Título: Retórica caprichada contra a corrupção
Autor: Mader, Helena ; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 04/11/2012, Política, p. 5

Em três meses de julgamento, ministros utilizaram frases de efeito para definir a atuação da quadrilha

Nas 42 sessões do julgamento do mensalão, que consumiram quase três meses, os ministros capricharam na retórica para esmiuçar a participação de cada um dos 37 réus no esquema. Cármen Lúcia e Celso de Mello, por exemplo, aproveitaram seus votos para fazer duros discursos contra a corrupção no país. Não faltaram frases de efeito. O ministro Luiz Fux lançou mão de neologismos para tentar explicar a atuação de alguns dos integrantes da quadrilha do mensalão e criou a expressão "gestão tenebrosa" para resumir a participação do núcleo financeiro nas fraudes dos empréstimos fictícios. E o sempre poético presidente da Corte, Ayres Britto, descreveu "o gosto amargo" que sentem os juízes ao decretar a condenação de um réu. "Algo de vinagre, algo de féu fica no céu da boca do magistrado que se vê na obrigação de condenar alguém."

O Correio selecionou algumas frases simbólicas e marcantes de cada um dos 11 ministros que participaram do julgamento da Ação Penal 470. Por meio delas, é possível resumir o entendimento dos magistrados a respeito do escândalo que marcou o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Houve divergências importantes quanto à participação de alguns dos réus, entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Também houve quem refutasse a tese da Procuradoria Geral da República de que os recursos abasteceram um esquema de compra de apoio parlamentar e não o caixa dois de campanhas, como sustentaram as defesas. Mas todos foram unânimes ao reconhecer a existência de um esquema de corrupção envolvendo deputados, banqueiros e empresários.

Nas palavras do decano da Corte, Celso de Mello, os integrantes da quadrilha do mensalão agiram como "marginais do poder". Na sessão em que condenou 12 dos 13 réus acusados de corrupção passiva, ele afirmou que os participantes do esquema criminoso desqualificam as leis brasileiras. A ministra Cármen Lúcia desmontou a tese de que a arrecadação de recursos não passaria de caixa dois. Ela criticou duramente os advogados que tentaram livrar seus clientes com essa argumentação. "Caixa dois é crime, caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira. Mesmo que tivesse sido isso, isso não é pouco", afirmou a ministra.

Sem estabilidade Rosa Weber, indicada em dezembro do ano passado pela presidente Dilma Rousseff, abriu uma das principais divergências do julgamento e foi seguida por três colegas. Para a ministra, não é possível caracterizar a existência de uma quadrilha no esquema do mensalão. Ela entendeu que os acusados não formaram uma organização estável. "Não vislumbro a associação dos acusados para delinquir, para praticar indeterminadamente crimes. Houve mera coautoria", explicou Rosa, em um dos momentos em que teve maior protagonismo no julgamento.

O agora aposentado ministro Cezar Peluso chegou a julgar uma fatia do processo antes de deixar a Corte no fim de agosto. Em seu voto, condenou o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara, e lembrou que os atos do parlamentar comprometeram a respeitabilidade do Legislativo. "O delito está em pôr em risco o prestígio, a honorabilidade da função. Tratava-se da função de uma das mais importantes Casas do Legislativo", explicou Peluso.

Um dos embates mais importantes do processo ficou por conta da divergência entre relator e revisor sobre a participação do ex-ministro Dirceu. Barbosa condenou o antigo Chefe da Casa Civil pelo crime de corrupção ativa e o descreveu "como mandante das promessas de pagamento das vantagens indevidas a parlamentares para apoiar o governo". Já o revisor, Ricardo Lewandowski, absolveu o ex-ministro sob a alegação de falta de provas. "Não afasto a possibilidade de que José Dirceu tenha, de fato, participado desses eventos, não descarto que foi até mentor da trama criminosa, mas o fato é que isso não encontra ressonância na prova dos autos."

25 Total de réus condenados no julgamento do mensalão. O Supremo retoma a discussão sobre o cálculo das penas na próxima quarta-feira

O que eles disseram

Confira como os ministros do Supremo Tribunal Federal definiram o esquema do mensalão

"O conjunto probatório coloca o então ministro da Casa Civil (José Dirceu) na posição central da organização e da prática, como mandante das promessas de pagamento das vantagens indevidas a parlamentares para apoiar o governo" Joaquim Barbosa, relator

"Não afasto a possibilidade de que José Dirceu tenha, de fato, participado desses eventos, não descarto que foi até mentor da trama criminosa, mas o fato é que isso não encontra ressonância na prova dos autos" Ricardo Lewandowski, revisor

"Não vislumbro a associação dos acusados para delinquir, para praticar indeterminadamente crimes. Houve mera coautoria" Rosa Weber

"Na minha pré-compreensão de tudo que aqui foi exposto, está comprovada sobejamente a materialidade do crime de gestão fraudulenta. A entidade bancária serviu como lavanderia de dinheiro. O crime praticado não deveria ser de gestão fraudulenta ou gestão temerária, mas gestão tenebrosa" Luiz Fux

"Ficou demonstrado que a importância (recebida pelo deputado e ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha), na verdade, foi entregue ao réu por ordem de Delúbio Soares visando a realização de pesquisas eleitorais na região de Osasco" Dias Toffoli

"Acho estranho e muito, muito grave que alguém diga com toda a tranquilidade: "Ora, houve caixa dois". Caixa dois é crime, caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira. Caixa dois compromete. Mesmo que tivesse sido isso, isso não é pouco" Cármen Lúcia

"Falar em recursos não contabilizados como se tratasse de uma mera falha administrativa do processo eleitoral é o eufemismo dos eufemismos. Nós estamos a falar obviamente de outra coisa" Gilmar Mendes

"O delito está em pôr em risco o prestígio, a honorabilidade da função. Tratava-se da função de uma das mais importantes Casas do Legislativo. O denunciado, a meu ver, não poderia, sem cometer o crime de corrupção, ter aceitado esse dinheiro dos sócios da empresa que concorria a essa licitação" Cezar Peluso, aposentado durante o julgamento, participou apenas do primeiro capítulo

"Restou demonstrado, não bastasse a ordem natural das coisas, que José Dirceu realmente teve uma participação acentuada, a meu ver, nesse escabroso episódio" Marco Aurélio Mello

"Agentes corruptores, tanto públicos quanto privados, e parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos devidamente comprovados, só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do país, a atuação desses marginais do poder" Celso de Mello

"Nordestinamente, eu diria, é isso mesmo, gosto de jiló, gosto de mandioca roxa, gosto de berinjela crua. Ou seja, algo de vinagre, algo de féu, fica no céu da boca do magistrado, que se vê na obrigação de condenar alguém" Ayres Britto