Título: Ele terá que ganhar Wall Street
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2012, Mundo, p. 26

O tombo do mercado financeiro norte-americano ontem, um dia depois da reeleição de Barack Obama, deixou claro que uma das novas agendas do presidente dos Estados Unidos e dos investidores será recriar os laços entre Wall Street e a Casa Branca. Os operadores apostaram abertamente na vitória do rival republicano Mitt Romney, considerado amigável aos seus negócios, e perderam. Desde ontem, eles tiveram que encarar a expectativa de regras ainda mais duras no segundo mandato de Obama e a necessidade de estabelecer relações mais produtivas com os reguladores do setor, que ainda serão indicados pelo presidente.

A frustração da torcida dos investidores em favor de Romney levou as bolsas norte-americanas Dow Jones e Nasdaq caírem, respectivamente, 2,36% e 2,48%, também afetadas pelas perspectivas ruins para a economia europeia e a expectativa de que o abismo fiscal não será controlado por Obama (leia nesta página). Nos dois primeiros dias da semana, os pregões fecharam em alta, à espera do resultado da eleição.

A preferência pela oposição é clara. Segundo o Centro para Responsabilidade Política, profissionais do setor financeiro e de investimentos dos EUA doaram US$ 20 milhões à campanha da Romney e apenas US$ 6 milhões para Obama. Quadro bem diferente da eleição de 2008, quando o atual presidente democrata recebeu US$ 16 milhões e o então rival republicano John McCain, US$ 9 milhões.

Obama perdeu apoio de muitos bancos ao fazer aprovar em 2010 uma reforma da legislação saneadora do setor financeiro, que reduziu drasticamente o lucro das instituições. Ele tem criticado explicitamente “banqueiros poderosos e insensíveis”, o que deixou os executivos do setor temerosos de mais perdas. Wall Street também receia a edição de mais normas em favor da proteção dos consumidores. A conquista de uma cadeira no Senado por Elizabeth Warren, por Massachusetts, é considerada um reforço para o presidente nessa direção. Ela teve participação relevante na criação da Agência de Proteção Financeira do Consumidor.

Dissonâncias

Outro ponto de atrito é o fato de Obama defender a continuação da injeção de dólares como forma de estímulo à economia, por meio dos chamados programas QE (da sigla em inglês Quantitative Easing), enquanto Romney defendia a austeridade fiscal como única solução. A crescente incerteza sobre como a economia norte-americana reagirá ao novo mandato do democrata deverá modificar a análise patrimonial de empresas nos próximos dias, com efeito sobre o desempenho das bolsas do país e no resto do mundo.

O fim dos incentivos fiscais implantados há quase 10 anos pelo governo George Bush e o início de cortes automáticos no orçamento em programas sociais e militares — a partir de janeiro — tem um impacto de US$ 600 bilhões, o que pode levar a economia norte-americana para a recessão. “O desafio para Obama negociar um acordo sobre a política fiscal continua considerável”, afirmou David Harris, chefe de renda fixa do banco Schroders. Ele calcula que, caso nada seja feito, o PIB do país pode encolher até 4%. Os investidores acrescentam a esse temor a possibilidade de calote em alguns papéis do Tesouro e do rebaixamento de notas de classificação de risco da dívida pública dos EUA.

Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), avaliou que a vitória de Obama não trouxe grandes alterações para a situação econômica do país no aspecto fiscal. “Estou preocupado com o fato de a eleição não ter, verdadeiramente, alterado a expectativa de equilíbrio”, afirmou. Ele salientou que decisões precisarão ser tomadas logo. Caso contrário, o país não poderá olhar para o futuro “com um considerável estado de esperança”, fazendo uma alusão ao discurso do democrata logo depois da confirmação de sua reeleição.

Depois do ânimo provocado pela reeleição de Obama, as bolsas europeias acabaram sucumbindo às projeções da Comissão Europeia de que as atividades na Zona do Euro crescerão pouco em 2013. As maiores esperanças eram de que o Fed manteria sua política de afrouxamento monetário. A Bolsa de Frankfurt acabou recuando 1,96%; a de Londres, 1,58%; enquanto a de Paris sofreu queda de 1,99%. A maioria das bolsas asiáticas, por sua vez, fechou em alta, revertendo perdas assim que saiu a notícia da vitória do presidente norte-americano. Esse foi o caso da Bolsa de Hong Kong, que subiu 0,71%. Os pregões chineses, por sua vez, ficaram praticamente estáveis.

Preço do petróleo também desaba

As dificuldades de retomada das economias dos Estados Unidos e da Europa derrubaram ontem as cotações do petróleo nos mercados internacionais. Um dia depois da reeleição do presidente norte-americano, Barack Obama, o preço do barril negociado em Nova York recuou US$ 4,27 ou 4,81%, para US$ 84,44. O valor oscilou ao longo do dia entre US$ 84,05 e US$ 88,80. Segundo analistas, os investidores reagiram rapidamente às previsões pessimistas publicadas pela Comissão Europeia e à perspectiva de uma dura negociação no Congresso norte-americano com Obama em torno do ajuste fiscal da maior economia do planeta. Muitos analistas previam que as cotações do petróleo negociado nos EUA sofreriam pressões de alta, em caso de vitória de Mitt Romney — uma vez que o candidato republicano pretendia aumentar a exploração em território norte-americano. Obama, por sua vez, continua apoiando os projetos de energia limpa. A vitória democrata também reduz a probabilidade de os EUA expandirem a extração de petróleo e de gás no mar e em terra. O presidente ameaçou vetar uma proposta de lei aprovada pela Câmara em julho que previa duplicar o número de licenças de exploração de petróleo e de gás até 2015.