O Estado de São Paulo, n. 46068, 04/12/2019. Política, p. A4

 

Fundo público eleitoral tem previsão de R$ 3,8 bi

Renato Onofre

04/12/2019

 

 

Financiamento. Relator de projeto de lei orçamentária anual destina valor R$ 1,8 bilhão superior à proposta enviada pelo governo para gastos em campanhas do ano que vem 

Plenário. Sessão do Congresso durante análise de vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro à minirreforma eleitoral

O Congresso deve dobrar o valor do fundo eleitoral proposto pelo governo de Jair Bolsonaro. O relator do projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE), finalizou a proposta ontem e destinou R$ 3,8 bilhões de recursos públicos para gastos em campanhas eleitorais no ano que vem. O valor é R$ 1,8 bilhão superior à proposta encaminhada pelo governo, que foi de R$ 2 bilhões.

O aumento de aproximadamente 120% do montante desembolsado nas eleições do ano passado, quando os partidos receberam R$ 1,7 bilhão da União, foi objeto de acordo entre quase todos os partidos da Câmara dos Deputados. Apenas Cidadania, Novo, Rede, Podemos e PSOL se posicionaram contra o aumento. Reservadamente, líderes partidários afirmaram ao Estado que a proposta do governo era inviável.

O fundo eleitoral é alimentado com dinheiro do Tesouro e se destina ao financiamento das campanhas dos candidatos. Foi criado em 2017 para compensar as perdas impostas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que dois anos antes, em 2015, proibiu doações de pessoas jurídicas.

A distribuição da verba para candidatos fica a critério das cúpulas partidárias, que, em geral, privilegiam políticos com mandato. Existe, ainda, o Fundo Partidário, que banca atividades do dia a dia das legendas.

O projeto que está sendo discutido agora ainda depende da aprovação dos parlamentares, mas a maioria dos líderes atua para que a quantia destinada ao fundo eleitoral seja a proposta por Domingos Neto.

Como mostrou o Estado, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, secretário licenciado da Casa Civil no governo de João Doria (PSDB), e o deputado Paulinho da Força (SP), que comanda o Solidariedade, lideram essa articulação.

O valor final do fundo ainda precisa ser votado pela Comissão Mista de Orçamento e pelo Congresso. O relator afirmou que os recursos extras virão da receita adicional aprovada pelos parlamentares, de R$ 7 bilhões, com base no pagamento de dividendos das empresas estatais. Domingos Neto assegurou que nenhum recurso da saúde ou educação será transferido para essa finalidade.

Guedes. Desde o início das negociações do Orçamento, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, era contra elevar a verba para o financiamento público das campanhas eleitorais. Antes mesmo de o Palácio do Planalto encaminhar o primeiro esboço do Orçamento, Guedes chegou a dizer a líderes que, por ele, só haveria a correção inflacionária em cima do valor pago na última eleição.

A vontade do ministro da Economia ficou no caminho e já na primeira proposta o governo apresentou nova cifra, aumentando o fundo para R$ 2,5 bilhões, com o objetivo de alimentar as campanhas eleitorais do ano que vem.

O valor, porém, caiu para R$ 2 bilhões após ser constatado erro no cálculo inicial feito pelo Ministério da Economia. Na ocasião, o partido Novo já havia apontado a falha.

Em setembro, durante a minirreforma eleitoral, o Congresso acabou com a vinculação obrigatória dos 30% das emendas no cálculo, abrindo brecha para que deputados e senadores aumentassem a quantia destinada a campanhas sem um critério definido. Este trecho da minirreforma foi vetado pelo presidente Bolsonaro, mas acabou sendo derrubado pelo Congresso na semana passada.

O líder do Novo, Marcel Van Hattem (RS), anunciou que vai tentar reverter a decisão. “É uma imagem que se passa para a sociedade muito ruim, num momento em que a gente continua numa crise. Não só mantiveram aquilo que está previsto como praticamente dobraram. Vamos tentar emendar e denunciar isso”, afirmou Van Hattem.

Desde que o Supremo proibiu que empresas bancassem campanhas, os líderes partidários aumentam sistematicamente o montante de recursos públicos destinados a elas. Na época, a Corte entendeu que a doação empresarial violava princípios democráticos da igualdade de forças na disputa eleitoral, representando captura do processo político pelo poder econômico.

Propaganda.  Na sessão de ontem, o Congresso manteve o veto de Bolsonaro ao trecho da minirreforma eleitoral aprovada neste ano que recria a propaganda partidária em rádio e TV. Somente em 2018, o tempo reservado a essas aparições dos candidatos custou aos cofres públicos R$ 1 bilhão. Em quatro anos, o ciclo de eleições provocou uma perda de arrecadação da ordem de R$ 2,216 bilhões, segundo dados da Receita Federal divulgados à época.

O Congresso ainda precisa analisar os vetos de Bolsonaro a outros trechos da minirreforma eleitoral, como o artigo que permite uso de dinheiro público para pagamento de despesas dos partidos e a possibilidade de pagamento de multas eleitorais com recursos públicos do Fundo Partidário.

CIFRAS

R$ 1,7 bi

foi o valor recebido da União pelos partidos nas eleições do ano passado.

R$ 3,7 bi

foi o valor do fundo eleitoral proposto em julho pelo Congresso para 2020.

R$ 2 bi

foi o valor proposto pelo governo Jair Bolsonaro para o fundo eleitoral do ano que vem.

R$ 3,8 bi

é o valor do fundo eleitoral proposto agora pelo relator do projeto de Lei Orçamentária Anual.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Em retaliação ao governo, Congresso obstrui votações

Renato Onofre

Daniel Weterman

04/12/2019

 

 

Após veto a propaganda de partidos na TV ser mantido, parlamentares não votam crédito extra de R$ 22,8 bilhões

 Deputados e senadores deixaram de votar 24 projetos que garantiriam um total de R$ 22,8 bilhões para que os ministérios terminassem o ano cumprindo seus compromissos. A decisão foi tomada após o bloco de partidos conhecido como Centrão não conseguir derrubar vetos do presidente Jair Bolsonaro à propaganda partidária.

Os projetos do Palácio do Planalto que abrem crédito extra no Orçamento para diversos ministérios devem ficar sem análise do Congresso neste ano. Ontem, o veto à propaganda foi mantido por não haver votos suficientes no Senado para retomar o conteúdo da minirreforma eleitoral.

O Congresso deve apenas terminar de analisar dois vetos presidenciais que trancam a pauta e já partir para votação do Orçamento de 2020 no próximo dia 17. O líder da Maioria na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), afirmou que não há mais tempo para votar esses projetos de interesse do Palácio do Planalto. “Foi muita patinação. Aqui, a gente não tem clima para patinação”, disse.

Revolta. Integrantes do Centrão na Câmara se irritaram com senadores e com o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), por deixar que os vetos fossem mantidos.

Após a sessão, Alcolumbre saiu às pressas do Congresso sem falar com a imprensa.

O veto de Bolsonaro à propaganda partidária foi rejeitado por 277 votos na Câmara e por 39 no Senado. Para que fosse derrubado, no entanto, eram necessários 41 votos no Senado. Os partidos não terão direito a exibir a publicidade semestral das legendas no rádio e na TV.

Após o resultado, o Centrão entrou em obstrução e derrubou a sessão. O Congresso ainda precisa analisar outros vetos de Bolsonaro à minirreforma eleitoral, entre eles o pagamento de multas e débitos com o Fundo Partidário.