Título: Ventos liberais na América
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2012, Mundo, p. 26

Além de confirmarem Barack Obama para mais quatro anos na Presidência, milhões de eleitores norte-americanos participaram em plebiscitos de âmbito estadual, como a legalização do consumo recreativo da maconha e o reconhecimento legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao todo, foram 174 as consultas populares paralelas que ocorreram no país. O estado de Washington, no extremo noroeste dos Estados Unidos, foi o mais liberal: aprovou o uso da maconha fora da medicina e legalizou o casamento homossexual. O Estado do Colorado aprovou também o uso da maconha, enquanto Maine e Maryland legalizaram também a união de pessoas do mesmo sexo. Em meio às iniciativas liberais, que bateram de frente com os ideais republicanos, eleitores da Flórida ainda determinaram que fundos públicos e cobertura médica poderão custear abortos, um dos temas mais polêmicos durante as eleições nos Estados Unidos.

Por sua vez, 53,6% dos eleitores na Califórnia rejeitaram o fim da pena de morte, enquanto 54% se mostraram contra uma medida que obrigaria os distribuidores de alimentos transgênicos a identificar a modificação genética na etiqueta do produto. Outro item ainda mais controverso, o suicídio assistido, foi vetado em Massachusetts por uma pequena margem: 51% contra 49%. Caso tivesse sido aceito, Massachusetts seria o terceiro estado, atrás de Washington e Oregon, a autorizar que pacientes em estado terminal recebessem doses letais de remédios, administradas por seus médicos.

Tanto a aprovação popular do uso recreativo da maconha quanto a do casamento homossexual foram iniciativas pioneiras nos EUA, segundo especialistas ouvidos pelo Correio. As medidas devem entrar em vigor em um mês. Pouco mais da metade dos eleitores de Maine, 54% aprovaram a legalização do casamento homossexual. A aceitação foi maior que em Washington e Maryland, ambos com 52% dos votos. Embora não seja legal em nível federal, o casamento gay já era legalizado em seis estados e no distrito de Columbia.

Benjamin G. Bishin, cientista político da Universidade da Califórnia em Riverside, destacou o ineditismo da decisão. “Nos casos anteriores, os direitos foram garantidos por tribunais ou assembleias estaduais. E nas votações anteriores, o lado do ‘contra’ prevaleceu”, explicou. Dennis Hale, cientista político da Boston College, completa que a consulta sobre legalização do casamento gay foi derrotada em 37 estados desde 2006.

Bishin pontuou que os resultados são relevantes também porque o Partido Republicano tem, historicamente, usado referendos de direitos dos homossexuais para mobilizar eleitores a ganhar em outras votações. O analista acredita que essa estratégia pode ter chegado ao fim. Agora, segundo Hale, os legisladores estaduais terão que aprovar novas leis de casamento. “Não é algo exatamente difícil, mas provavelmente causará debates intensos”, estimou.

Maconha O Colorado aprovou o “referendo da maconha” com 54% dos votos a favor e 46% contra, enquanto em Washington o resultado foi 55% contra 45%, segundo a emissora CNN. Com essa proposta, a droga deve ser tributada e vendida para maiores de 21 anos em lojas especializadas. Na capital do Estado, Oregon, o projeto foi rejeitado por 56% dos eleitores, enquanto no Estado de Massachusetts será permitido o uso apenas medicinal da droga, tornando-se o 18º da nação a adotar a iniciativa.

Beau Kilmer, vice-diretor do Instituto de Pesquisas de Políticas de Drogas da empresa de análises RAND (Califórnia), ressaltou que, até terça-feira, nenhum país voltou atrás na decisão de aprovar o uso não medicinal da maconha. “Nem mesmo a Holanda”, assinalou, em referência mais lembrada em relação a esse tema. Ethan Nadelmann, diretor-executivo da organização norte-americana Drug Policy Alliance (Aliança de Política para Drogas, em tradução livre), disse se sentir orgulhoso por ser norte-americano e por sua nação ser pioneira no desenvolvimento do uso do entorpecente de modo recreativo. Ele considera que a aprovação foi uma vitória dos jovens e grupos independentes e recordou que o governador do Colorado já havia confirmado que implementaria a lei sem problemas.

A droga ainda é proibida pelo governo federal norte-americano, motivo pelo qual ainda não se sabe como o Estado responderá à legalização local. “De um lado, o Ministério Público pode reprimir os produtores e revendedores, como fez com os comerciantes de maconha medicinal na Califórnia e no Colorado. De outro, as agências federais podem escolher não se envolver no assunto”, analisou Kilmer. “Há ainda uma terceira opção, que essas instituições usem seu poder para ajudar a estabelecer como a maconha seria produzida e distribuída em nível estadual, impondo uma forma de regulação”, acrescentou.

Outros temas

Além do casamento entre pessoas do mesmo sexo e de questões ligadas ao uso da maconha, outros itens foram votados em mais de um estado. Veja quais são.

Assistência médica Após a implementação da lei do presidente Barack Obama sobre acesso a cuidados médicos, o Affordable Care Act, os estados do Alabama, Flórida, Montana, Wyoming puderam determinar se indivíduos e empresas devem ser obrigados a adotar um plano de saúde. A medida simbólica foi aprovada anteriormente pelo Arizona, Missouri, Ohio e Oklahoma. Os moradores dos quatro estados votaram pelo direito de escolherem ter ou não um plano de saúde.

Impostos Os eleitores tiveram de votar em 31 medidas relacionadas a impostos, das quais a maioria estabelecia pequenas alterações no código tributário. A população do Arizona, Califórnia, Colorado, Dakota do Sul, Flórida, Louisiana, Michigan, Missouri, New Hampshire, Oklahoma, Oregon e Washington precisou ir às urnas para analisar pelo menos um item ligado a eliminação, redução ou aumento de tributos. Parte dos resultados ainda estava sendo apurada até o fechamento desta edição.

Emissão de títulos Ao todo, 17 propostas ligadas à emissão de títulos de dívida pública por parte dos estados — no valor total de US$ 4,3 bilhões — foram submetidas à aprovação popular, iniciativa que ganhou força após a crise financeira que assolou os Estados Unidos. Os estados do Alabama, Alasca, Arkansas, Maine, Nova Jersey e Novo México e Oklahoma e Rhode Island fizeram consultas populares a respeito, mas a apuração dos resultados não havia sido concluída até a noite de ontem.

Fonte: Initiative & Referendum Institute Ballotwatch.