Correio braziliense, n. 20526, 02/08/2019. Política, p. 4

 

Desaparecidos: comissão muda

Rodolfo Costa

Ingrid Soares

02/08/2019

 

 

A polêmica levantada pelo presidente Jair Bolsonaro acerca do desaparecimento, durante a ditadura militar, do advogado Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, continua. O governo mudou quatro integrantes da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. O chefe do Executivo justificou a mudança alegando se tratar da nova gestão que, ressaltou, é “de direita”.

A presidente do colegiado, Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, foi substituída por Marco Vinicius Pereira de Carvalho, advogado filiado ao PSL e ex-assessor da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), líder da legenda na Câmara, dará lugar ao deputado federal Filipe Barros (PSL-PR), vice-líder do partido na Casa.

Além de inserir membros do PSL, Bolsonaro também indicou pessoas ligadas às Forças Armadas. Ex-integrante da Comissão da Verdade, Rosa Maria Cardoso da Cunha foi substituída por Weslei Antônio Maretti, coronel reformado do Exército. Coronel da reserva e ex-deputado, João Batista da Silva Fagundes dará lugar a Vital Lima Santos, oficial do Exército.

Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos informou, em nota, que, apesar de concluídas ontem, as mudanças foram solicitadas em 28 de maio, como parte de “iniciativa para otimizar os trabalhos”. “O interesse deste ministério é acelerar o serviço para que os familiares requerentes obtenham as respostas sobre o paradeiro de seus entes queridos.”

A informação, no entanto, é questionada por Eugênia Fávero. Ela ficou sabendo da exoneração ontem, por meio da imprensa e convocou uma coletiva em que não poupou críticas ao governo. “Não entregar os corpos é barbárie, não política de governo. A gente vê com apreensão (as alterações). É uma tentativa de frustrar os objetivos pelos quais a comissão foi criada. Vai ser difícil destruir o que já fizemos, mas temos o temor de que isso aconteça”, afirmou. Participaram da entrevista familiares de vítimas da ditadura, igualmente indignadas.

Posicionamento

A troca na presidência ocorre dias depois de Eugênia criticar Bolsonaro. Para o presidente da República, foi uma coincidência. “Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Pode ser (coincidência). As coisas são tratadas dessa maneira”, afirmou. Ele deixou claro, contudo, que as mudanças decorrem do posicionamento do novo governo. “O motivo (é) que mudou o presidente. Agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente”, declarou.

A comissão foi criada em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, em decorrência da Lei nº 9.140. O objetivo é auxiliar no reconhecimento de vítimas da ditadura, mortas sob tortura ou em outras circunstâncias envolvendo agentes do regime militar. No ato da promulgação da lei, 136 desaparecidos foram reconhecidos. Entre eles, Fernando Santa Cruz. O colegiado tem sete membros: três membros dos familiares das vítimas, um parlamentar, um integrante do Ministério Público Federal e um do Ministério da Defesa.

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Corpos incinerados na ditadura

 

 

 

 

 

Vera Batista

02/08/2019

 

 

 

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) Cláudio Antônio Guerra, 79 anos, pelo crime de ocultação e destruição de 12 cadáveres, entre 1973 e 1975, por meio de incineração em fornos da Usina Cambahyba, em Campos, norte fluminense. Entre eles, o corpo de Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, do pai do presidente da OAB, Felipe de Santa Cruz Oliveira.

No início da semana, o presidente Jair Bolsonaro declarou ter informações de que Fernando Augusto, que militou na organização Ação Popular (AP), teria sido morto pelos próprios companheiros. No livro Uma guerra suja, porém, o ex-delegado relata que, de 1973 a 1975, recolheu no imóvel conhecido como “Casa da Morte”, em Petrópolis (RJ), e no Destacamento de Operação de Informação e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na Tijuca, os corpos de 12 pessoas, levando-os para o município de Campos dos Goytacazes, onde foram incinerados. Um deles era o de Fernando Santa Cruz Oliveira.

Para o procurador da República Ghilherme Garcia Virgílio, autor da denúncia, Cláudio Guerra agiu por motivo torpe para  “assegurar a impunidade de crimes de tortura e homicídio praticados por terceiros, com abuso de poder e violação do dever inerente do cargo de delegado de polícia que exercia no estado do Espírito Santo”. Na ação, além da condenação do ex-agente, o MPF pede o cancelamento de eventual aposentadoria dele ou qualquer provento que receba em razão de ter sido agente público.

Guerra prestou diversos depoimentos à Procuradoria da República no Espírito Santo. Além da confissão, testemunhas e documentos confirmaram a autenticidade dos relatos. As 12 pessoas citadas por Guerra constam na lista de 136 dadas por desaparecidas nos termos da Lei n° 9.140, de 1995. O texto “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”.

Em seu depoimento, Cláudio Guerra relatou que os órgãos de informação se preocupavam com as repercussões na imprensa quando eram encontrados corpos de pessoas eliminadas pelo regime.  Nesse contexto, informou que sugeriu o forno da Usina Cambahyba como forma de eliminação sem deixar rastros.