Cruz. Outra pergunta é por que o chefe do governo não denunciou ou determinou a apuração dos fatos.

Doze ex-presidentes da OAB assinaram a interpelação, em um gesto de solidariedade a Felipe Santa Cruz. Eles também atuarão em sua defesa durante a tramitação do caso no STF. A lista de ex-presidentes inclui nomes de peso da advocacia, como Marcello Lavenère Machado, José Roberto Batochio, Ophir F. Cavalcante Junior e Eduardo Seabra Fagundes.

A interpelação afirma ser “inaceitável” que o ocupante do mais alto cargo da República não esclareça a razão da sua própria omissão. Diz ainda que as declarações de Bolsonaro não estão “lastreadas” em documentos oficiais e contrariam a posição oficial e expressa do Estado brasileiro, que reconhece o desaparecimento forçado de Santa Cruz.

“As declarações do presidente da República acerca das circunstâncias do desaparecimento de Fernando Santa Cruz são muito graves. Elas podem, sim, caracterizar o crime de responsabilidade, previsto no art. 9º, item 7 da Lei nº 1.079/50”, disse ao Correio o professor Cristiano Paixão, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), referindo-se à chamada lei do impeachment.

Mais cauteloso, Fernando Parente, do escritório Guimarães Parente Advogados, disse que, a priori, não está caracterizado o crime de responsabilidade, mas que essa discussão “é possível em razão da incompatibilidade de tal conduta com o decoro do cargo de presidente da República, pois, além do tom jocoso, a fala vai contra os dados estatais, que reconheceram o desaparecimento e morte não natural do pai do interpelante”.

Eventual configuração de crime

Um dos trechos da interpelação diz: “O pedido de explicação é medida de interpelação judicial prevista no art. 144 do Código Penal que autoriza o ofendido a pedir explicações a respeito de manifestações que possam configurar qualquer um dos crimes contra a honra”. O documento prossegue: “Ao interpretar o artigo em questão, esse egrégio Supremo Tribunal Federal já esclareceu que se trata de ‘procedimento de natureza cautelar’, de caráter ‘personalíssimo’, que visa a ‘que se esclareçam situações revestidas de equivocidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício futuro da ação penal’”.

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Juiz intima presidente

 

 

 

 

Renato Souza

01/08/2019

 

 

 

 

O juiz André Jackson de Holanda Maurício Júnior, substituto da 1ª Vara Federal da Bahia, intimou o presidente Jair Bolsonaro a explicar a indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O deputado federal também terá de se explicar. Ao fim desse processo inicial, o magistrado pode ou não acolher pedido para suspender, de forma temporária, a indicação.

O prazo para manifestação das partes é de cinco dias. Em seguida, o juiz decidirá sobre o caso. Jackson atendeu a uma ação popular movida pelo deputado Jorge Solla (PT-BA). Na petição, o parlamentar afirma que a indicação de um parente próximo para cargo diplomático por parte de Bolsonaro viola os princípios da impessoalidade e da moralidade, que regem o serviço público. “O preenchimento de cargos relevantes como chefe de Missão Diplomática Definitiva em território estrangeiro por parentes próximos do chefe do Executivo, por exemplo seus descendentes (filho), viola todos os mandamentos constitucionais referentes à impessoalidade e à moralidade”, diz um trecho da ação.

Solla pede que o ato do presidente seja barrado imediatamente. O Brasil já enviou o nome de Eduardo aos Estados Unidos, para que o governo norte-americano se manifeste. Assim que obtiver resposta, o chefe do Executivo fará a indicação do nome dele ao Senado, para que seja sabatinado. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, apoiou a nomeação de Eduardo Bolsonaro para o cargo. “Foi pedido o ‘agrément’, e esperamos a resposta americana, de acordo com a praxe diplomática. Mas tenho a grande certeza de que será concedido pelo governo americano, e Eduardo Bolsonaro será um ótimo embaixador”, disse Araújo.