Título: Sem tempo para festa
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2012, Mundo, p. 26

Reeleito, Obama terá que negociar com republicanos do Congresso para acelerar a economia. Outro desafio será a política externa

O presidente Barack Obama pôde, enfim, respirar. Mas descansar ainda está longe dos seus planos. Depois de conquistar a reeleição em uma batalha acirrada com o republicano Mitt Romney, o líder democrata terá pela frente grandes tarefas a cumprir. “Nós temos muito trabalho a fazer”, disse o presidente, diante de uma plateia que o ovacionou durante os 20 minutos de seu discurso emocionado (leia trechos nesta página), já na madrugada de ontem, no McCormick Place Lakeside Center, em Chicago. Antes mesmo de sua posse, em 20 de janeiro, Obama precisará negociar com um Congresso dividido — os republicanos controlam a Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados) e os democratas, o Senado — o maior desafio do país neste momento. Conhecido como “abismo fiscal”, um possível aumento de impostos combinado com cortes de gastos automáticos ameaça arrastar o país para uma nova recessão.

À parte dos assuntos domésticos, governos mundo afora estarão de olho em como se desdobrará a agenda internacional no segundo mandato do democrata. Embora leve de herança a captura e a morte do terrorista saudita Osama bin Laden, o fim dos combates no Iraque e o começo da retirada das tropas do Afeganistão, Obama precisará lidar com as tensões em torno das ambições nucleares do Irã e a ameaça de um ataque israelense às instalações deste país. “Havia um temor de que algo ocorresse antes das eleições. Agora, pode ser a qualquer momento”, opinou o cientista político da Universidade de Iowa Tim Hagle, um veterano no processo eleitoral americano. Hagle ponderou que, se Israel decidir levar a cabo uma ação militar contra o Irã, isso teria uma reação imediata no mundo árabe e, claro, nos EUA. “Se algo ocorrer, será uma situação muito difícil para o presidente.”

Mas a primeira preocupação de Obama é mesmo dentro de casa. Entre suas prioridades, estão a recuperação econômica, uma dívida nacional de US$ 16 trilhões e a realidade de pelo menos 23 milhões de americanos desempregados. Na busca de soluções, enfrentará um Congresso dividido. Desde que seu partido perdeu a maioria absoluta na Câmara dos Representantes (o equivalente à Câmara dos Deputados) nas eleições legislativas de 2010, o mandatário vem travando uma verdadeira queda de braço com a oposição. Com a renovação de parte das cadeiras nas duas Casas nas eleições de terça-feira, o controle partidário permanece inalterado, com o Senado em poder dos democratas. Para avançar em seus planos, o líder precisará negociar.

O primeiro compromisso na agenda é o “abismo fiscal” (leia na página 27), que ameaça deixar um rombo de US$ 600 bilhões na economia americana. Hagle explica que alguns cortes de impostos e reduções fiscais expirarão no fim do ano e, se o Congresso não fizer nada, haverá aumento de encargos para grande parte da população. “É exatamente o que o presidente Obama quer evitar”, ponderou. Isso, combinado com um acordo sobre o corte de gastos, no qual o presidente pretende fazer, em grande medida, na defesa, desagrada aos republicanos e promete um fim de ano difícil em Washington.

Divisão

Saindo de uma eleição extremamente polarizada, republicanos e democratas precisarão encontrar um uníssono. O resultado mostrou quão dividido está o país. Apesar de conquistar um número confortável de delegados — 303 comparados aos 206 de Romney —, Obama teve uma vitória apertada no voto popular: 50,4% contra 48,1%. “A margem no voto popular em vários estados foi muito mais apertada do que quatro anos atrás”, explicou Hagle. Por isso mesmo, a mensagem de união se somou ao discurso de “esperança”, presente em 2008.

Ao sair vencedor nas urnas, um emocionado Obama defendeu que os “laços que unem a nação mais diversificada da Terra” é o que a torna “excepcional” e “grande”. “Está na crença de que nosso destino é comum e que este país só funciona quando aceitamos certas obrigações para si e para as gerações futuras”. “Hoje à noite (ontem), apesar de todas as dificuldades que passamos, apesar de todas as frustrações de Washington, nunca estive mais esperançoso sobre nosso futuro. Nunca estive mais esperançoso sobre a América.”

Sua governabilidade dependerá exatamente disso. O cientista político analisou que democratas e republicanos, a certa altura, precisarão abrir mão de suas convicções para chegar a um acordo. “Infelizmente, seus princípios não estão sintonizados e volta e meia eles entram em choque”, disse Hagle. Obama pareceu disposto a negociar. Na madrugada de ontem, ele sinalizou para um tom bipartidário e disse que convidou Romney a falar “sobre onde podemos trabalhar juntos para levar este país adiante”.

Ainda em Chicago, ontem pela manhã, o democrata telefonou para líderes parlamentares dos dois partidos e expressou o compromisso de trabalhar pela redução do deficit e dos impostos, como informou a Casa Branca. “O presidente disse acreditar que o povo americano enviou uma mensagem na eleição de ontem (terça-feira) de que os líderes dos dois partidos precisam deixar de lado suas ambições, trabalhar em propósitos comuns e colocar os interesses do povo e da economia americanos em primeiro lugar”, afirmava a mensagem divulgada. Depois de passar a noite em sua residência em Chicago, onde o presidente iniciou sua carreira política, a família Obama retornou ontem a Washington.