O Estado de São Paulo, n. 46069, 05/12/2019. Política, p. A4

 

Versão esvaziada de pacote de Moro passa na Câmara

Renato Onofre

Breno Pires

Camila Turtelli

05/12/2019

 

 

Anticrime. Deputados aprovam, após dez meses de negociação, texto desidratado de projeto apresentado em fevereiro pelo ministro da Justiça e ex-juiz da Operação Lava Jato    

Propostas. Ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentou pacote anticrime ao Congresso

Após dez meses de negociações, a Câmara aprovou ontem, por 408 votos a favor, 9 contra e 2 abstenções, o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, desidratado e sem as principais propostas apresentadas em fevereiro pelo ex-juiz da Lava Jato. O resultado representa uma derrota para Moro e para a “bancada lavajatista”, que até o último momento defendeu a aprovação do texto original. Dois pontos considerados cruciais – prisão após condenação em segunda instância e trecho que ampliava o excludente de ilicitude, tratado por políticos como licença para matar – ficaram de fora.

Além disso, após a aprovação do texto-base do pacote, a maioria (256 a favor e 147 contra) rejeitou destaque apresentado pelo Novo que pretendia remover do texto a figura do juiz de garantia. Pelo projeto aprovado, um juiz deve conduzir a investigação criminal, mas o recebimento da denúncia e a sentença ficam a cargo de outro magistrado. A discussão sobre esse ponto rendeu os principais momentos de disputa no plenário entre apoiadores e opositores de Moro, que diziam querer evitar um “juiz parcial”.

O próprio ministro chegou a telefonar para deputados, alguns da bancada evangélica, pedindo que votassem a favor do destaque, mas não foi bem-sucedido. Moro esteve ontem no Congresso, repetindo uma ação dos últimos dois meses, quando participou de almoços e jantares com bancadas e líderes, na tentativa de convencer os parlamentares a aprovar o texto original. Antes de votação, Moro fez um esforço final e se reuniu duas vezes com deputados do Centrão – formado por DEM, PP, PL, Solidariedade e Republicanos –, buscando reverter a derrota que já se desenhava ao longo do dia.

No encontro com deputados do DEM, Moro apelou para resgatar alguns trechos, afirmando que a opinião pública era favorável ao projeto. O ministro se queixou de pontos considerados cruciais, que haviam sido suprimidos, como a execução antecipada da pena. O texto final resultou da atuação do grupo de trabalho criado em março pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para fundir o pacote de Moro com os projetos propostos por uma comissão de juristas, encabeçada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

O pacote segue agora para o Senado e, antes de ser apreciado no plenário, passará por comissões. No Twitter, Moro admitiu a necessidade de mudanças no pacote que passou pelo crivo da Câmara. “Há avanços importantes. Congratulações aos deputados. (Mas) Há necessidade de algumas mudanças no texto. Continuaremos dialogando com CN (Congresso Nacional), para aprimorar o PL (projeto de lei)”, escreveu o ministro, após a votação.

Moro viu fracassar, além do excludente de ilicitude e da prisão em segunda instância, a tentativa de resgatar o “plea bargain”, que daria a possibilidade de acusados confessarem crimes em troca de pena menor. O instrumento já existe no Código Penal dos Estados Unidos.

Concessões. Em seis horas de negociações a portas fechadas, ontem, deputados da oposição e do Centrão cederam em apenas quatro dos quase 30 pontos que Moro e a bancada da bala queriam retomar. Entre eles, a permissão da Justiça para autorizar a gravação da conversa entre advogados e presos em presídios de segurança máxima, caso o defensor fosse considerado suspeito. Foi aprovado, ainda, o cumprimento imediato da sentença do tribunal do júri, quando a pena for a partir de 15 anos.

Os deputados também aceitaram que agentes da segurança infiltrados possam produzir provas que levem à prisão de suspeitos, desde que exista uma operação em curso. Na prática, um policial disfarçado poderá tentar comprar drogas de um traficante investigado e usar a ação para provar o crime. Outra alteração negociada pelo grupo e pelo ministro que voltou ao pacote foi o fim da progressão de pena para condenados ligados a organizações criminosas como PCC, Comando Vermelho ou milícia.

“O texto é o do grupo de trabalho, e não o do Moro. Nós derrotamos Sérgio Moro”, afirmou o líder do PCdoB, Orlando Silva (SP). “Conseguimos evitar tragédias. O combate ao crime não está nas mãos de nenhum super-herói”, afirmou o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ).

Antes, no Senado, Moro havia cobrado rapidez dos parlamentares na votação da proposta sobre execução antecipada da pena. “Nós precisamos, sim, enfrentar o problema da impunidade e da criminalidade”, afirmou. “Não haveria melhor mensagem do que o restabelecimento da prisão após segunda instância.”

Para o deputado Capitão Augusto (PL-SP), da bancada da bala e relator da proposta no grupo de trabalho criado por Maia, não houve derrota. “De 100%, o relatório está contemplando quase 70% (das propostas). Dentro do meio político é algo para se considerar.”

Desde que chegou à Câmara, o projeto de Moro foi alvo de controvérsias. O ministro tentou pressionar Maia para acelerar a tramitação da proposta, causando mal-estar com o Legislativo. Maia chegou a dizer que a Câmara não abriria mão de propostas de comissão liderada por Alexandre de Moraes por causa da “vaidade” do exjuiz. “Chegamos a um resultado que talvez nunca acreditássemos que chegaríamos na Casa”, disse Maia, ontem.

PROPOSTA INICIAL

- Segunda instância

Assegurar o cumprimento da pena após duas condenações

- Criminalização do caixa 2

Transformar prática em crime, com pena de 2 a 5 anos de prisão

- Progressão de regime para crimes hediondos

Somente após o cumprimento de três quintos da pena 

- ‘Plea bargain’

Possibilidade de acordo penal para todos os crimes

- Bens do crime

Autoriza confisco de propriedades de condenados

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Comissão do Senado pauta prisão após 2ª instância

Daniel Weterman

05/12/2019

 

 

Senadores passam por cima de acordo costurado por presidente da Casa e CCJ vai analisar projeto de lei

A tramitação da proposta que restabelece a prisão após condenação em segunda instância virou uma queda de braço no Congresso. Até aliados do Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiram passar por cima de um acordo costurado por ele com a Câmara para que a análise da proposta ficasse apenas para 2020.

Em uma reviravolta liderada por parlamentares considerados “lavajatistas”, com apoio de antigos apoiadores de Alcolumbre, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado marcou a votação de projeto de lei sobre o tema para a próxima terça-feira.

O movimento de 43 senadores, batizado como “revolta dos liderados”, contrariou Alcolumbre. Logo cedo, o grupo entregou um manifesto à presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), pedindo que o texto do Senado a respeito do assunto fosse apreciado logo. Na prática, a votação de um projeto de lei é sempre mais rápida, porque, para ser aprovada, exige maioria simples. As cúpulas da Câmara e do Senado, no entanto, haviam concordado, com apoio de líderes dos partidos, em analisar primeiro uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema.

A PEC está na Câmara, mas o problema é que, para receber sinal verde do Congresso, precisa do apoio de 49 dos 81 senadores e de 308 dos 513 deputados. Trata-se, portanto, de uma tramitação muito mais lenta e difícil. A estratégia de recorrer à PEC é vista por lavajatistas como uma forma de postergar a votação.

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, no mês passado, a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância – um julgamento que permitiu a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Corte entendeu que a execução da pena não pode ser antecipada até todos os recursos judiciais chegarem ao fim.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, defendeu ontem, mais uma vez, rapidez na votação de uma proposta. “Se tem uma maioria dentro do Congresso para aprovar essa medida, não vejo lá muito sentido para postergação. Na perspectiva da Justiça e da Segurança Pública, quanto antes, melhor.”

Moro disse que tanto uma PEC quanto um projeto de lei alterando o Código de Processo Penal para autorizar a prisão após condenação em segunda instância podem ser votados paralelamente.