O globo, n.31418, 14/08/2019. País, p. 04

 

Estrutura em xeque 

Marcello Corrêa

Manoel Ventura 

14/08/2019

 

 

O governo resolveu fazer mudanças estruturais em dois órgãos cujos procedimentos levaram a críticas de autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Ainda nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro assinará medida provisória (MP) que transfere o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) do Ministério da Economia para o Banco Central (BC).

Em outra frente, a equipe econômica estuda transformar a área de fiscalização da Receita Federal em uma autarquia. Nos dois casos, o governo alega que o objetivo é evitar pressões políticas. Integrantes das instituições, no entanto, afirmam que há intenção de aparelhar os órgãos, envolvidos em investigações como a que pesa sobre o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

A transferência do Coaf para o BC já havia sido confirmada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O colunista do GLOBO Lauro Jardim antecipou ontem que a mudança será feita por meio de MP. De acordo com interlocutores de Guedes, é possível que o texto seja publicado ainda hoje. O “novo Coaf” passará a se chamar Unidade de Inteligência Estratégica.

No caso da Receita, a ideia em estudo é separar as atribuições de arrecadação e fiscalização, com essa parte virando uma agência, tendo inclusive mandato fixo para o presidente. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que esteve envolvido em escândalos recentemente, ficaria nessa nova estrutura.

AUDITORES CRITICAM

Os auditores fiscais reagiram mal à proposta. Eles veem no estudo uma reação às investigações conduzidas pela Receita que atingiram ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU).

— O órgão de fiscalização tributária no modelo de agência, e podendo ter várias pessoas de fora( da carreira ), afasta o órgão do interesse público e deixa mais próximo do interesse político. A ideia de trazer pessoas de fora é para trazer o aparelhamento do órgão. No meio desse tiroteio todo não me parece ser o momento mais adequado para isso—disse o presidente da Associação dos Auditores da Receita (Unafisco), Mauro Silva.

Para Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, a atuação da Receita e do Coaf no combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro está ameaçada.

— O meu receio é que essa troca de lugares seja apenas um pano de fundo para impedir o funcionamento do órgão. No caso do Coaf, vale lembrar, tudo começou quando houve aquela decisão (do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli), gerada pela solicitação do filho do presidente —disse Castello Branco.

No mês passado, Toffoli suspendeu, em caráter liminar, o uso de informações de órgãos de controle, como o Coaf e a Receita, sem autorização judicial. A decisão foi publicamente criticada pelo presidente do conselho, Roberto Leonel. Desde então, Guedes passou a ser pressionado a demiti-lo e começou a defender uma “solução institucional” para a questão.

Além da MP transferindo o Coaf para o BC, o governo vai propor uma emenda com o mesmo teor ao projeto de lei, já em tramitação, que institui a autonomia do Banco Central.

No início da noite de ontem, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, afirmou que a situação do Coaf não está definida e que existem apenas “ilações de momento”:

— Não há definição com relação a isso. Trata-se, obviamente, de ilações de momento, que poderão no futuro ser confirmadas ou não.

No caso da Receita, segundo fontes da equipe econômica, está em estudo transformar parte do órgão — hoje uma secretaria ligada ao Ministério da Economia —em uma autarquia independente, como uma agência reguladora.

AUTORIDADES NA MIRA

Nos últimos meses, investigações de auditores fiscais sobre autoridades têm gerado controvérsia. Decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu apurações sobre 133 contribuintes, destacando que entre estes alvos haviam integrantes da Corte. Anteontem, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), disse haver excessos na atuação do órgão.

Na avaliação de um integrante da equipe econômica, esse tipo de episódio tira energia da área do Fisco dedicada a formular políticas, como a reforma tributária. No desenho em estudo, enquanto a área de fiscalização seria transformada em agência, o braço de formulação de políticas ficaria soba Secretaria de Política Econômica (SPE), ligada ao Ministério da Economia.

—Na parte tributária,é preciso separar o que é papel arrecadador e fiscalizador do papel do formulador —disse um integrante da equipe econômica.

—Seriam funções de Estado, como o Ministério Público. A Receita ficaria blindada desse tipo de situação.

O time de Paulo Guedes começou a levantar exemplos internacionais par abalizara reforma na Receita. O modelo americano é um dos que está em análise. A Receita Federal dos Estados Unidos é uma agência do governo vinculada ao Departamento do Tesouro. O diretor do órgão é indicado pelo presidente do país e tem mandato de cinco anos. No Brasil, o secretário da Receita também é indicado pelo presidente, mas não tem mandato fixo. (Colaboraram André de Souza e Daniel Gullino)