O Estado de São Paulo, n. 46069, 05/12/2019. Política, p. A8

 

Juiz absolve Lula e Dilma no 'quadrilhão'

Rafael Moraes Moura

05/12/2019

 

 

Maqistrado do DF vê, em denúncia de Janot, uma “tentativa de criminalizar a politica'; decisão livra também Palocci, Mantega e Vaccari

A Justiça Federal do Distrito Federal absolveu ontem os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto no caso que ficou conhecido como “quadrilhão do PT”. Os cinco viraram réus por organização criminosa, mas acabaram absolvidos por decisão do juiz Marcus Vinicius Reis Bastos.

“A denúncia apresentada, em verdade, traduz tentativa de criminalizar a atividade política. Adota determinada suposição – a da instalação de ‘organização criminosa’ que perdurou até o final do mandato da ex-presidente Dilma Vana Rousseff – apresentando-a como sendo a ‘verdade dos fatos’, sem nem sequer se dando ao trabalho de apontar os elementos essenciais à caracterização do crime de organização criminosa”, escreveu o juiz.

Para Reis Bastos, a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) “não contém os elementos constitutivos” do delito previsto na lei relativa à organização criminosa. “A narrativa que encerra não permite concluir, sequer em tese, pela existência de uma associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada, com divisão de tarefas, alguma forma de hierarquia e estabilidade.”

Em outubro, a procuradora da República no Distrito Federal Marcia Brandão Zollinger se manifestou pela absolvição sumária dos petistas. Segundo ela, “a utilização distorcida da responsabilização penal, como no caso dos autos de imputação de organização criminosa sem os elementos do tipo objetivo e subjetivo, provoca efeitos nocivos à democracia, dentre eles a grave crise de credibilidade e de legitimação do poder político”.

Ao apresentar a denúncia, no dia 5 de setembro de 2017, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, alegou que, pelo menos desde meados de 2002 até 12 de maio de 2016, os denunciados “integraram e estruturaram uma organização criminosa” com atuação durante o período em que Lula e Dilma ocuparam a Presidência da República. Ainda segundo a Procuradoria, os acusados se uniram “para cometimento de uma miríade de delitos, em especial contra a administração pública em geral”.

De acordo com Janot, o esquema de corrupção instalado na Petrobrás, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e no Ministério do Planejamento permitiu que os políticos denunciados recebessem, a título de propina, pelo menos R$ 1,48 bilhão.

A investigação relativa ao “quadrilhão do PT” foi aberta na primeira leva de inquéritos pedidos por Janot ao Supremo Tribunal Federal na Lava Jato, em março de 2015. Durante as investigações, a própria PGR solicitou o fatiamento do inquérito em quatro partes para investigar, separadamente, políticos do PT, do PP, do MDB da Câmara e do MDB do Senado.

Na época da apresentação da denúncia, o PT afirmou que a acusação era “fruto de delírio acusatório, ou, mais grave, do uso do cargo para perseguição política”. A defesa de Lula disse que o petista “não praticou qualquer crime e muito menos participou de uma organização criminosa”. Dilma, Palocci e Mantega não se manifestaram na ocasião. O advogado de Vaccari reiterou ontem que “jamais existiu a materialidade do crime de organização criminosa”.

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Supremo exige comunicação formal para repasse de informações da UIF

Rafael Moraes Moura

Marcio Dolzan

05/12/2019

 

 

Advogados de Flávio Bolsonaro afirmam que MP-RJ requisitou dados fiscais de órgão por email; promotores negam  

 

Dados. Ministros discutiram tese do julgamento sobre o compartilhamento de dados de órgãos de fiscalização e controle com Polícia e Ministério Público

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu ontem o julgamento em que autorizou o amplo compartilhamento de informações da Receita Federal e da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o antigo Coaf, sem necessidade de prévia autorização judicial. Os ministros decidiram que o repasse de dados sigilosos de órgãos de fiscalização para o Ministério Público (MP) e a Polícia deve ser feito por meio de comunicações formais, e não por e-mails ou telefone, por exemplo.

Numa tentativa de suspender a investigação do caso Queiroz, a defesa do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) argumenta que o MP pediu, por email, dados de movimentações financeiras do filho do presidente Jair Bolsonaro sem que houvesse um inquérito em andamento. Os advogados tentam paralisar a apuração de um suposto esquema de “rachadinha”, quando funcionários devolvem parte do salário para um político, envolvendo o exassessor parlamentar Fabrício Queiroz, que trabalhou no gabinete de Flávio. O caso foi revelado pelo Estado no ano passado.

O MP-RJ negou ontem que tenha requisitado à UIF os dados de Flávio sem que houvesse uma investigação formal em andamento. Os promotores divulgaram um ofício para comprovar que todas as comunicações com o órgão de controle foram feitas por meio dos sistemas legais, e não por email. Em nota, o MP afirmou que “sempre atuou dentro dos parâmetros oficiais e legais em todas as suas solicitações aos órgãos de inteligência, observando rigorosamente os protocolos”.

O ministro Gilmar Mendes citou o pedido da defesa de Flávio ao votar, na semana passada. “Destaca-se a presença, nos autos, de e-mail enviado pelo MPRJ, em que solicitou ao Coaf, a partir do compartilhamento inicial do RIF 27.746, (relatório de inteligência financeira) a ampliação das informações prestadas, o que foi prontamente realizado pelo Coaf e deu origem a um novo relatório, também compartilhado com o MP-RJ”.

Na semana passada, foram derrubadas duas liminares que beneficiavam Flávio, permitindo a retomada das investigações contra ele. Procurada, a defesa de Flávio informou que não se manifestaria sobre o julgamento do Supremo.

Dentro da Corte, é dado como certo que os advogados do filho do presidente vão “fazer de tudo” para interromper o caso mais uma vez.

Aprovada por 10 votos a 1, a tese definida pelos integrantes do Supremo (uma espécie de resumo com a posição da Corte sobre o tema) estabelece que o compartilhamento de informações reservadas deve ser feito apenas por meio de “comunicações formais”, com garantia de sigilo e “instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios”.

“Não pode por e-mail, não pode por telefone, não pode por WhatsApp, até porque no mundo todo não pode”, disse o ministro Alexandre de Moraes, depois do julgamento.

Indagado se o entendimento firmado pelo Supremo pode abrir brecha para beneficiar Flávio, Moraes disse que não conhece o caso concreto do parlamentar. “Cada caso tem que ser analisado”, afirmou.

Para Moraes, o Ministério Público pode pedir complementação de informações se está investigando uma organização criminosa, por exemplo. “Desde que haja ligação investigativa, não tem problema nenhum. Tudo tem que ficar documentado. E-mail não, WhatsApp não, isso é para quem tem preguiça de fazer ofício. Estamos falando da vida e da intimidade de pessoas. Isso não atrasa nada, até porque, salvo um caso ou outro, é tudo por meio eletrônico”, comentou Moraes.

“A minha experiência como promotor e secretário de Segurança, 99,9% dos casos quando chega a informação, se pede a informação, já é formalizada (a investigação). Mas é importante colocar isso. E, o procedimento, a UIF mandou, a Receita mandou, tem que ser também um procedimento formal que fique registrado quem mandou e o destinatário. Que também em 99,9% dos casos é assim que funciona”, disse o ministro.

Sigilo. No outro ponto da tese, a Corte entendeu que é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra de procedimentos da Receita Federal com o Ministério Público e a Polícia, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial. O Supremo também frisou que essas informações devem ser mantidas sob sigilo.

Na semana passada, por 9 a 2, o Supremo autorizou o compartilhamento de informações sigilosas da Receita, sem necessidade de prévia autorização judicial. Diante de um placar que iria lhe impor uma derrota, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, alterou o voto e aderiu à ala vencedora, que permite o repasse de dados sensíveis e detalhados, como extratos bancários e declarações de imposto.

Registros

“Tudo tem que ficar documentado. E-mail não, WhatsApp não, isso é para quem tem preguiça de fazer ofício. Estamos falando da vida e da intimidade de pessoas. Isso não atrasa nada, já é tudo por meio eletrônico.”

 Alexandre de Moraes

MINISTRO DO SUPREMO