O globo, n.31417, 13/08/2019. Economia, p. 17

 

Sinal de alerta 

Cássia Almeida 

Renata Vieira 

João Sorima Neto 

Leo Branco

13/08/2019

 

 

Para analistas, país pode ter segundo trimestre seguido de queda no PIB

A deterioração do cenário externo — com a tensão comercial entre EUA e China e o avanço do partido de Cristina Kirchner nas prévias da eleição na Argentina — somada à conjuntura de atividade fraca podem empurrar o Brasil para o segundo trimestre seguido de resultados negativos na economia. Isso caracterizaria a chamada recessão técnica. Analistas já refazem as contas após a divulgação, ontem, do IBC-BR, índice do Banco Central que funciona como uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB) e apontou queda de 0,13% entre abril e junho. Os dados oficiais sobre o desempenho da economia serão divulgados pelo IBGE no fim do mês.

Na avaliação de especialistas, medidas recentes que

têm potencial para alavancar a economia, como a aprovação da reforma da Previdência, a liberação de recursos do FGTS e a mudança de regras no mercado de gás, só vão surtir efeito nos próximos trimestres. Ainda não há consenso entre os especialistas se a economia vai, de fato, cair ou se terá avanço próximo de zero no segundo trimestre, mas, por ora, o que prevalece nas previsões é a leitura de um cenário de queda em indústria, comércio e serviços.

— Os dados fechados do segundo trimestre mostram indústria (-0,7%), comércio (-0,30%) e serviços (-0,6%) caindo. Estamos prevendo alta de 0,4% no ano, o que já é otimista. O cenário externo está desafiador, e é possível que o dólar feche o ano na faixa de R$ 4. Isso pode ajudar as exportações, mas o custo é a pressão inflacionária, que fica mitigada porque a economia está fraca — explicou André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, que prevê queda de 0,2% do PIB no segundo trimestre.

“Difícil não ter queda no PIB”, resume, em relatório, o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, que também espera queda de 0,2% do PIB entre abril e junho. No primeiro trimestre, a economia já havia recuado 0,2%.

BC: PAÍS ESTÁ PREPARADO

Mesmo considerando as previsões negativas, especialistas ressaltam que, na recessão técnica, há possibilidade de recuperação no curto prazo. Dois trimestres de PIB negativo não significam que o país vai fechar o ano com retração na economia. Há possibilidade de melhora no segundo semestre. As projeções para 2019, porém, ainda se mantêm cautelosas, de acordo com a pesquisa Focus, e recuaram de 0,82%, na semana passada, para 0,81%.

No mercado financeiro, o dia de ontem foi de nervosismo, influenciado pelas primárias na Argentina. Os temores dos especialistas vão desde os sinais de contágio — o que já contribuiu para o aumento do risco-país ontem para 140 pontos —até uma piora no ambiente financeiro, com visões econômicas divergentes em Brasil e Argentina, caso o presidente Mauricio Macri perca a eleição.

—A possibilidade de volta do kirchnerismo na Argentina, principal parceiro comercial do Brasil no Mercosul, trouxe preocupações quanto aos rumos da economia. E o impasse nas negociações comerciais entre China e EUA continua sendo um pano de fundo para o mau humor dos investidores — afirmou Pedro Galdi, analista da Mirae Asset Wealth Management.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou ontem, em evento em São Paulo, que o mercado foi influenciado pela polarização política ao redor do mundo, evidenciada pelo resultado das primárias na Argentina, o que ainda pode trazer riscos para as economias emergentes com a casa mais bem arrumada, como o Brasil. Ele definiu o dia de ontem no mercado como “desafiador”, mas disse que “o Brasil está preparado".

Para Silvio Campos Neto, economista e sócio da consultoria Tendências, o cenário externo é preocupante, mas os bancos centrais estão reagindo e, do ponto de vista doméstico, “o Brasil está mais forte para resistir”:

— No quarto trimestre, o país já estará crescendo 1,3% frente ao mesmo período do ano passado — previu o economista, que espera um resultado entre zero e 0,1% de abril a junho, mas vê sinais de recuperação no segundo semestre com a queda dos juros, a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência no Senado e a liberação de recursos do FGTS.

CENÁRIO DE CAUTELA

Outros fatores, porém, pesam no front externo: o presidente americano Donald Trump colocou em xeque, na última sexta-feira, um encontro em setembro de negociadores chineses e americanos, o que trouxe ainda mais incerteza quanto à possibilidade de um entendimento comercial entre as duas maiores economias do mundo. Na Europa, também não há sinal de alento. A falta de acordo para o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) e o racha na coalizão do governo italiano elevam a aversão arisco.

— Preocupa essa nova rodada de mau humor externo. Isso pode ser ruim para o Brasil no momento que o país precisa de recursos para investimento. Acrise externa afasta o investidor estrangeiro, que vai procurar porto seguro nos títulos americanos —afirmou Silvia Matos, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Silvia estima um aumento de 0,3% do PIB no segundo trimestre e ressalta que houve melhoria na indústria de transformação enos serviços prestados às famílias. No ano, ela vê possibilidade de crescimento de 1,1%.

Luka Barbosa, economista do Itaú, avalia que o segundo trimestre será positivo em 0,5%, mas teme pelo resultado do terceiro trimestre. Como os números da atividade em junho foram negativos, com queda generalizada, a economia começou fraca em julho. O banco prevê PIB de 0,8% no ano:

— Não dá para descartar um trimestre negativo. A desaceleração da economia global afeta os preços das commodities e, histo ricamente, isso freia investimentos.

O mundo crescendo menos também prejudica nossas exportações, mesmo coma alta do dólar.

Ele lembra que, na virada de 2017 para 2018, o mundo crescia perto de 5%, agora está abaixo de 3%. Os indicadores industriais de Europa, China e Estados Unidos estão em queda, disse Barbosa.

—Essa nova rodada de pior apode levar o PIB acrescer 0,6% em 2019— avalia.

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Dólar fecha perto de R$ 4 com Argentina e guerra comercial 

13/08/2019

 

 

A derrota de Mauricio Macri nas primárias argentinas e a continuidade da disputa entre EUA e China fizeram o dólar comercial saltar 1,11% ontem, a R$ 3,98. No momento de maior estresse da sessão, a divisa americana atingiu R$ 4,012. Na Bolsa, o índice de referência Ibovespa caiu 2%, aos 101.915 pontos, também reagindo ao clima de aversão a risco no exterior, apagando a alta que vinha acumulando no mês. O dólar turismo era vendido acima de R$ 4,15 (em papel-moeda, com IOF) nas corretoras ontem à tarde.

As ações com maior peso no Ibovespa tiveram fortes quedas. As ordinárias (com voto) da Petrobras recuaram 2,58% a R$ 27,88 enquanto as preferenciais (sem voto) perderam 2,43% a R $25,63. Já as preferenciais do Itaú Unibanco se desvalorizaram 3,78%, a R$ 35,33, enquanto as do Bradesco recuaram 2,05% a R $33,77.

O diretor de câmbio da corretora Correparti, Ricardo Gomes, afirmou que a vantagem da esquerda nas eleições primárias da Argentina fez com que o risco país associado ao Brasil — medido pelo CDS (credit default swap, espécie de seguro contra calote) — subisse de 133 para 140 pontos.

— É uma elevação importante. A Argentina não estava no circuito na sexta-feira, e o risco brasileiro estava estável. Ele subiu porque há o medo do contágio. Além disso, numa possível vitória do kirchnerismo no vizinho, teremos dois países com visões antagônicas. E ambos são os maiores parceiros comerciais do Mercosul —explicou Gomes.