O globo, n.31418, 14/08/2019. Artigos, p. 02

 

Almas penadas 

Merval Pereira 

14/08/2019

 

 

O próximo dia 27, uma terça-feira, pode ser decisivo para a sobrevivência da Operação Lava-Jato. Nesse dia estão marcados dois julgamentos cruciais, um no Supremo Tribunal Federal, outro no Conselho Nacional do Ministério Público.
A Segunda Turma do STF vai retomar o julgamento do habeas-corpus do ex-presidente Lula, que já tem dois votos contrários, os dos ministros Edson Facchin e Carmem Lucia. O voto do decano Celso de Melo deve ser o de desempate, pois o mais provável é que Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votem a favor do habeas-corpus.
No Conselho Nacional do Ministério Público, haverá julgamento da tentativa de reabrir um processo contra o coordenador dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol.
A coincidência dos dois julgamentos pode ser explosiva, caso os resultados sejam percebidos pela opinião pública como uma tentativa de freio na Operação Lava-Jato.
Mas há também a coincidência por trás dos dois julgamentos, as mensagens trocadas entre Moro e Dallagnol, e entre este e seus colegas procuradores. Conseguidas ilegalmente, através de hackeamento, cujos suspeitos de autoria estão presos, e pelo menos um confessou.
No julgamento do habeas-corpus de Lula, a base é a suposta parcialidade do então Juiz Sérgio Moro. Começou antes da divulgação pelo site Intercept Brasil dos diálogos, e não usa as reproduções como prova, por serem ilegais.
A defesa fez apenas um apensamento dos diálogos aos autos do processo, como a lembrar aos juízes que eles existem. Mas, como foram obtidos de maneira ilegal e não foram periciados, não é possível alegá-los como razão para a anulação do julgamento que condenou Lula. Se não estão nos autos, não estão no mundo, diz-se nos meios jurídicos.
Mesmo assim, eles pairam sobre a cabeça dos juízes como almas do outro mundo, que não existem, mas assustam. Como elementos a pesar no julgamento, mas que, ao mesmo tempo, podem contaminar as decisões.
O caso do Conselho Nacional do Ministério Público é mais grave. A representação formulada contra Dallagnol pelos conselheiro Leonardo Accioly, Eric Venâncio, Luiz Fernando Bandeira de Mello e Gustavo Rocha se baseia nos diálogos publicados, e foi arquivada monocraticamente pelo corregedor Rochadel exatamente por serem inaproveitáveis.
Pois ontem, dois deles, Accioly e Venâncio, pediram a reabertura do caso, para que o plenário decida. Foi escolhido um relator, e no dia 27 ele dará seu parecer, que será votado. O Conselho é formado por 12 membros, sendo que seis são do Ministério Público.
Por enquanto, tudo indica que não há maioria para punir Dallagnol. Mas alguns membros do Conselho terão que se submeter ao Senado para renovação dos mandatos, e esse pode ser um fator de pressão ponderável, já que neste momento estão unidos para conter Lava-Jato o Congresso, a OAB, o STF, todos com representantes no Conselho.
Mesmo os membros do Ministério Público decidirão submetidos a esse estresse. Punições de processos disciplinares vão de advertência à expulsão do Ministério Público, mas todos os a que Dallagnol responde podem, no máximo, provocar uma advertência, segundo a avaliação de especialistas.
Interessante é que, nessa divulgação de trocas de mensagens entre Dallagnol e seus companheiros de Curitiba, ele ressalta a importância do apoio da opinião pública à Lava-Jato, para frear a ação de ministros do STF e de políticos.
Pois para o dia 25, um domingo, está sendo convocada uma manifestação nacional de apoio a Sérgio Moro e a Dallagnol, e contra a libertação de Lula. Ao mesmo tempo, há um movimento no Senado para abrir uma CPI já apelidada de Lava-Toga.
Como só os senadores podem processar os ministros do Supremo, essa é uma reação política para contrabalançar a pressão contra Moro e os procuradores de Curitiba. Moro continua o ministro mais popular do governo Bolsonaro, e Dallagnol, embora considerado pelo presidente "um esquerdista tipo PSOL", tem apoio até de seus seguidores para ser indicado como procurador-geral da República.